Em Londres, 1888, mulheres marginalizadas pela sociedade começam a ser assassinadas e o possível responsável é o Avental-de-Couro, conhecido hoje em dia como Jack, O Estripador. Todas as vítimas acabam na mesa de autopsias do doutor Jonathan Wadsworth e aprender com o tio sobre a circunstâncias daquelas mortes é tudo que a jovem Audrey Rose quer. É neste cenário mórbido e cheio de sangue que Audrey costuma gastar seu tempo livre, para o horror de sua tia que tenta transforma-la em uma dama aceitável e também contrariando a vontade do pai. 

Por este motivo suas atividades com o tio são mantidas em segredo, mas os recentes acontecimentos de uma Whitechapel violenta e perigosa vem colocando em cheque tudo que Audrey aprendeu sobre os corpos das vítimas que, para ela, ainda podem falar sobre suas mortes. Contrariando tudo e todos, Audrey junto com Thomas Cresswell, outro pupilo do dr. Wadsworth, decide ir atrás do rastro deixado pelo assassino. Está dada a largada pra a busca da real identidade de Jack.

Os crimes de Jack Estripador e o fato de nunca terem, realmente, descoberto a identidade do assassino mais notório da história da humanidade, sempre foi um assunto que me interessou demais. Porém, dentre todos os fatores que me atraem para esta história, é o fato dela atingir algumas marcas, como por exemplo, a de o caso ter sido um divisor de águas no modo com a mídia tratavam estes crimes, sendo Jack Estripador o primeiro serial killer da história a causar um frenesi mundial. Por causa dos seus crimes, a ciência forense também foi significativamente aplicada. Foram com suas vítimas que médicos em Londres tiveram a primeira oportunidade de examinar estes corpos em busca de padrões e de uma assinatura.

Um fato fascinante é que Kerri Maniscalco utilizou-se da história real para basear sua ficção, então mesmo com toda a licença poética é possível entender mais sobre os episódios assinados por Jack Estripador, como era vista a sociedade naquela época e como de fato, o caso foi tratado. Para complementar seu livro e tirar as dúvidas que podem surgir durante a leitura, do que é ou não real, ao final desta edição a autora nos fornece uma lista de alterações que foram feitas, aponta as imprecisões históricas e as liberdades que ela tomou.

A obra foca muito no empoderamento da mulher e por mais que Audrey tenha pecado em seu desempenho como detetive e também como personagem em alguns aspectos – justificado devido aos seus 16 anos – devo dizer que a autora acertou em sua aposta de trazer um diferencial para dentro de uma história que se passa no século XIX. Audrey pode estar atada as amarras da época e de uma sociedade sexista, mas está disposta também a sofrer as consequências que suas atitudes podem a levar. Ela não pensa duas vezes ao se vestir de menino para assistir as aulas do tio se este é o preço para ir em busca de uma ocupação. Ela não deixa de questionar seu pai, irmão ou tia sobre o que esperam dela. Na realidade, Audrey é uma grande questionadora e a busca da personagem em compreender os motivos que a colocam numa posição inferior é algo realmente interessante de se acompanhar.É por isso que a personagem cria tanta empatia pelas as vítimas de Jack Estripador, afinal, quem eram aquelas mulheres? Porque se arriscaram tanto? Nisso a autora acerta em cheio ao humanizar estas mulheres que tinham uma vida, filhos, casa e que, se estavam na posição em que estavam, era por que esta sociedade havia lhes virado as costas. Só esta abordagem desmistifica em nossas cabeças a imagem dessas mulheres mutiladas por um assassino, que não deveriam ser lembradas apenas pelo momento de suas mortes em uma viela escura.

No começo eu disse que Audrey pecou um pouco como detetive, levando em consideração que muito pouco ela desvendou sozinha, Thomas é o par de Audrey em suas descobertas e ambos trabalhando juntos me fazem entender a comparação do casal com a dupla Sherlock Holmes e Watson. O diálogo entre os dois é afiado, inteligente e instigante, incluindo o leitor em cada nova pista.

Em sua proposta final, Rastro de Sangue me conquistou e eu pretendo sim dar continuidade a série, foi muito divertido me aventurar com estes personagens. Se eu tivesse que classificar Rastro de Sangue eu diria que este é um romance de época regado a sangue e mistério. Digo isso pois apesar de toda a atmosfera sombria e o cenário com assassinatos e vísceras, existe romance. Audrey e Thomas formam uma dupla e tanto e nosso querido personagem secundário se mostra bastante perspicaz. Com certeza quero conferir mais desta relação, irritantemente, adorável que os dois mantêm.

A edição da Darkside Books é uma viagem a Londres de 1888. Documentos que fizeram parte desta época e da investigação do caso Jack Estripador estão inclusos a cada início de capitulo, então, podemos esperar que tal elemento apareça antecedendo as páginas prestes a serem lidas, transformando a leitura em algo mais instigante. Alguns exemplos disso são as fotos, ilustrações de livros didáticos ou até mesmo a cópia de cartas escritas pelo suposto assassino na época, como no caso da mais famosa delas, a “From Hell”.

Os crimes de Jack Estripador sobrevivem por centenas de anos, hoje em dia, centenas de mulheres continuam sendo mortas das maneiras mais cruéis possíveis e isso apenas por dizerem um simples “não”. O fato de Kerri Maniscalco trabalhar isso em sua obra, o transforma em um livro digno para ser conhecido, pois mesmo dentro da ficção, flerta com uma realidade cruel que aconteceu e que ainda reflete nos dias atuais.

Rastros de Sangue é o primeiro volume de uma série, até então, de quatro livros, segundo o goodreads. Em todos os livros teremos Audrey se aventurando ao lado de personagens clássicos da era vitoriana, como no caso do Príncipe Drácula, próximo volume, e Harry Houdini. Para este, eu sugiro que o leitor não espere uma leitura tão complexa, apesar de sua premissa. No meu entendimento, Rastro de Sangue é direcionado a um público mais juvenil, onde a narrativa é de fácil entendimento, fluida e acessível, mas que nada impede que a leitura seja feita por todas as faixas etárias. Para quem busca uma primeira experiência com histórias de investigação, tenho certeza que esta é uma obra bastante indicada para você, pois a autora segura muito bem o mistério que permeia a obra, a de quem é este misterioso e tão cruel assassino?

Kerri Maniscalco inclui vários elementos em sua obra de estreia, como romance, investigação, mistério, sangue e tons da realidade de uma sociedade e o sufocamento que era ser mulher numa época onde não existia voz para ela. Tudo isso permeado, claro que com alguns ajustes, por um retrato realista do que historicamente aconteceu. É ler e aproveitar, pois esta pode ser uma leitura recheada de surpresas para qualquer leitor.

  • Stalking Jack The Reaper
  • Autor: Kerri Maniscalco
  • Tradução: Ana Death Duarte
  • Ano: 354
  • Editora: Darkside Books
  • Páginas: 354
  • Amazon

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