Em um futuro, talvez, não tão distante, o Brasil enfrenta uma segunda ditadura e é governado por um fundamentalista religioso que se intitula como o Escolhido. Nesta nova realidade política tudo é controlado. A polícia mantém pulso firme quanto as fiscalizações, o ato de distribuir livros é visto como um ato de rebeldia e é isso que Chuvisco e seus amigos fazem para tentar abrir os olhos da população e resistir.
O gesto é pequeno, mas tudo é válido e o risco é grande. Além de driblar a polícia, é necessário também tomar cuidado com a Guarda Branca, um grupo de fanáticos pelo o Escolhido e que aparentemente perdeu totalmente o controle. O objetivo do grupo é perseguir as minorias, sejam eles gays, negros, adeptos de outras religiões, ou seja, tudo que se oponha a ideologia deles. A trama inicia quando Chuvisco reage a um ataque contra um garoto na rua e para salvá-lo ele vai recorrer ao herói que existe dentro dele, mesmo quando que para o resto do mundo, ele não seja real.
Com uma crítica política atual e conveniente, Eric Novello inicia sua trama nos apresentando um personagem que poderia ser qualquer um de nós. Um personagem que luta pelos seus direitos num país cheio de desigualdades e cega contra as injustiças de um governo tirano, mas que mesmo assim, faz dos seus dias mais felizes ao lado dos seus amigos.

Fico com medo de me transformar na frente dele e ter que explicar que sou um caçador de sombrios com uma carapaça cibernética, entregando meu disfarce. Para evitar problemas, pago, agradeço e volto para a calçada.

O livro todo é narrado pela perspectiva do Chuvisco, um personagem um tanto quanto peculiar e o responsável também por dar um tom mais fantástico para esta história. Chuvisco tem alguns episódios chamados de Catarse Criativa, momentos onde ele mistura a realidade com a fantasia. Isso proporcionará ao leitor reflexões sobre o que realmente é real e o que está se passando apenas na cabeça do protagonista. Para adentrarmos na psique do personagem contaremos com outras duas ferramentas narrativas ao longo do livro, uma onde ele troca e-mails com seu antigo psicanalista, o dr. Charles e as partes onde “veremos” alguns vídeos antigos postados por Chuvisco quando ele tinha um canal no Youtube, o Tempestade Criativa. Em ambos os momentos é possível nos aprofundar mais no personagem e entender mais como sua cabeça funciona, principalmente, do porquê ele estar em determina situação no presente. Sem dúvidas, estas ferramentas ajudaram e muito na dinâmica da leitura.
Porém, é preciso dizer que a narrativa apesar de interessante é lenta por grande parte do livro. A ação demora para efetivamente acontecer e quando acontece é breve ou ocorre uma grande quebra de ritmo, o que pode decepcionar os leitores que esperam de Ninguém Nasce Herói uma história de heróis propriamente ditos. No livro, se tornar ou não um herói é muito mais no sentido figurado, de fazer algo válido para a sociedade e lutar pelo que acreditamos e nisso o autor ganha todo o mérito. Sem dúvida a crítica e a mensagem passada aqui gera uma grande reflexão para o leitor, principalmente por nos apresentar uma realidade possível. Se pararmos para pensar sobre isso é assustador.
Os personagens secundários, os amigos de Chuvisco, fazem parte de algumas das minorias perseguidas durante o livro, cada um tem uma característica diferente e isso é muito abrangente na história que Eric criou. Sejam eles por diferenças físicas, econômicas, religiosas e também devido as suas opções sexuais, todos tem suas próprias motivações. Ninguém Nasce Herói ganha muita representatividade assim, nos mostrando personagens reais e os tornando únicos dentro do enredo, mostrando que a a união e a amizade é sim um dos elos fundamentais para sermos mais fortes.
Ainda não sei dizer se Eric conseguiu equilibrar os três pontos principais do livro juntas, a política, a amizade e as catarses. Mas sei que nos momentos onde a fantasia se misturou com a realidade, eu tive a impressão que os assuntos não se conversavam corretamente, me causando uma certa estranheza no decorrer da história, porém quanto a política precisamente dita, é bem verdade que o autor acerta ao trabalhar em cima de uma população assustada, que teme por se expressar, que teme por ser mal interpretada e que teme por andar na rua. Com um pequeno grupo de jovens, o autor nos mostra que existe um pequeno herói em cada um de nós, sempre pronto para lutar.
Toda a história se passa em São Paulo, com certeza isso proporciona ótimos momentos para quem mora e frequenta todos os locais que são mencionados aqui. Ninguém Nasce Herói é indicado para o público mais jovem, mas eu recomendo que todos se aventurem por estas páginas. Com personagens assustadoramente reais, o livro serve como um alerta aos mais velhos e como um incentivo aos mais novos, apenas lutem, pois todos os problemas que encontramos aqui já acontecem atualmente, muitos deles escondidos dos nossos olhos.

  • Ninguém Nasce Herói
  • Autor: Eric Novello
  • Tradução: -
  • Ano: 2017
  • Editora: Seguinte
  • Páginas: 384
  • Amazon

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