Estamos no século XXI. A humanidade, que ao longo de sua breve história, já havia enfrentado as mais diversas epidemias bravamente superando cada uma delas, agora sofre com pandemias assustadoras.
O avanço da ciência e medicina garantiu a criação dos mais diversos medicamentos e tratamentos de prevenção, porém, como a beleza da natureza está na capacidade de evolução de cada ser vivo, os seres microscópicos que pretendíamos evitar desenvolvem defesas contra nossas próprias defesas. Por muito tempo a humanidade encontrou-se em um entrave entre a invasão de inimigos invisíveis e nossa capacidade de combate-los.
O ano é 2054. Anos se passaram desde a última pandemia. A ciência e medicina avançaram a um patamar tal que, o homem já não sofre por qualquer tipo de doença. A tecnologia prosperou, fomos presenteados com um dos maiores sonhos e desejos de todo apaixonado por ficção científica, agora, historiadores são capazes de viajar ao passado e observar tudo o que realmente aconteceu nas páginas de nossa história.
Nenhuma das coisas com que a gente se preocupa jamais acontece. Acontece uma que a gente nunca pensou.
A rede é capaz de enviar historiadores para o passado. Ela foi desenvolvida de forma a garantir a maior segurança tanto para quem fica, quanto para o indivíduo que será lançado para um ponto temporal específico e que lá deve permanecer até o dia combinado, quando a rede será reaberta e o trará novamente para seu devido ano. Todas as viagens realizadas, todos os testes tripulados e não tripulados, todos os cálculos mais seguros estão baseados em viagens para o século XX, porém, tudo está prestes a mudar pois Kivrin, uma jovem historiadora, realizará a primeira viagem para a Idade Média.
Os cálculos foram realizados, a garota estudou, aprendeu a se defender e se comunicar na linguagem da época, tomou todas as vacinas e reforços necessários para uma viagem desse porte, porém, no momento em que a levam para o passado, Badri, o técnico responsável pela checagem dos cálculos e membro da equipe de maior confiança de Dunworthy, adoece. Não demora muito para que a doença se espalhe pelo presente/futuro, chegando ao ponto de estabelecer-se uma quarentena, impedindo assim a utilização da rede, o que lançará Dunworthy e pessoas que o destino coloca sabiamente em seu caminho, à uma corrida contra o tempo para garantir a segurança daqueles que ainda estão vivos, e de sua protegida, perdida no passado.
O Livro do Juízo Final, lançado originalmente em 1992, o ano em que esta pequena padawan nasceu, é possivelmente um dos melhores livros que tive a chance de ler nesse ano de 2017. As 573 páginas escondem dentro de si toda a realidade do passado e os desafios do futuro. Em momento algum observamos eventos, situações ou a própria história da humanidade construída de maneira romantizada. Tudo é apresentado da forma como deveria ser, real, cruel em diversos momentos, triste e traumática, mas, permeando cada dificuldade, encontramos o sentimento de esperança.
O período da Idade Média é apresentado com olhares de historiador, a cultura patriarcal é facilmente percebida, a forte crença na religião em momento algum é diminuída, as doenças são tão verdadeiras que podemos sentir e enxergar os cenários, animais e pessoas que afetou profundamente. Da mesma forma, o futuro é plausível e não perde em nada a realidade e por vezes, desafios que encontramos no passado. Apesar de toda tristeza – e na terceira parte não pude evitar derramar algumas lágrimas – e dificuldades enfrentadas por absolutamente todos os personagens, Connie Willis nos brinda com esperança, fé e a mais pura bondade humana. É impossível finalizar o livro e não sentir um aperto no coração, mas também, a certeza de que a bondade ainda reina na essência humana.
Como se não bastasse, todas as características de uma maravilhosa história de ficção científica estão presentes no livro. Connie Willis não ignora o fato de que seu leitor é capaz de compreender fatos, informações e eventos, sem realmente conhecer todos os detalhes por trás do que está sendo mostrado. Compreendemos o significado do vocabulário, as leis que regem o funcionamento da rede, os eventos que construíram o futuro como o observamos ao longo da história, o avanço da ciência e tecnologia atuais e ainda, o contexto real do período da peste. Tudo acontece sem nos darmos conta de que realmente estamos aprendendo e agregando novas informações. A autora sabe que seus leitores possuem capacidade de compreender sem que todas as informações estejam
presentes, e isso, faz com que nossa conexão com a história cresça ainda mais.
presentes, e isso, faz com que nossa conexão com a história cresça ainda mais.
O Livro do Juízo Final é uma obra completa, fascinante, apaixonante e profunda. Repleto de informações, por vezes transforma-se em uma espécie de romance histórico e, quando retorna para o futuro, destaca toda a contextualização de uma ótima ficção científica. Nada é deixado de lado, nada é feito ao acaso, nada é feito de qualquer jeito. Todos os diversos personagens são aprofundados na medida certa, todos os eventos estão interligados e, mesmo que você tenha a sensação de saber qual será o desfecho, ele terá significado somente após a leitura da página final.
- Doomsday Book
- Autor: Connie Willis
- Tradução: Braulio Tavares
- Ano: 2017
- Editora: Suma
- Páginas: 573
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