Paciência foi meu segundo contato com o premiado quadrinista Daniel Clowes e me vi positivamente surpresa com as distintas abordagens de temas do autor. Gostei muito do fato de Clowes trabalhar todo o turbilhão de emoções existentes na adolescência em Ghost World e em Paciência, apresentar ao leitor uma viagem cósmica através do espaço-tempo. Nesta HQ, o mais novo trabalho do autor, Clowes une amor, vingança, ficção cientifica e as questões existenciais que assombram qualquer indivíduo.
Conheceremos Jack Barlow, um homem que não medirá esforços para garantir a segurança de sua amada Paciência. O problema é que ela já morreu, fora assassinada, e agora Jack está obcecado em encontrar quem poderia ter cometido o crime e ter arrancado Paciência e seu futuro filho de seus braços. Com um poderoso método de voltar no tempo, Jack acaba retornando a sua vida passada, mas no trajeto, acaba não só descobrindo mais sobre si mesmo, mas também mais sobre os fantasmas que sempre assombraram sua esposa.
Assim como a capa refere, prepare-se para uma explosão de cores. Uma das características que acho importante mencionar do autor, é que o traço de Daniel Clowes é bem underground. É um tipo de traço e colorização que pouco encontramos nos dias de hoje e por isso é tão peculiar. Extremamente colorido e explorando muito as expressões e emoções dos personagens, aqui o artista dá ar mais psicodélico a obra, nos levando a viagem no tempo e a loucura também.
– Mas vou te dizer uma coisa, aquela garota não gostaria de te ver assim. Uma garota doce com essa gostaria de te ver seguindo a vida. – Ela não pôde seguir a vida dela.
Jack Barlow como personagem é o retrato da não aceitação. Sua vida parou quando ele perdeu Paciência e mesmo depois de anos, luta para buscar um meio de reaver o que lhe foi tirado. Por Daniel Clowes expor tão abertamente todos os conflitos de Barlow, se preocupando em detalhar nos mínimos detalhes até os desvios de consciência de seu personagem, passamos a entender mais profundamente as motivações de Barlow, compreender seus atos e até passamos a não o questionar de certa forma. Mas na medida de que vamos adentrando na história, percebemos que a obsessão de Barlow pode ser também responsável pelas consequências que resultaram na morte de Paciência.
Este conflito de ideias está presente até nas conjecturas do personagem, mas de qualquer maneira, é fácil torcer por Barlow e por um final feliz. Mas o fato é que, essencialmente, esta é uma história que vai falar sobre as mazelas da vida e como ela sempre descobre um jeito de nos foder, mas principalmente, vai falar sobre a dificuldade que é superar o passado. Quem nunca desejou voltar no tempo para corrigir um simples detalhe ou para reviver um momento mágico? São com estes pequenos apontamentos que Clowes, com sua arte extremamente sensível – ao mesmo tempo que vibrante – vai tecendo a história de um personagem tão humano.
Paciência também ganha seu destaque por demonstrar diversas faces. Se você cria pouca identificação com a Paciência do início da história, tenho certeza que se verá surpreendido com a personagem que se revela ao longo das páginas. Aliás, isso é uma transformação de ambos os personagens principais. Como ponto positivo, a mudança é crescente e não repentina e há momentos para que eles percebam e consertem seus erros.
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Quanto ao enredo em si, de certa forma, histórias que abordam viagens no tempo, em sua essência, são um paradoxo, pois como sabemos, mexer com linhas temporais dá um certo nó em nossas cabeças e muitas histórias, sejam literárias ou cinematográficas escorregam neste quesito. Isso não acontece aqui, tudo é muito bem amarrado e não restou nenhum ponto de dúvida para mim como leitora. O que aproxima bastante leitores menos experientes do gênero.
Mas isso não significa que Daniel Clowes não tece uma linha do tempo permeada de camadas que poderão vir à tona em diferentes momentos de leitura. Há espaço para a obra abordar diversas críticas e conversar sobre as características humanas e elementos que instigam o leitor a criar distintas interpretações. Afinal, estamos falando sobre alterações nas linhas temporais e seus efeitos colaterais, certo? Desta forma, a trama é amarrada no início ao fim, ao mesmo tempo que acessível para quem quiser conhecer o gênero dentro dos quadrinhos e também conhecer o trabalho primoroso do autor.
Paciência é uma leitura instigante e a narrativa é sarcástica, ao mesmo tempo que apreensiva devido ao enredo frágil, onde o mínimo detalhe pode mudar o destino dos personagens. Estamos diante de uma gostosa mistura de gêneros, uma jornada de autodescobrimento que encanta por demonstrar um enredo simples dentro de um gênero complexo e que não se perde em clichês, conta apenas com a audácia deu um quadrinista renomado.
- Patience
- Autor: Daniel Clowes
- Tradução: Jim Anotsu
- Ano: 2017
- Editora: Nemo
- Páginas: 184
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