Em Londres, 1888, mulheres marginalizadas pela sociedade começam a ser assassinadas e o possível responsável é o Avental-de-Couro, conhecido hoje em dia como Jack, O Estripador. Todas as vítimas acabam na mesa de autopsias do doutor Jonathan Wadsworth e aprender com o tio sobre a circunstâncias daquelas mortes é tudo que a jovem Audrey Rose quer. É neste cenário mórbido e cheio de sangue que Audrey costuma gastar seu tempo livre, para o horror de sua tia que tenta transforma-la em uma dama aceitável e também contrariando a vontade do pai.
Os crimes de Jack Estripador e o fato de nunca terem, realmente, descoberto a identidade do assassino mais notório da história da humanidade, sempre foi um assunto que me interessou demais. Porém, dentre todos os fatores que me atraem para esta história, é o fato dela atingir algumas marcas, como por exemplo, a de o caso ter sido um divisor de águas no modo com a mídia tratavam estes crimes, sendo Jack Estripador o primeiro serial killer da história a causar um frenesi mundial. Por causa dos seus crimes, a ciência forense também foi significativamente aplicada. Foram com suas vítimas que médicos em Londres tiveram a primeira oportunidade de examinar estes corpos em busca de padrões e de uma assinatura.
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Um fato fascinante é que Kerri Maniscalco utilizou-se da história real para basear sua ficção, então mesmo com toda a licença poética é possível entender mais sobre os episódios assinados por Jack Estripador, como era vista a sociedade naquela época e como de fato, o caso foi tratado. Para complementar seu livro e tirar as dúvidas que podem surgir durante a leitura, do que é ou não real, ao final desta edição a autora nos fornece uma lista de alterações que foram feitas, aponta as imprecisões históricas e as liberdades que ela tomou.
A obra foca muito no empoderamento da mulher e por mais que Audrey tenha pecado em seu desempenho como detetive e também como personagem em alguns aspectos – justificado devido aos seus 16 anos – devo dizer que a autora acertou em sua aposta de trazer um diferencial para dentro de uma história que se passa no século XIX. Audrey pode estar atada as amarras da época e de uma sociedade sexista, mas está disposta também a sofrer as consequências que suas atitudes podem a levar. Ela não pensa duas vezes ao se vestir de menino para assistir as aulas do tio se este é o preço para ir em busca de uma ocupação. Ela não deixa de questionar seu pai, irmão ou tia sobre o que esperam dela. Na realidade, Audrey é uma grande questionadora e a busca da personagem em compreender os motivos que a colocam numa posição inferior é algo realmente interessante de se acompanhar.É por isso que a personagem cria tanta empatia pelas as vítimas de Jack Estripador, afinal, quem eram aquelas mulheres? Porque se arriscaram tanto? Nisso a autora acerta em cheio ao humanizar estas mulheres que tinham uma vida, filhos, casa e que, se estavam na posição em que estavam, era por que esta sociedade havia lhes virado as costas. Só esta abordagem desmistifica em nossas cabeças a imagem dessas mulheres mutiladas por um assassino, que não deveriam ser lembradas apenas pelo momento de suas mortes em uma viela escura.
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No começo eu disse que Audrey pecou um pouco como detetive, levando em consideração que muito pouco ela desvendou sozinha, Thomas é o par de Audrey em suas descobertas e ambos trabalhando juntos me fazem entender a comparação do casal com a dupla Sherlock Holmes e Watson. O diálogo entre os dois é afiado, inteligente e instigante, incluindo o leitor em cada nova pista.
Em sua proposta final, Rastro de Sangue me conquistou e eu pretendo sim dar continuidade a série, foi muito divertido me aventurar com estes personagens. Se eu tivesse que classificar Rastro de Sangue eu diria que este é um romance de época regado a sangue e mistério. Digo isso pois apesar de toda a atmosfera sombria e o cenário com assassinatos e vísceras, existe romance. Audrey e Thomas formam uma dupla e tanto e nosso querido personagem secundário se mostra bastante perspicaz. Com certeza quero conferir mais desta relação, irritantemente, adorável que os dois mantêm.
A edição da Darkside Books é uma viagem a Londres de 1888. Documentos que fizeram parte desta época e da investigação do caso Jack Estripador estão inclusos a cada início de capitulo, então, podemos esperar que tal elemento apareça antecedendo as páginas prestes a serem lidas, transformando a leitura em algo mais instigante. Alguns exemplos disso são as fotos, ilustrações de livros didáticos ou até mesmo a cópia de cartas escritas pelo suposto assassino na época, como no caso da mais famosa delas, a “From Hell”.
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Os crimes de Jack Estripador sobrevivem por centenas de anos, hoje em dia, centenas de mulheres continuam sendo mortas das maneiras mais cruéis possíveis e isso apenas por dizerem um simples “não”. O fato de Kerri Maniscalco trabalhar isso em sua obra, o transforma em um livro digno para ser conhecido, pois mesmo dentro da ficção, flerta com uma realidade cruel que aconteceu e que ainda reflete nos dias atuais.
Rastros de Sangue é o primeiro volume de uma série, até então, de quatro livros, segundo o goodreads. Em todos os livros teremos Audrey se aventurando ao lado de personagens clássicos da era vitoriana, como no caso do Príncipe Drácula, próximo volume, e Harry Houdini. Para este, eu sugiro que o leitor não espere uma leitura tão complexa, apesar de sua premissa. No meu entendimento, Rastro de Sangue é direcionado a um público mais juvenil, onde a narrativa é de fácil entendimento, fluida e acessível, mas que nada impede que a leitura seja feita por todas as faixas etárias. Para quem busca uma primeira experiência com histórias de investigação, tenho certeza que esta é uma obra bastante indicada para você, pois a autora segura muito bem o mistério que permeia a obra, a de quem é este misterioso e tão cruel assassino?
Kerri Maniscalco inclui vários elementos em sua obra de estreia, como romance, investigação, mistério, sangue e tons da realidade de uma sociedade e o sufocamento que era ser mulher numa época onde não existia voz para ela. Tudo isso permeado, claro que com alguns ajustes, por um retrato realista do que historicamente aconteceu. É ler e aproveitar, pois esta pode ser uma leitura recheada de surpresas para qualquer leitor.
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- Stalking Jack The Reaper
- Autor: Kerri Maniscalco
- Tradução: Ana Death Duarte
- Ano: 354
- Editora: Darkside Books
- Páginas: 354
- Amazon