No ponto em que nos encontramos, após ter escrito tantas resenhas e compartilhado minhas opiniões, acredito não surpreender ao mencionar o fato de que sou perdidamente apaixonada por clássicos da literatura. É no romance, em narrativas muitas vezes associadas ao gênero do terror, que meu amor se torna ainda mais profundo e passo a apresentar uma posição até mesmo defensiva com relação as obras que possuem um espaço especial em meu coração. Defendo estas histórias com todas as forças justamente por destacar a humanidade através dos atos mais sombrios e poéticos, por belamente demonstrar histórias trágicas capazes de espelhar tudo aquilo que carregamos dentro de nós.
Histórias de terror, assim acredito, muito mais do que assustar ou perseguir noite adentro, mostram luz e trevas que compõem um único ser, nos fazem refletir e sofrer ao seguirmos enredos que, como poucos, apresentam os pequenos detalhes que nos tornam o que somos.
Penny Dreadful é um seriado cuja breve vida esconde profundidade e beleza ao longo de três temporadas habilmente conduzidas por seu criador, John Logan. A série lança mão de características, histórias e personagens clássicos da literatura como Victor Frankenstein, Dorian Gray, e o próprio Conde Drácula, integrando aquilo que compreendemos por sua essência ao longo de uma narrativa que, além de fazer homenagem a obras que amamos, nunca descaracteriza seus personagens em busca de agradar novos espectadores.
Os 27 episódios, impecavelmente construídos por meio de rico cenário, diálogos e monólogos profundos e reflexivos e uma história única, maravilhosamente trágica, repleta de poesia e sombras, nos conduzem por histórias que se interligam e influenciam, vindo a apresentar um dos melhores desfechos que já tive a chance de presenciar.
Vanessa Ives – interpretada de forma única e repleta de nuances, por Eva Green – possuí seus próprios demônios, segredos e uma jornada de erros que a levaram até a casa de Sir. Malcolm, pai de sua melhor amiga de infância e, atualmente, protetor.
O passado destes dois personagens é turbulento, a trajetória de suas famílias, uma vez intimamente interligada, foi brutalmente distanciada devido a um erro que levou consigo o futuro de Mina, filha de Sir Malcolm. Quando esta desaparece e pede auxílio de Vanessa, os dois descobrirão o lado mais sombrio da Londres em expansão e transformação, lançando-se em busca da filha perdida, além de cruzar seu caminho e pedir auxílio a Victor Frankenstein e Ethan Chandler, dois personagens que, através de suas próprias peculiaridades, irão possibilitar que a trama se expanda para muito além do enredo inicial.
Apesar de possuir como ponto de partida a busca por uma grande amiga de infância, Penny Dreadful não se fecha no conceito de busca, na união de forças para salvar uma filha perdida, apesar de, quando analisado com profundo olhar, destacar-se justamente por esse tipo de narrativa em um nível ou outro. A série possuí como ponto central a trajetória, medos, traumas e o próprio destino de Vanessa Ives, direcionando o espectador para um mundo fantástico onde fantasmas e monstros são reais e convivem conosco sem que tenhamos conhecimento do fato. O que começa com o desaparecimento de Mina, logo irá se transformar na luta entre o bem e o mal, entre trevas e luz, e esta luta não se apresenta somente sob o foco de algo grandioso, mas nas batalhas que cada personagem deve enfrentar para ser quem realmente é.
Apesar de possuir seu epicentro no destino de Vanessa Ives – esta personagem adorável que, como tantos outros, similares e infinitamente diversos a ela, ganhou o posto de minha personagem favorita da vida – o seriado é construído de forma a trazer a devida atenção, profundidade e detalhes à vida e passado de todos os outros personagens clássicos que encontramos ao longo das temporadas e aprendemos a amar com suas falhas e medos, suas alegrias e sucessos, sua essência, seja ela qual for.
O espectador adquire a habilidade de reconhecer o lado humano de cada ser apresentado, descobre os segredos que cada um carrega consigo, reconhece as motivações de cada personalidade, vindo a amar cada um à sua própria forma. Cada personagem tem seu tempo, é aprofundado da maneira mais delicada e poética possível, demonstrando, para além das conexões existentes em suas trajetórias, as peculiaridades que nos remetem a essência do que verdadeiramente nos torna humanos.
Luz e sombras, o bem e o mal que compartilham espaço dentro de cada um de nós, as lutas individuais e toda a dor e beleza de ser quem somos permeia todas as três temporadas, porém, por tratar-se de uma história inspirada em clássicos do terror, aqui também encontramos monstros grotescos, seres cruéis, sangue e morte sendo interligada, como um belo conto do romantismo gótico, a uma beleza e poesia que poucos são capazes de criar. Apesar de apresentar mortes, sangue e sacrifício, Penny Dreadful é sensível e fiel a sua mensagem, além de nunca negar as obras que garantiram o terreno para que recebêssemos essa obra maravilhosa, digna de todos aqueles que acolheram as sombras que existem em seus corações.
Comuma história fascinante e reflexões profundas, seria um sacrilégio ignorar um dos seriados mais impecáveis pelos quais já tive a chance de me apaixonar. O cuidado vai desde figurinos belíssimos – o que falar do guarda roupa de Vanessa Ives, e todas as outras lindas mulheres que aqui aparecem – cada peça remete a era vitoriana, porém, ouso dizer que algumas possuem um toque moderno aos olhos. Até cenários deslumbrantes, sombrios e montados de forma a garantir a construção da atmosfera necessária a cada cena apresentada. Toda a parte visual, desde efeitos até posicionamento de câmera, passando pela fotografia e cenário são de espantar o espectador com o cuidado dedicado a cada detalhe.
Penny Dreaful é um seriado completo, apaixonante para os amantes de terror e narrativas clássicas. Repleto de sombras, sangue e morte, ele também está cercado de reflexões acerca da essência humana, dos medos e alegrias que carregamos em nossos corações, além da luta que travamos para sermos aquilo que realmente somos, mesmo com nossos demônios nos assombrando a cada momento.
Apesar de possuir apenas três temporadas, a série foi finalizada com todo o cuidado que merecia, não deixando o nível cair em qualquer momento, nos presenteando, por mais sofrível que seja, com um final trágico, belo, poético que iremos carregar em nossos corações por muito tempo, assim como tantas outras histórias que atingiram seu maior significado graças a um final habilmente construído, capaz de destruir o coração dos espectadores, porém, deixando uma sensação de paz e significado que faz valer a pena o sofrimento e monstros enfrentados.
- Penny Dreadful
- Criado por: John Logan
- Com: Eva Green, Josh Hartnett, Timothy Dalton
- Gênero: Drama, Terror, Fantasia
- Duração: Drama, Terror, Fantasia