Já não é novidade para vocês que sou extremamente apaixonada pelo universo do terror, por histórias de fazer gelar a espinha, por narrativas capazes de deixar qualquer ser humano pensando e repensando a ponto de beirar a loucura. Porém, quanto mais contato tenho com histórias de terror, mais percebo as características necessárias para me prender do início ao fim, para inserir a semente da reflexão em minha mente, para me fazer sentir anseio por algo improvável que pode estar à espreita do lado de fora das paredes de minha casa.
É verdade que não me importo – no sentido de encarar com alegria e medo – quando experiencio narrativas sanguinárias, cruéis e repletas de atos irracionalmente plausíveis. Mas existe um tipo de história que, em toda sua ficção, reflete sobre a sociedade de forma assustadora, mesmo que através de cenários irreais. Por conta da união perfeita entre situações impossíveis e reflexões capazes de me tirar o sono, Os Pássaros se tornou um favorito para toda a vida!A história apresentada, habilmente costurada pelas mãos de Frank Baker, destaca uma Londres comum, possivelmente similar a verdadeira Londres de nosso mundo. A obra possui, como personagem principal, uma figura que poderia facilmente ser a pessoa que escreve essa resenha, ou o leitor que a lê.
E fique atento se ouvir uma leve batida na janela.
A vida era vivenciada por pessoas das mais diversas classes, com as mais diversas crenças. A comunidade construída, um espelho da nossa, destaca-se como uma sociedade que, por muito tempo, se viu livre de qualquer interpretação. A rotina era corrida, nosso protagonista ia ao trabalho todos os dias, fazia o possível para cuidar de sua mãe, odiava seu serviço e seu chefe da mesma forma como muitos de nós odiamos, ele percebia detalhes na vida e tinha sonhos como todos também possuímos, até a chegada dos pássaros.
Eles surgiram como uma nuvem negra no horizonte, como o presságio de um futuro imprevisível. Da mesma forma, sua existência elevou-se como nuvens de poeira, como a neblina que impossibilita nossa visão, reduzindo para quase zero a chegada da consciência de que o destino que nos aguarda pode conter um gosto amargo.
As primeiras experiências com os pássaros foram diversas, possivelmente únicas, e, enquanto a maior parcela da população não foi capaz de perceber algo novo e estranho no ar, nosso protagonista reconhece um novo padrão se formando, observa a verdade por trás de ações e situações, pouco a pouco, chegando a reflexões que passam a fazer sentido para o leitor desprevenido, ansioso e receoso por descobrir os terríveis acontecimentos que estão por vir.
O que de inicio não passava de uma revoada de uma quantidade inimaginável de pássaros, seguido da angustiante falta de ação dos mesmos, passa a se transformar em tormento para os habitantes de cidades grandes espalhadas e reverenciadas por todo o planeta. O que a principio considerava-se um evento curioso na vida corrida da comunidade, leva os habitantes a loucura, uma vez que os pássaros parecem adotar seres humanos, da mesma forma como um fantasma vingativo adota uma nova família. Estes seres alados seguem o pobre ser humano por todos os lados, esperam pacientemente do lado de fora de suas janelas, sobrevoam suas mentes e escondem, dentro de sua negra plumagem, o caos, violência e respostas para o fim que não temos coragem de encarar.
Os Pássaros possui uma narrativa que se constrói de maneira gradativa, prendendo com suas garras adoráveis, o leitor que insiste em virar página após página dessa obra maravilhosa. A ação, ou velocidade acelerada, não é estabelecida de pronto. A obra não promete uma narrativa alucinada em busca de segurar o leitor, mas lança seus pequenos segredos aos poucos, conquistando o leitor, instigando sua curiosidade, fazendo com que anseie pelo desfecho ao mesmo tempo em que tenha receio do que pode encontrar na página final. Tudo se apresenta com calma e habilidade, como uma estrada que somente o leitor pode trilhar, e, juntamente ao protagonista, uma sombra pode vir a pairar sobre nossas cabeças, um sentimento de angustia pura se instala em nossas mentes, uma sensação de pavor e reflexão nos acompanha para além da página final, tudo graças ao talento único e inegável de Frank Baker.
O livro estabelece-se sobre um evento cujas consequências mudaram o mundo como o conhecemos. Destaca realidades próximas, para não dizer iguais, as nossas. Por meio de situações e rotinas como as que mantemos dia após dia, analisa os pequenos grandes detalhes vigentes em nossa sociedade, na aclamada cultura ocidental, na ação de pessoas, governos e organizações que se assemelham de maneira assustadora ao contexto em que vivemos ainda hoje.
O horror que surge ao perceber que Frank Baker foi capaz de refletir, de maneira inacreditável, sobre a humanidade e que, mesmo após a chegada dos pássaros ainda não somos capazes de mudar, de assumir quem somos, de buscar novos caminhos, é simplesmente contagiante. Toda a trama é apresentada de forma a construir, pouco a pouco, a angustia no leitor. Estes seres alados, mesmo em sua irrealidade, se tornam reais, nos perseguem, nos prendem em reflexões sobre nós mesmos e as terríveis possibilidades que permitiram sua chegada. O autor, como poucos, soube interligar ficção e realidade, terror e reflexão, angustia e medo, caos e violência, a própria humanidade em uma obra e, mesmo após anos, é extremamente atual e por isso tão assustadora.
Neste Mês de Terror, muito mais do que fantasmas vingativos, espíritos que se materializam diante de nossos olhos, mortos que ganham vida em meio ao caos de uma sociedade em ruínas, era meu dever, como amante do gênero, compartilhar com vocês um ser diferente, capaz de levar seres humanos a loucura, destruir vidas e comunidades inteiras. Um clássico atemporal, uma obra que se transformou em favorita, uma narrativa angustiante e instigante, é isso que o leitor irá encontrar nessa obra, além é claro, de um ser esperando pacientemente do lado de fora de sua janela.
- The Birds
- Autor: Frank Baker
- Tradução: Bruno Dorigatti
- Ano: 2016
- Editora: Darkside Books
- Páginas: 304
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