Neste segundo volume, da nova edição dos contos do autor H. P. Lovecraft selecionada pela Martin Claret, nós teremos contato com mais nove trabalhos do autor. Esta coleção de contos figuram o chamado Ciclo dos Sonhos, mas afinal, o que seria isso?
Conforme Daniel I, Dutra, Doutor em Literatura Comparada e autor de O Horror Cósmico, que dá vida ao prólogo desta edição. H. P. Lovecraft recebeu muita influência de Lorde Dunsany, escritor e duque irlandês falecido em 1957. Suas obras influenciaram, o que são hoje, grandes autores da literatura mundial, como Tolkien, Neil Gaiman, entre outros. Após conhecer as obras do autor, Lovecraft passou a admira-lo, ele o incentivou tanto ao ponto de Lovecraft conseguir encontrar sua própria voz narrativa.
Se dá o nome de
Ciclo dos Sonhos, aqueles contos que se passam no cenário da Terra dos Sonhos, onde o protagonista tem uma experiência onírica, classificação ainda em discussão entre estudiosos e críticos do autor, mas o fato é que este termo popular acabou sendo um meio de separar um grupo de histórias escritas entre 1919 e 1921, que de uma forma ou outra, possam estar interligadas dentro do universo lovecraftiano.
Após isso, Lovecraft deu início ao seu próprio universo, a contos que viriam a ser conhecidos hoje em dia de Mitos de Cthulhu. Porém, antes disso, tendo como enfoque os contos que compõem esta edição, Lovecraft conseguiu produzir algumas de suas melhores obras. Dentre elas, algumas presentes nesta edição da Martin Claret, como Celephaïs, A Busca de Iranon, A Nau Branca, A Maldição que Atingiu Sarnath, Os Gatos de Ulthar, Os Outros Deuses, Hipnos, A Chave de Prata e por fim, A Estranha Casa Alta na Névoa.
Em comum nestas obras conheceremos um mundo, uma dimensão real e paralela a nossa, que pode ser acessada através dos sonhos. Muitos desses contos, originaram-se através de sonhos e pesadelos que o próprio autor vivenciou e este lugar ao mesmo tempo que pode ser lindo e repleto de lugares fantásticos, também pode ser igualmente perigoso e perturbador.
É com Celephaïs que Lovecraft introduz o leitor a esta dimensão, nos apresentando um homem solitário que prefere a sua cidade criada no mundo dos sonhos, a Celephaïs, lugar onde é devidamente respeitado, ao mundo real. Dentre os destaques da obra esta A Nau Branca, conto onde um isolado zelador de farol recebe o convite de embarcar na misteriosa embarcação rumo a uma grande aventura. A Maldição que Atingiu Sarnath demonstra muito bem o quanto o humano se auto intitula como os deuses do universo, a ponta de desafiar criaturas mais antigas do que a própria Terra, mas que parecem não estarem prontos para a retaliação.
Em A Chave de Prata temos nosso primeiro contato com Randolph Carter – álter ego de H. P. Lovecraft – que depois de algumas experiências com religião e ciência, acabou perdendo seu acesso ao mundo dos sonhos. Até que o mesmo, reencontra a chave que o levaria novamente até lá. Neste conto em especial, temos a jornada do personagem em busca do novo, algo fora de sua rotina e do igual. É em seu mundo ideal que Randolph se sente completo, útil e capaz. Sem dúvidas, se adentrarmos nas camadas desse conto, encontraremos diversas vertentes de interpretação para tal. Aqui, o mundo dos sonhos poderá ser para você seus objetivos, algo que tanto almeja, a atividade que tanto sonha em exercer, etc. Eu achei simplesmente sensacional este conto e durante horas fiquei refletindo sobre ele.
Este conto em especial á a sequência de um outro, bastante conhecido do autor que também integra o Ciclo dos Sonhos, que, no meu entendimento, acabou faltando nesta edição, A Busca Onírica Por Kadath nos apresenta este personagem, que após A Chave de Prata, ainda ganha um outro conto, chamado Através dos Portões da Chave Prata, este, acredito eu, ainda não traduzido aqui no Brasil.
[…] não poderia deixar de ver como são superficiais, volúveis e insignificantes todas as aspirações humanas e o quão inutilmente nossos impulsos reais contrastam com esses ideais pomposos que professamos possuir. Então, tinha que recorrer ao educado sorriso que o haviam ensinado a usar contra a extravagância e artificialidade dos sonhos, pois via que a vida cotidiana de nosso mundo é igualmente extravagante e artificial e muito menos digna de respeito por causa de sua escassa beleza e tola relutância em admitir a própria falta de razão e propósito.
Esta coletânea posiciona o terror de Lovecraft a algo mais mítico, que também transmite um certo medo do desconhecido e sobre as possibilidades de um mundo fantástico e onírico, mas que também nos abre uma porta para o inimaginável sem deixar de comentar entrelinhas a essência humana. Muitos dos contos carregam facetas mais dramáticas, sempre demonstrando protagonistas que buscam e querem muito algo. Nestas histórias que falarão sobre a solidão, a ganância, o medo e esta busca do mundo perfeito dos sonhos, Lovecraft faz um paralelo sobre o real e o imaginário e também faz críticas e reflexões sobre as necessidades obscuras do homem e a necessidade de comprovações sólidas para a nossa existência.
Enfim, são contos de terror que podem muito bem assombrar uma boa roda de histórias numa noite fria, como também pode perturbar as mentes mais questionadoras quando afrontadas pelas obras de H. P. Lovecraft. De um jeito ou de outro, a leitura é válida. São clássicos, é de um autor que modificou o cenário literário de muitas formas, que continua vivo e continuará influenciando diversos autores por muito tempo.
- H. P. Lovecraft - Contos: Volume II
- Autor: H. P. Lovecraft
- Tradução: Alda Porto
- Ano: 2018
- Editora: Martin Claret
- Páginas: 144
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