Eis que o filho do “Deus” do terror, está de volta, sim, enquanto tentamos assimilar os contos apresentados por Stephen King em Bazar dos Sonhos Ruins, Joe Hill chega ao Brasil com Mestre das Chamas, uma ótima tradução do nome original, porém, coisa que não se aplicou no livro, infelizmente, mas sobre isso falamos depois.
Ausente das prateleiras brasileiras desde Nosferatu, Joe Hill chega ao país um ano depois de lançar sua obra nos EUA, essa relativa demora acontece quase sempre nas obras de Joe e do seu pai, devido à grande quantidade de termos específicos que eles usam em seus textos, muito bem contextualizados, e que dificultam demais a tradução de suas obras.
Mestre das Chamas conta a história de Harper Grayson, uma enfermeira que cuida de pessoas infectadas por uma grave doença, a Escama de Dragão, algo que surge no corpo das pessoas como uma tatuagem e que dependendo do estado emocional delas as fazem simplesmente entrar em combustão e literalmente incendiar, queimando a si mesmo e a tudo que está ao seu redor. Harper passa a viver um drama quando se descobre grávida e, por ter convivido tão de perto com essas pessoas, as chances de ela estar infectada também são enormes, seu marido tenta convence-la a abortar, mas e o seu sonho de ser mãe? E agora, será que ela realmente está infectada? E o bebê, será que nasceria com a doença também?
A broca mastigou em um segundo a fina camada de pele, transformando-a no que pareciam flocos molhados de mingau de aveia.
Por trabalhar com os doentes, Harper sabe o destino dos recém-nascidos de mães infectadas, são abruptamente tirados de seus braços ainda no leito do parto e enviados para algum lugar aonde as mães jamais poderiam encontra-los. Depois de fazer os exames, a confirmação vem, ela fica na dúvida sobre levar a gravidez adiante, o marido a abandona e ela se vê sem saída, até descobrir uma colônia, onde pessoas infectadas vivem livremente, com as escamas controladas e teoricamente, sem riscos de entrar em ebulição. Ao chegar nesta colônia ela conhece o chefe, chamado de “Pai” por todos moradores, é ele quem dá as instruções, que vigia as pessoas e que dá a cada uma sua função no lugar. O quanto ele é honesto, capaz de curar pessoas e se realmente do bem, Harper só descobrirá depois de ficar tempo suficiente perto daquelas pessoas.
A obra é dividida em nove livros, nove histórias, todas elas ligadas diretamente à Harper e à doença. A ligação de todas histórias se dá de maneira fluída, sem que seja forçada a barra. Em nenhum momento da leitura fiquei com a impressão de que a enfermeira ou os outros personagens tenham caído de paraquedas naquela parte da história, o que deixa o livro completamente plausível.
A escrita de Joe Hill é dura, cheia de palavrões, como nos livros do seu pai, o autor faz questão de descrever minuciosamente os detalhes de cada corpo incendiando e do que acontece com as coisas que estão ao seu redor, desde a maca queimando no hospital até o olhar de uma vítima que vê seu corpo começar a incendiar.
AS MENINAS DESSA COLÔNIA SÃO UM BANDO DE PIRANHAS LÉSBICAS, E SE TODAS ELAS QUEIMASSEM AMANHÃ EU NÃO SOLTARIA NEM UM PEIDO DE FUMAÇA.
Meu primeiro contato com o livro foi com sua edição americana, cujo nome original é The Fireman. A palavra Fireman tem como significado direto, em português, de Bombeiro, porém é a mesma forma que os americanos usam para chamar um possível “Homem de Fogo”, esta segunda tradução é a tradução perfeita para The Fireman. Tive medo, logo quando vi o título do livro em inglês, de que o livro brasileiro fosse chamado de “Bombeiro”, o que seria muito ruim, mas Mestre das Chamas serviu perfeitamente bem na capa. Digo na capa, porque durante todo o livro, ao invés de chamarem o personagem que consegue controlar as chamas, pela mesma denominação, o tradutor preferiu chama-lo de “Bombeiro”, sendo que em nenhuma cena ele apaga algum fogo.
Este é um dos únicos erros do livro, e sim, para mim isso pesa bastante na leitura. “Bombeiro” ficou completamente fora de contexto do que realmente aquele personagem é capaz, e faz o título do livro perder total sentido se você não entende que o Bombeiro é o Mestre das Chamas. Eu entendi porque havia lido em inglês, portanto não sei se pessoas que terão contato somente com o livro em português poderão ter alguma dificuldade de entender de quem o título fala realmente.
Outro problema para mim do livro, desta vez em sua escrita e não na sua tradução, é o final abrupto e sem uma resolução total, o exemplar tem quase 600 páginas, evolui de uma maneira tranquila, sem acelerações, até seu último “livro”, onde parece que o escritor quis acabar de uma vez a obra. É como se ele tivesse um limite de páginas para escrever e o acabasse antes do momento certo, inclusive as cenas, sempre bem detalhadas, param de ser descritas da maneira como foram nos livros anteriores.
Voltando a falar sobre a tradução, desta vez para elogios, durante o livro Joe faz várias referências a músicas e bandas de rock, desde Beatles até AC/DC, e a edição apresenta as letras originais das
músicas e em seguida a tradução delas, às vezes ao lado, outras como nota de rodapé. Uma ótima solução para aquele leitor com pouco domínio do inglês entender o contexto da citação, ainda bem que o tradutor não expôs só a parte em português, permitindo que quem as conhece e gosta das músicas se identifiquem com a situação.
No começo do livro, Joe Hill abre uma página para agradecer a quem o inspirou na obra, citando alguns escritores, desde J.K. Rowling até Ray Bradbury, mostrando que não é somente seu pai quem lhe dá ideias para suas publicações.
Mestre das Chamas é um ótimo livro de terror, cheio de momentos trágicos e temerosos, entretanto, ele não dá medo, pois não apresenta nenhum vilão e o mal que acontece é algo que nunca irá se tornar realidade nas nossas vidas. Porém, entrando na pele dos personagens, principalmente da enfermeira Harper, você se sente como um amigo e começa a torcer pelas decisões que ela terá que tomar, sofrendo junto com ela, com suas mágoas e problemas criados durante sua caminhada, desde ser abandonada pelo marido até a dúvida de seguir a gravidez de uma criança que talvez nasça com a mesma doença que ela ou abortar e continuar com sua vida normal ao lado do seu marido.
Vocês levariam em frente a gravidez, sabendo que essa decisão irá mudar completamente sua vida e pode inclusive provocar sua morte? Esta é a tônica que faz o livro transcorrer, e em cima dessas decisões de Harper que o terror começa a acontecer. Mestre das Chamas é um belo livro, como todos de Joe Hill, achei aquém de Nosferatu, melhor livro dele na minha opinião, mas um belo passatempo para quem gosta de terror e já leu todos os livros de King e do próprio Hill. Imperdível.