Quando era criança tinha uma paixão arrebatadora por fantasias. Não que hoje, após conhecer os mais diversos gêneros e ter me aventurado por histórias que nunca pensei existir, não ame mais esse gênero mágico e encantador, mas para a minha versão criança, tudo era baseado em fantasia.
Assisti uma lista infinitamente finita de filmes, me encantei por histórias de fadas, torres de marfim, guerreiros corajosos, histórias sem fim, porém algumas dessas histórias maravilhosas acabaram se perdendo em meio a tantas lembranças, guardadas com carinho nas gavetas mágicas da minha mente. E então, anos e anos se passaram, novas histórias surgiram para tomar o lugar daquelas que formaram a base para todo o meu amor por fantasia, e uma delas surgiu para acordar aquela criança novamente, mostrar algo que somente as antigas fantasias podem mostrar, trazer novamente o brilho nos olhos da menina que passava as tardes desbravando filmes fantásticos.
Ninguém via a coruja, branca à luz do luar, negra contra as estrelas. Ninguém a ouvia planando no ar, com silenciosas asas de veludo. Mas a coruja tudo via e tudo ouvia.
O livro Labirinto é a novelização escrita por A. C. H. Smith do filme de mesmo nome pensado por Jim Henson, lançado no ano de 1986 e estrelado por David Bowie e Jennifer Connelly. Quando esta obra surgiu na porta de minha casa, se mostrava como um segredo, uma incógnita que precisava descobrir uma vez que as gavetas mágicas que armazenavam lembranças dos filmes assistidos em minha infância estavam abarrotadas demais para se encontrar qualquer coisa. Ou talvez tudo não tenha passado de uma grande peça do destino, uma forma de fazer com que a leitora de 24 anos se encontrasse no labirinto com a pequena criança de seis ou oito anos que passava as tardes desbravando e conhecendo novos mundos.
A obra irá nos apresentar a história de Sarah, uma menina de dezesseis anos que vive com o pai, a madrasta e seu irmãozinho mais novo Toby. Durante uma noite de tempestade, Sarah é deixada em casa para cuidar de seu pequeno irmão, porém, após quase perder a cabeça com o choro do bebê ela, em sua inocência e ignorância, acaba pronunciando as palavras capazes de fazer com que seu irmãozinho seja levado pelo Rei dos Duendes. Após perceber seu erro e ousar repará-lo, a menina deve enfrentar, dentro do período estabelecido de treze horas, um enorme labirinto, para assim e somente assim, ter seu irmão novamente. Derrotando, em consequência, vossa excelência o Rei dos Duendes, quem fará de tudo para vê-la falhar.
Labirinto, como Jim Henson o pensou, é um conto sobre aceitação e crescimento, porém também é uma história sobre amizade. Assim como toda boa história de fantasia – e não estou falando do Reino de Fantasia – a obra apresenta mensagens implantadas e integradas a toda a jornada dos personagens. Mensagens estas, demonstradas para o leitor, ou espectador, de uma maneira única, capaz de nos fazer crescer juntamente com as batalhas enfrentadas por cada personagem. Através das diferenças, das personalidades e do enfrentamento de situações adversas descobrimos o poder de aceitar o outro por sua essência. Aprendemos as maravilhas que podemos alcançar e realizar quando aceitamos a ajuda e as peculiaridades de outros em nossas jornadas. E assim, aprendemos sobre amizade.
Lâminas de nuvens cortavam a face da lua. Ela pensou ter visto de relance a silhueta de uma coruja, lá no alto, as asas totalmente abertas no ar, afastando-se gradualmente.
Amizade é a força capaz de nos fazer crescer, amadurecer. Amizade é o poder escondido dentro de cada um de nós, a luz que brilha mais forte nos momentos de dificuldade, é o aceitar as diferenças e dar as mãos para enfrentar a jornada a nossa frente, é se arrepender e voltar atrás, é descobrir que não precisamos deixar de ser quem somos para sermos aceitos. É antes de tudo, ter coragem para saber que erramos e reparar nossos erros, é recitar as palavras certas e entrar de queixo erguido nas profundezas do labirinto.
Mas, como muitos tão acertadamente perceberam, Labirinto também é um conto sobre a passagem da criança para a fase adulta. A Sarah do início de nossa história era imatura, se emburrava com ações que não entendia, pensava saber as verdades por trás de seus pais e madrasta, mas a, o mundo adulto é muito mais complexo do que sua cabecinha de dezesseis anos poderia imaginar. Ao enfrentar o labirinto, olhar o Rei dos Duendes nos olhos e mostrar que estava pronta para enfrentar sua jornada, mesmo sem saber das dificuldades que surgiriam, Sarah nos mostra o enfrentamento à vida. A personagem nos instiga, olha em nossos olhos e mostra que não tinha medo de seguir para o desconhecido. A Sarah que volta do labirinto é outra versão de si mesmo, é uma menina capaz de aceitar, de ver o mundo com outros olhos, e essa é a lição que o Labirinto nos trás de uma maneira tão bela.
Como se não bastasse toda a magia dessa história maravilhosa, seus ensinamentos e mensagens, ainda recebemos extras de deixar qualquer fã do filme fascinado. Aqui encontramos ilustrações e croquis de Brian Froud, colaborador de Jim Henson na empreitada de dar vida a suas ideias. E para fechar com chave de ouro, e nos inspirar ainda mais, encontramos trechos inéditos dos cadernos de Jim no momento em que transformava o Labirinto em um projeto que se transformaria nesse filme que guardamos com tanto amor em nossos corações!
Quando iniciei a leitura dessa obra era apenas a leitora de 24 anos cheia de amor por livros e histórias fantásticas, porém, ao entrar no labirinto novamente fiz um caminho diferente do de Sarah. Dessa vez reencontrei aquela garotinha apaixonada por fadas e dragões, aquela criança fascinada por mundos que somente a fantasia é capaz de criar e percebi o quanto essas histórias fazem falta em nossas vidas. Muito mais do que uma novelização de um filme que muitos assistiram em sua infância, Labirinto é uma mensagem capaz de nos encantar através dos anos, mesmo após termos saído de nossos casulos e enfrentado o Rei dos Duendes. Muito mais do que revisitado por grandes fãs, crianças que o assistiram quando novas e se esqueceram de sua magia, essa obra deve ser passada para as novas gerações, pois existe algo que somente a fantasia é capaz de nos mostrar e é através dela que espalhamos as sementes de magia pelo mundo.
Do lado de fora da janela escura, a coruja branca, um símbolo da observação e da espera, estivera empoleirada com suas garras cravadas em um galho por todo esse tempo. Agora, alçava voo por sobre o parque, em silenciosas asas de veludo, subindo em direção a lua cheia. Ninguém a viu, branca à luz do luar, negra contra as estrelas da imensidão.
- Labyrinth: The Novelization
- Autor: A. C. H. Smith, Jim Henson
- Tradução: Giovanna Louise Libralon
- Ano: 2016
- Editora: Darkside Books
- Páginas: 272
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