Lançado no segundo semestre de 2017 pela Darkside Books, Black Hole foi criado por Charles Burns, quadrinista de Seattle. A publicação da obra, resultou ao autor inúmeros prêmios e fora publicada como volume único apenas em 2005, demorou uma década para que Black Hole se transformasse no grande marco dos quadrinhos de horror.
O cenário é os anos 70, Seattle, EUA, e uma doença sem nome assombra a realidade dos jovens da cidade. Através do sexo, a doença é rapidamente transmitida, espalhando-se entre os adolescentes e os dividindo. Esta doença se manifesta de diferentes formas, para alguns é uma deformidade no corpo, outros uma anomalia na pele, o surgimento de um novo membro ou apenas manchas na pele. Não há padrão, porém, as consequências para aqueles que são mais lesados pela doença são brutais. Impedidos de conviverem entre a sociedade “normal”, estes jovens com os aspectos mais monstruosos são obrigados a sobreviver em meio a mata que cerca a cidade. Ali eles encontram abrigo e segurança e aqueles que conseguem esconder suas marcas, acabam virando suas únicas fontes de informação com o mundo exterior.
Aqui acompanharemos três personagens, o primeiro é Keith, que deseja ser contaminado, Chris é uma garota que está prestes a ser e Rob já possui a doença. Pelas suas perspectivas iremos acompanhar o cotidiano desses jovens e seus hábitos, no recorte de uma época marcada por hormônios, aceitação e descobrimento. Neste ponto, percebemos que Black Hole se utiliza de elementos fantásticos para recontar um dos momentos culturais mais marcante e bastante especifico dos EUA, que, marcado pelo legado da era hippies, que conquistaram a liberdade sexual e a da utilização de drogas, começa a revelar suas consequências.
Apesar de apresentar um enredo bastante simples em um primeiro olhar, a trama esconde a verdadeiro metáfora por trás dos traços expressivos e explícitos de Charles Burns. A doença criada por ele pode ser interpretada de diversas formas, substitui-la pela AIDS neste contexto talvez não mudasse quase em nada o enredo. Já o título, Black Hole, vem da sensação comum entre os adolescentes. Tudo em volta está mudando, inclusive eles mesmos. É onde tudo começa e onde tudo termina.

A intenção do autor é retomar este tipo de impressão a vida dos leitores, mais de forma muito mais destacada e profunda. Acompanhar a jornada desses jovens, suas descobertas e como reagem a tudo é realmente o que compõe o enredo. Muito além disso, o quadrinista tocará em diversos assuntos que assombram a realidade desses jovens que avançam entre a vida colegial para a vida adulta. Questões morais, sociais, principalmente, hormonais e até comportamentais serão o grande destaque desta história.

O terror existencialista dessa graphic novel envolve o leitor de forma gradativa. Pois o verdadeiro mal aqui é explorado entre os próprios jovens, seus próprios demônios e a realidade distorcida que uma vida privada e as inseguranças de não se encaixar em lugar algum podem causar. Para virar um marco no gênero e uma das histórias mais incríveis dentro do gênero, Charles Burns não precisou utilizar-se de um grande monstro como vilão, apenas precisou explorar os cantos mais escuros dos hábitos humanos, ainda mais quando em constante conflito.
Não é à toa que Black Hole é uma obra premiadíssima, além de possibilitar diversas interpretações, acompanhamos personagens incríveis e muito próximos de nós. Todas as metáforas para a juventude, a relação dos personagens, o crescimento e amadurecimento pessoal, tudo isso já fez parte de nossas vidas em algum momento. O que prova que a doença e as anomalias criados por ele, são só um plus a mais a história. A obra traz temas universais, fisgando o leitor pela identificação, ao mesmo tempo em que transforma isso em algo aterrorizante e fantástico.

Black Hole já tinha sido lançado no Brasil em duas partes, pela Conrad e agora, ganhou uma edição única e em capa dura, padrão Darkside. A obra que por muito tempo já estava esgotada nas livrarias, volta as prateleiras, provando novamente por que é tão sensacional e para fisgar também novos leitores que estejam preparados para encarar esta leitura. O estilo da graphic novel é bastante escura, Burns trabalha muito mais com o background preto e o destaca com o branco. Com sombras muito marcadas, linhas grossas e cenários até claustrofóbicos, temos a sensação de estarmos realmente dentro de um buraco.

Eu mais do que recomendo esta história, Black Hole é uma obra de arte, uma história imersiva para os fãs mais exigente ou para aqueles que simplesmente curtem uma história de horror, cheia de passagens que mechem com o ilusório e te surpreende em cada página. Entrou para o meu hall de melhores graphic novels da vida. Tal fato me deixa bastante preocupada e entusiasmada com os próximos lançamentos da editora, que já entrou neste universo lançando uma graphic novel da mais alta qualidade. Há boatos que os direitos para uma adaptação já foram vendidos, é somente especulação, mas que já desperta a curiosidade de todo fã.

  • Black Hole
  • Autor: Charles Burns
  • Tradução: Daniel Pellizzari
  • Ano: 2017
  • Editora: Darkside Books
  • Páginas: 363
  • Amazon

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