A cidade murada, também conhecida como Hak Nam é um cerco com diversos casebres e barracos empilhamos por muitos andares. Para se poder ver o céu é preciso subir até a última cobertura O chão é imundo. As ruas são perigosas. Viver sozinho é quase impossível. A cidade, depois de abandonada pelo governo, acabou virando abrigo para os maus elementos e desabrigados. Desta forma a cidade foi crescendo num descontrole total, precariamente, possibilitando o crescimento da pobreza e consequentemente da criminalidade.
A cidade se assemelha muito a realidade de algumas favelas do Brasil, onde nem a polícia consegue entrar. Infelizmente os moradores que não tem a possibilidade de viver em um lugar melhor, acabam a mercê dos bandidos que controlam o local. Mesmo as boas pessoas foram corrompidas pela dura realidade em que vivem, fazendo com que tudo seja muito intenso, não há como confiar em ninguém numa cidade sem lei.
Para conseguir sobreviver a tudo isso,
Jin que vive nas ruas de
Hak Nam se comporta como um menino. Sendo extremamente ágil, ela corre muito. Seus pequenos roubos lhe rendem algumas boas coisas para viver, como comida e roupas. Jin tem um único propósito na cidade murada, procurar sua irmã que fora vendida por seus pais.
Mei Yee está confinada no bordel do maior traficante da cidade, e há dois anos sofre os abusos que esta vida lhe proporciona. Ela sonha em fugir, mas sabe que é impossível.
As possibilidades de Jin e Mei mudam, quando Dai entra em suas vidas. Dai se envolveu com as pessoas erradas e cometeu um erro grave. Para conseguir sair dessa ele precisa executar sem erros uma complicada missão, porém sem ajuda será muito mais difícil. Sem desconfiar que Jin é uma menina, Dai a convida para ajudá-lo em parte de seu plano, de se aproximar da Irmandade, a principal gangue da cidade. Por outro lado, através de Mei, ele vai conseguir as informações necessárias para que o seu objetivo dê certo. O plano é arriscado, mas também é sua única chance de limpar sua ficha e conseguir sua liberdade de volta.
Sem planejar, Dai é o elo que une estas duas irmãs, e através dos seus capítulos separados e narrados em primeira pessoa, cada personagem consegue passar exatamente cada uma das suas dificuldades, abusos e até motivações. E de se orgulhar quando vemos a força de vontade e determinação que Jin tem na busca incessante por sua irmã. Também é triste demais ver a realidade de Mei no bordel. A autora, mesmo narrando algo extremamente repugnante, consegue transmitir todo o sonho de uma menina que teve seus sonhos roubados.
A história é contada de forma regressiva, exatamente o número de dias que Dai tem para completar o seu propósito, o que acaba deixando o leitor muito mais aflito e apreensivo conforme a história vai acontecendo. Sem dúvidas é uma corrida contra o tempo.
Mei Yee com certeza foi a personagem que mais me alarmou, a que mais demonstrei nervosismo quando ela estava prestes a fazer algo perigoso, acredito que ela seja a personagem que mais vá emocionar, principalmente as mulheres. Dai também consegue mostrar sua dor, mesmo não passando por tantas dificuldades quanto as outras personagens, é difícil não se afeiçoar por ele quando vemos nele a única esperança de salvar estas meninas.
Além do contexto incrível que a autora criou, que já é sensacional por si só, o que realmente chama a atenção nessa história é a construção dos personagens. Mesmo com capítulos intercalados, a narrativa não perde o ritmo, pelo contrário, um está ligado ao outro. É latente o amadurecimento de todos os personagens, Dai, Jin e Mei Yee, todos têm uma força sem igual, dá para ver o quanto o sofrimento moldou a personalidade de cada um. Lentamente, a cada página, os personagens conseguem provar seus valores e cada detalhe neles é algo essencial para o entendimento da história.
Um exemplo disso é a comunicação que Dai tem com Mei durante a história, mesmo separados por uma parede, as poucas trocas de falas que eles têm ao longo do livro, passa uma profundidade tão grande que é extremamente tocante. De uma forma muito diluída, existe um romance aqui, mas não se deixem enganar, de jeito nenhum isso tira o foco da história, acredito que acabou sendo uma consequência, apenas.
É tão difícil de falar sobre este livro e tudo que ele me proporcionou emocionalmente. A Cidade Murada é um livro denso, grandioso e comovente, que vai te fascinar. A autora tem todos os méritos, ela aborda tráfico humano, violência, prostituição, drogas, enfim… é tudo isso jogado na cara do leitor. É um livro fantástico, uma leitura obrigatória para todo mundo. Mesmo tratando de assuntos tão pesados, através de sua narrativa, a autora consegue passar toda sua preocupação e uma leveza nas palavras, é como se a autora estivesse cheia de dedos, o que só prova o cuidado que ela teve.
A Cidade Murada é uma história descrita da maneira mais delicada possível, poderia dizer que até de certo modo é descrita de forma poética, porém concisa. A autora Ryan Graudin consegue desempenhar seu papel com maestria, ela passa a profundidade exata que a história exige. Através da ficção, criada por um lugar real, a autora faz uma crítica social, totalmente presente no mundo que vivemos.
Este livro mostra de uma forma dura e crua do que o ser humano pode ser capaz quando não há controle. Por outro lado, também mostra que o amor e a esperança podem surgir até nos piores lugares. Mais uma vez é o bem o mal das pessoas duelando numa história, se mostrando conforme as situações confrontam cada um de nós.
No final, não querendo dar nenhum spoiler, é muito triste ver que mesmo depois de tudo que aconteceu, algumas pessoas não conseguiram tirar a cidade murada de dentro delas, por mais que quisessem. Sem dúvidas isso foi o que mais me doeu ao finalizar a leitura, que as vezes, passamos tanto tempo dentro da escuridão, que ela acaba virando familiar demais.
Se você ainda não leu, já é hora de você conhecer esta história emocionante, que vai tocar seu coração. No final do livro podemos conferir fotos dessa cidade, que atualmente já foi destruída. E também uma nota especial da autora, com informações de que forma ela resolveu criar esta história. Espero que gostem e boa leitura!
- The Walled City
- Autor: Ryan Graudin
- Tradução: Guilherme Miranda
- Ano: 2015
- Editora: Seguinte
- Páginas: 400
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