A Bruxa de Sapolândia é mais um livro do autor nacional André Alvez, relançado pela Editora Chiado.
O final da década de 60, em Campo Grande, Mato Grosso fora marcado pela existência da misteriosa Célia de Souza, uma estranha senhora que morava sozinha numa casa de madeira nas redondezas da Vila Afonso Pena. O local, marcado por tantos brejos, ficou conhecido como Sapolândia. Nos registros da cidade ainda são preservados os documentos que comprovam a trajetória de Célia, que vai desde a acusação de maus tratos contra as crianças que cuidava, a acusação de praticar magia negra. Depois da sua inesperada soltura, em 71, a figura de Célia de Souza simplesmente desapareceu.
Baseado nos mistérios desta história, André Alvez criou uma ficção de realismo fantástico. O livro reacende a chama de uma lenda urbana, que marcou uma geração e que continua até os dias hoje, impressionando e assombrando a imaginação daqueles que acreditam nos atos atrozes de uma estranha senhora, A Bruxa de Sapolândia.
Quem irá contar esta história para o leitor será o gato da bruxa, um animal encantado que hoje vive com Sofia, um ser envolto de poderes incompreensíveis que o ajuda com as relembranças e de Natanael, que vê na pintura uma forma de lidar com as sombras amigas que o acompanham. São para eles que o gato reconta a história de Célia de Souza, que desde cedo pareceu ser amaldiçoada por aqueles que deveriam ama-la.
Minha dona não sabia que o mundo existia, imaginava ser tudo um pesadelo do qual não conseguia acordar. Seu nome era Célia e quando nasceu já tinha os cabelos compridos até a cintura e sete dentes, inclusive as duas presas.
Falar mais sobre a história seria estragar a experiência de leitura de muitos, mas é interessante saber que desde muito cedo, quando Célia ainda era uma criança, o autor irá apresentar ao leitor todas as etapas da construção da personagem, desde suas motivações e os propósitos que levaram Célia a se tornar a bruxa de sapolândia. Os maus tratos, sempre presentes em sua vida, a moldaram e a guiaram para receber a verdadeira reencarnação do mal. É a partir deste ponto que o autor irá inserir os primeiros elementos mágicos e brincar com a imaginação e medo do leitor.
Os personagens se destacam, ganham voz e instigam o leitor, nisso André Alvez dá um banho. Todos são igualmente envolventes, desde a bruxa até a indecifrável Sofia, personagem que inclusive recebe a única ilustração do livro. Porém, para mim, dois se destacam. Um deles é o intrigante Natanael, assim que finalizei a leitura mais eu queria e precisava saber mais sobre ele. O outro é simpático e gato de Célia. Ele te acompanha durante toda a leitura, sente e sofre com cada acontecimento do livro, é impossível não se apegar a ele. Também é inevitável não se sentir envolvida, aflita e preocupada com o destino de todas as sete crianças que um dia habitaram a casa de Célia. Ladim, Doralice, José Luiz, José Rosa, Davi… todos são personagens que ficaram ainda gravados na minha memória.
O livro contém algumas cenas bem fortes, principalmente envolvendo agressão com crianças. Não é nada muito detalhado, mas se você é um pouco mais sensível quanto a isso, tome cuidado. Dá para classificar a obra como uma fantasia bastante sombria e regada a muito suspense, o cenário perfeito para um filme de terror. Há muitos elementos que contribuem para que a leitura seja rápida e instigante, com a formula que todo leitor de mistérios adora.
Hoje em dia, 40 anos depois, a casa de Célia ainda se encontra de pé, arrepiando até os moradores mais céticos da região. A história moldada por tantos mistérios está agora eternizada na obra de André Luiz, que utilizou-se de todos elementos presentes e necessários para uma ótima história de bruxas. É incrível perceber o quanto o real e a ficção casam muito bem neste livro, o que acaba brincando com a imaginação do leitor. Aqui temos uma mulher que vive isolada em um pântano, com um gato peculiar, sapos, crianças, enfim… é fácil se envolver com a história ainda mais quando bem amarrada, cheia de misticismo e com um final tão misterioso.André Alvez além de fazer um belo trabalho em dar vida novamente a esta lenda região, também faz uma ótima ambientação na obra. Ele segue dando a devida importância para o enredo central e também destaca as características da região na época, como a descrição dos brejos e a realidade da mineração, atividade ainda explorada por muitos que sonhavam em uma vida melhor. Sem dúvidas, Campo Grande está muito bem representado em A Bruxa de Sapolândia, não só pela história criada, regada de mistério e crueldade belamente construída, mas por apresentar um recorte importante da região, não é à toa que o livro foi apoiado pela Fundação de Cultura do Estado.
Fica o convite para que vocês façam esta leitura e que também conheçam a história real que inspirou este livro. Eu tenho certeza que este livro irá envolver todo o tipo de leitor, pois convenhamos, histórias criadas a partir de fatos e mitos regionais são ainda mais interessantes. Posso afirmar que com a leitura de A Bruxa de Sapolândia me vi presente na Rua Dracena, envolvida pelos mesmos pés de bananeiras existentes no terreno de uma pequena e velha casa de madeira, na mesma terra lamacenta onde três crianças foram encontradas em covas rasas. Boa leitura e sintam-se tão envolvidos quanto eu fiquei.
- A Bruxa de Sapolândia
- Autor: André Alvez
- Ano: 2018
- Editora: Chiado
- Páginas: 488
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