No ano de 1932, a obra concebida pelo olhar aguçado e crítico de Aldous Leonard Huxley é publicada pela primeira vez. Admirável Mundo Novo, livro que se transformou em clássico da modernidade, com toda a sua contextualização, visão crítica e, até certo ponto, sombria da sociedade, posicionou o autor no patamar de gigantes da literatura, consagrando a visão de um escritor que, muito mais do que criador de histórias fictícias, era capaz de refletir sobre a sociedade ocidental e todos os caminhos equivocados que estava trilhando, e ainda viria a trilhar.
Por muitos anos ouvi o nome de Aldous Huxley sendo dito entre os mais diversos meios; tive a oportunidade de ler comentários simples, aprofundados, equivocados ou críticos sobre suas obras; e apesar da curiosidade, das indicações ou falta delas, até o presente momento nunca tinha recebido a chance de me aventurar por suas histórias. Com sua escrita desafiante, sua crítica aguçada, as mais diversas reflexões sobre o modelo de sociedade ocidental, e é claro, a criação de uma sociedade perfeitamente utópica, entrei, pela primeira vez no universo criado pelo autor. Hoje, após finalizar a leitura daquela que foi sua última obra publicada e minha primeira experiência com o autor, venho compartilhar com vocês a grandeza de uma obra que, talvez eu nunca seja capaz de compreender em sua totalidade.

Em 1930, qualquer observador atento e esclarecido teria visto que, para três quartos da raça humana, a liberdade e a felicidade estavam absolutamente fora de questão.

Will Farnaby acorda sobressaltado no coração de uma floresta tropical. Flashes de uma noite chuvosa voltam para sua mente. Durante a noite anterior ele desembarcava na famosa e instigante ilha de Pala, e iniciava o que seria muito mais do que uma jornada de descoberta, mas também um caminho de análise e reflexão sobre a sociedade ocidental.
Localizada na porção oriental do globo, esta pequena parcela de terra era reconhecida por sua forma única de governo, pela prosperidade de seu povo, pelo modelo ideal instalado através de uma revolução cultural pacífica que foi capaz de garantir a felicidade, liberdade e riqueza daqueles que tiveram a sorte de nascer no ponto geográfico correto. Will desembarca na curiosa ilha com olhar cínico, com toda uma visão ocidental capitalista, repleto de planos para conhecer os segredos e detalhes da comunidade, além de um projeto de conquistar os governantes, garantindo a seu empregador a possibilidade de explorar as riquezas da ilha.
Nem todos os jornalistas conseguem carta branca para visitar seu interior, poucos são aqueles que voltam de seu território e compartilham com o mundo aquilo que viram. Mas agora, esse personagem único e profundo trilhará uma jornada de reflexões sobre a sociedade, e irá descobrir, juntamente com o leitor que desbravar as páginas dessa obra, os maiores segredos de uma sociedade utópica repleta de caminhos possíveis para uma sociedade livre das dores de uma civilização decadente.
A Ilha é uma obra complexa, repleta de reflexões acerca da sociedade ocidental. Do início ao fim cercada por críticas à forma como conduzimos nossas vidas, como nossos governos seguem para os caminhos da perdição, como o imperialismo destrói culturas, de como a especialização do conhecimento obscurece nossa visão, de como facilmente julgamos sem buscar compreender.

Se suas crianças levam a idiotice a sério, elas crescem e se tornam pecadores miseráveis. E se elas não a levam a sério, elas crescem e se deixam levar pelo cinismo, acabando ou papistas ou marxistas.

Através da criação de uma sociedade utópica, dos detalhes capazes de gerar regras justas, dos indivíduos que reconhecem o caminho correto a se seguir junto a sua comunidade. De todas as possibilidades que surgem quando se conhece o que se é, e o que é o que. A última obra publicada por Aldous Huxley nos faz sonhar com um futuro melhor, utopicamente possível em nossas mentes.
Da mesma forma com que observamos uma sociedade perfeita, até mesmo em suas pequenas imperfeições, encontramos as falhas brutais, as vidas perdidas, os caminhos sombrios trilhados pela sociedade capitalista ocidental. O autor, com todo seu talento, coloca nas mãos nossa frágil sociedade e a expõe sob os olhos críticos de alguém que já cansou de perceber a necessidade de cometer sempre os mesmos erros. A Ilha é repleta de reflexões sobre a sociedade, estendendo-se para nossos dias, para as ações que ainda realizamos, e escolhas que ainda fazemos. Para os governos corruptos que buscam nada mais do que o poder em detrimento da essência humana, e deixam seu povo sucumbindo enquanto avançam para as portas luminosamente enganosas do inferno.
Não é fácil abordar uma obra tão profunda e atual, trazer para um leitor desavisado todas as nuances presentes em uma escrita certeira, melodiosa, extremamente reflexiva. Aldous Huxley não tem medo de exigir atenção, interpretação e esforço de seu leitor, e não posso deixar de agradece-lo por isso. A Ilha não é uma obra fácil, simples, e não irá seguir os mesmo caminhos trilhados pelas correntes de destaque dos livros atuais. Trata-se de um clássico, mais um livro capaz de ir além do discurso raso e repetitivo, capaz de se adequar para as realidades além de seu contexto original.
O autor, com toda a sua visão de mundo, suas críticas, sua profundidade e sua Ilha maravilhosamente utópica, me conquistou logo na primeira experiência com sua escrita. Com um texto denso e difícil de compreender ele exige atenção do leitor, mas não sem oferecer em troca uma nova forma de refletir sobre o mundo. Este não é um livro simples ou repleto de discursos rasos, trata-se de uma obra rica em detalhes, absurdamente atual, e é sim leitura obrigatória para todos aqueles que algum dia olharam para o mundo e perceberam, com seus olhos cansados, todas as imperfeições que ainda insistimos em perpetuar.

  • Island
  • Autor: Aldous Huxley
  • Tradução: Bruno Gambarotto
  • Ano: 2017
  • Editora: Biblioteca Azul
  • Páginas: 400
  • Amazon

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