Passado a febre repentina de Cinquenta Tons, eu fui procurar pela internet mais filmes “polêmicos”. Obviamente, eu parei no cinema europeu, por lá eu encontrei vários nomes até parar em Azul é Cor Mais Quente.
Desde seu estouro, ainda não havia surgido curiosidade sobre o mesmo, até agora. Depois de assistir quase as 3 horas de filme, fui correndo para a obra original, a HQ de apenas 160 páginas. Agora vou falar um pouquinho sobre o que achei sobre esta história. Para quem viu apenas o filme, pode parecer spoiler, mas não, a HQ começa depois da morte de Clementine, a protagonista da trama e é através de seus diários que vamos conhecer sua história e de que forma ela descobriu as diversas nuances que ela poderia ter em sua vida sem cor. Mas para isso voltaremos ao passado primeiro.
Clementine é uma garota de 15 anos e está no ensino médio. Como qualquer adolescente, as vezes, Clem se sente deslocada, não se encaixa no seu círculo de amizades. Clem tenta manter as aparências, se enturma e até tenta manter um namoro com um colega de escola, mas algo não a completa. Até que em uma de suas caminhadas, algo novo lhe chama atenção.
Eu quero que eles fiquem com você, neles estão as minhas lembranças de adolescência coloridas de azul. Azul escuro, azul celeste, azul marinho…o azul se tornou uma cor quente.
O cabelo e os olhos azuis de uma garota a hipnotizam na rua, foi inevitável não encara-la, tudo nela despertava sua atenção. A dona desses cabelos é
Emma, que está no quarto ano do curso de artes na faculdade. É por intermédio de um amigo que Clem visita um bar
gay, e por lá ela conhece finalmente Emma e a partir daí que a história começa a mudar, ela começa a travar um embate interno com ela mesma.
Emma começa a invadir os sonhos de Clem, sem saber o porquê, ela não sai de seus pensamentos e Clem sendo apenas uma garota entende o que acontece, ela poderia estar apaixonada por outra garota? Na HQ os dilemas entre querer e assumir ficam nítidos durante os quadrinhos. Neste momento a insegurança quanto sua sexualidade e o medo dos preconceitos da sociedade e dela mesmo começam a ser explorados a fundo, envolvendo ainda mais o leitor.
Clementine se joga num mundo de descobertas, com Emma ela descobre o amor, algo que ela nunca havia sentido, as maravilhas que isso pode proporcionar e também as tristezas que um relacionamento pode trazer. Mas como qualquer relacionamento, as duas tem seus altos e baixos. Na minha opinião o que contribui com isso, foi sem dúvidas, a maturidade cultural entre as duas, enquanto Emma sempre buscou se socializar com pessoas mais cults para compartilhar sua arte, Clementine queria apenas ser professora. Consequentemente, existe um certo afastamento, por conta disso Clem comete o seu maior erro, mesmo depois de anos.
O amor é abstrato demais, e indiscernível. Ele depende de nós, de como nós o percebemos e vivemos. Se nós não existíssemos, ele não existiria. E nós somos tão inconstantes… Então o amor não pode não o ser também.
Azul é a Cor Mais Quente nada mais é do que uma história bonita de amor, com começo, meio e fim. Julie Morah define o que amor, da sua forma mais simples, sem rótulos, sem regras ou gêneros impostos. É uma novela gráfica, com uma história simples, totalmente emocional e sensível, tem um pouco de sexualidade mas sem exageros. É um drama, que fala sobre amor, dor e escolhas e as personagens conseguem passar muito bem as complexidades do amadurecimento.
As questões aqui, são muito bem trabalhadas, mesmo com quase nada de diálogos, somos guiados pelas páginas dos diários de Clementine e ela consegue nos passar todos seus sentimentos impressos naquelas páginas, até nos momentos de silêncio. Enquanto Emma lê cada página, conseguimos se emocionar junto com ela e sentir toda a dor que ela sente no momento.
O amor se inflama, morre, se quebra, nos destroça, se reanima, nos reanima. O amor talvez não seja eterno, mas a nós ele torna eternos.
A cor azul está presente em quase todas as páginas da HQ, e ela não se remete apenas a Emma. O azul é a cor dos sentimentos de Clementine, é a cor do amor. O traço dos quadrinhos é muito bonito e eu me senti super confortável com as cores secundárias escolhidas, as tonalidades de cada página foi escolhida conforme os dilemas sofridos pelos personagens.
Fazendo uma breve
comparação com o filme, eu senti que na HQ eu consegui captar muito mais a sensibilidade da história e a mensagem que a autora quis passar. A direção que os roteiristas tomaram também são bem diferentes em relação ao original. As cenas “polêmicas” de sexo explícito entre as atrizes eu achei exageradas, pois este nunca foi a mensagem que o HQ quer passar, acredito que foi apenas uma forma do diretor chamar a atenção.
Por fim, Temos uma conclusão triste, é verdade, que nem chega a ser uma conclusão, já que ficamos sabendo disso desde a primeira página. É através desta história dolorida que presenciamos um lindo amor, e a forma que uma pessoa pode ser essencial na vida de outra, a colorindo um pouco mais, sem apologias, sem rótulos, apenas amor.
Para além da nossa morte, o amor que nós despertamos continua a seguir o seu caminho.
- Le Bleu Est Une Couleur Chaude
- Autor: Julie Maroh
- Tradução: Marcelo Mori
- Ano: 2013
- Editora: Martins Fontes
- Páginas: 160
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