Mãe! nos contará a história de um casal que vive em sua afastada casa no campo. A esposa (Jennifer Lawrence) passa os dias restaurando a casa que já sofrera em um incêndio. O homem (Javier Bardem), um famoso poeta, busca novamente a inspiração para sua nova obra. A rotina do casal muda completamente com a chegada de um estranho visitante e este acontecimento acaba interferindo drasticamente em suas vidas. Mãe! nos contará a história de um casal que vive em sua afastada casa no campo… pelo menos é isso que Darren Aronofsky, diretor e roteirista do filme, nos faz acreditar.Ao chegar aqui, é impontante que você leitor, saiba que esta crítica ou análise, poderá conter algo que possa ser interpretado como spoiler, pois seria impossível falar de uma forma tão rasa sobre um filme tão espetacular e tão denso em suas várias camadas.
Quando fui assistir Mãe! ainda nos cinemas, fui sem saber o que esperar. Fugi completamente de qualquer tipo de material de divulgação de proposito, eu ansiava por esta experiência e ela precisava ser sentida por completo. Ao sair do cinema me lembro claramente da massa de pensamentos que se encontravam brigando na minha cabeça.
Eu tinha duas certezas sobre o enredo. Quem eram os protagonistas e o que a casa, e o que acorrera dentro dela representavam, uma vez comparados a nossa sociedade. Eu resisti o quanto pude as buscas na internet, pois mesmo que eu quisesse saber mais sobre tudo que tinha sido jogado na minha cara, eu acreditei que fazia parte de toda a experiencia descobrir e compreender sozinha o que havia visto. A verdade é que se passaram horas e eu ainda pensava sobre o filme e sobres os vários porquês que dançavam dentro de mim. Dentre estes vários questionamentos, um foi o responsável por clarear todas as minhas ideias.
Uma vez que eu descobrira quem era o visitante misterioso, interpretado pelo incrível Ed Harris, uma enxurrada de descobertas caiu sobre minha cabeça. As ideias foram se encaixando e todo o filme fora se montando diante dos meus olhos como um quebra-cabeças. Após isso comecei a me aventurar sobre as outras camadas, as outras interpretações e impressões que Mãe! proporciona. Falar sobre cada uma delas renderia parágrafos e mais parágrafos e talvez não houvesse um leitor se quer que se aventurasse por estas linhas, o que não deixa dúvidas de que este é um filme que proporciona uma ótima mesa de discussão.
Sendo assim, eu e a Izabel resolvemos falar mais profunda e abertamente sobre o filme, cada uma a sua maneira e com suas próprias percepções. Eu os introduzindo para o que lhes espera e a Izabel os conduzindo pelas camadas fundas e nem um pouco findas de Mãe! Para finalizar minha breve e, talvez, confusa introdução, Mãe! é um filme diferente de tudo que já havia visto, essencialmente metafórico, é peculiar, atordoante, incomodo, grandioso e provocativo, isso tudo ao mesmo tempo. Definitivamente não é um filme para todos. Não é algo para lhe entreter. É para lhe abrir os olhos. Enxergue por outra perspectiva, reflita. Quanto isso, o filme é bem claro.
Mãe! não possuí uma linha tradicional de narrativa e enredo, o filme divide o público por meio de si mesmo, uma vez que, por não apresentar uma história mastigada e linear, destacar-se pela profundidade com que avança, não na essência de seus personagens, mas no que estes representam e, por conter uma carga de simbologia e interpretação únicas, divide o público entre os que não serão capazes de compreender as nuances que contém e aqueles que nunca mais serão os mesmos, pois deixaram-se tocar por tudo o que aqui é apresentado.
De forma superficial, o filme aborda o relacionamento de um casal, cujo marido é reconhecido por sua poesia sublime, mas enfrenta o luto e a falta de inspiração em sua carreira e chora pela perda da antiga mulher. Além de apresentar a atual esposa – destaque na primeira e última cena do filme – cujas mãos e mente foram capazes de reconstruir das cinzas o lar que seu amor dividia com a falecida e que, com delicadeza e tato, traz vida, amor e vitalidade para o ambiente que dividem. O enredo inicial apresentado não deve ser compreendido como fixo e fechado, Mãe! é profundo, maleável, rico em detalhes que, depositados com sutileza ao longo da narrativa, transformam o filme em algo muito maior do que o mero clichê de relacionamento entre homem e mulher, entre um artista e sua musa.
Regado por simbologia e sutileza, o filme perde a razão de ser e sua própria lógica se observado como uma narrativa sobre o relacionamento de um casal. Os pequenos detalhes, pistas deixadas ao longo do filme e, o caos que se estende pela narrativa após o primeiro momento de acontecimentos estranhos, funcionam como direcionamentos para o espectador. Da mesma forma como um narrador de uma obra de ficção conduz o leitor e destaca como este deve ler a obra em suas mãos, Darren Aronofsky espalha pelo filme elementos que nos auxiliam a “ler” o filme como este deseja que seja lido, porém, tudo é construído de maneira tão sutil, que apenas os mais observadores e cujo foco estiver direcionado para o caminho certo, irão compreender as diversas camadas desta obra.
As posições de câmera, a tonalidade das cenas, a expressão, olhar e vestimenta de cada ator, até mesmo falas como: “Perdoe-os” ou “Lhe dei tudo o que tinha”, contém dentro de si a forma como o espectador deve compreender essa obra. Não é uma tarefa fácil refletir e interpretar Mãe! mas é extremamente gratificante quando, por meio de nossa própria percepção e visão do filme, nos deixamos tocar pela trajetória e simbolismo do filme.
A escala é extremamente importante aqui. Ao comprimir todos os aspectos que queria passar, dentro das paredes e cômodos de uma residência, Darren Aronofsky ganha em tempo, símbolos e força para garantir a imersão do espectador. É necessário o estabelecimento de uma forte conexão entre quem assiste com a personagem principal, interpretada por Jennifer Lawrence e, cujo nome nunca iremos ouvir ao longo do filme. Por concentrar todos os eventos nos cômodos da residência do casal, o choque e as sensações são passadas com força. Podemos sentir a dor, a tristeza, frustração, alegria, sofrimento da personagem. Percorremos os eventos ao seu lado, e, mesmo quando as situações se transformam em eventos inimagináveis, irreais, podemos sentir suas garras sobre nós, a força de um olhar ou de acontecimentos que nos cercam, porém que, aqui, chocam por estarem absurdamente próximos e concentrados.
A sua própria maneira, Mãe! trabalha com uma dualidade única e uma complementaridade pertinente. O que encontramos na esposa é uma força de amor incondicional, algo palpável, único, sentido em nossos corações e nossas veias, porém, perdido ao longo da evolução incessante do homem. A conexão que estabelecemos com a personagem é única, remete a um momento passada, histórico, perdido, reencontrado por aqueles que não se deixam enganar e cegar pelo caminho dos homens. É o lado da esposa que tomo na realidade, e foi o lado da esposa que tomei ao longo de todo o filme. Sofri com ela, chorei por ela, enfrentei a humanidade ao seu lado e me rendi quando suas forças fraquejaram, e sei que, mesmo quando os rastros de nossas pegadas na história do mundo, o pó de nossos corpos for varrido da face da terra, é ela que prevalecerá com sua justiça e amor primário.
É por meio da figura do marido que surgem minhas críticas. Não sou capaz de refletir sobre Mãe! e ignorar o fato de que, muito mais do que representar a luminosidade pura, o marido é cruel em sua ânsia pela bondade, é injusto em sua forma de propagar a verdade, é a eliminação da razão em busca de posicionar-se com os seres que cometem erro atrás de erro, que não aprendem, que ferem, matam, torturam, aniquilam, pisoteiam, decepam, destroçam, absorvem a vida de tudo em que suas mãos tocam. A essência do marido é cristã, na profunda e remota trajetória do conceito, e, como espectadora e personagem real da história humana, não posso ignorar o fato de que, quando se opta pela essência cristã, opta-se também pela visão antropocêntrica.
Compreendo as possíveis motivações pela escolha de uma essência mais ligada a essência cristã e antropocêntrica, uma vez que estamos observando um público em sua grande maioria ocidental, e, mesmo acreditando ter encontrado certa crítica para com a desvirtualização da humanidade para com suas deidades, a subversão de narrativas que o tornam especial e justificam suas ações, me sinto traída ao encontrar um grau de redenção para o símbolo que o marido representa. É típico do ser humano esperar pela redenção, é fácil acreditar que após todas as suas falhas, a destruição que causou e a morte que espalhou, desejar uma mão que lhe mostre o caminho.
Mãe! é único, profundo, repleto de simbologias. Estabelece um caminho árduo, porém gratificante. Exige esforço do espectador, não oferece as respostas que buscamos sem antes nos chocar com tudo aquilo que estamos tão acostumados ao encontrar em nossa própria realidade. Apesar das críticas e elogios, o filme é belo, sensível e sua mensagem não pode ser compreendida por todos pois, assim como o homem demora para aprender com seus próprios erros, e talvez nunca venha a aprender completamente, nem todos estão preparados para refletir e interpretar um filme que, se passar pelo crivo do tempo, se tornará mais uma obra de arte na história dos acertos da humanidade.