Em um reino onde a magia era amplamente utilizada, mas bruscamente passa a ser proibida, surgem 4 crianças. Duas delas, a menina Zélie e seu irmão mais velho Tzain, são filhos de uma família pobre, de ex-magos, chamados de Diviners. Os diviners, hoje, são subjugados e precisam pagar altos impostos ao rei do condado e caso não tenham dinheiro para paga-los, são obrigados a fazerem trabalhos forçados, como escravos. As outras duas crianças são os filhos do rei, Amari, uma menina rebelde que não aceita a ideia de seu pai ter mandado matar sua melhor amiga, uma jovem serviçal que foi brutalmente assassinada, e seu irmão Inan, que está sendo preparado para assumir o trono.
Não se sabe ao certo porque a magia foi proibida de Orïsha, até Zélie encontrar Amari em uma feira onde a primeira tentava vender um peixe raro que ela tinha pescado e a segunda fugia das garras de seu pai com um precioso pergaminho, não passava pela cabeça de ninguém que a magia pudesse retornar à vida das pessoas novamente. Mas aquele pergaminho seria apenas a primeira peça para o poder dos Magis voltar à tona em busca da igualdade entre todos neste universo.
É assim que Zélie vê em suas mãos a chave para que sua família possa parar de ser explorada e a alma de sua mãe, assassinada por ser uma Diviner em um dos genocídios provocados pelo rei, ser vingada. Mas seu irmão acha muito arriscado brigar contra o rei, ainda mais aceitando um presente dado justamente pela filha dele. Será que ela realmente está contra o pai ou é apenas uma isca para que o resto de todo seu clã seja dizimado?
Com este cenário armado que começa a batalha épica em busca de magia e igualdade. Tudo isso com personagens noventa e nove porcento negros, com um universo de fantasia muito bem construído, cheios de clãs, cada um responsável por um tipo de poder e magia, como água, terra e céu. Filhos de Sangue e Osso não deixa nenhuma aresta fora do lugar, é um mundo perfeitamente bem construído, detalhado e encantador. E o mais épico de tudo é, sem dúvida nenhuma, toda sua temática afro. Nunca se viu um livro com protagonista negros, falando sobre a magia africana, sobre as crenças, lendas, mitos e toda sua cultura, como esse livro fala. Para vocês terem uma ideia melhor do que eu estou dizendo, ele inclui inclusive os orixás do Candomblé e tudo que cerca essa religião, como os rituais e o poder que cada orixá possui.
O livro é narrado em primeira pessoa pelas quatro crianças, intercalando os capítulos entre elas e mostrando a visão de cada uma da situação que está ocorrendo. Mas fica a cargo de Zélie e Amali, as meninas, o protagonismo. Mais ainda com Zélie, que carrega o peso de pertencer a uma família de Magis. E meu deus, que protagonista que ela é! Zélie é forte, corajosa, independente, guerreira, decidida, valente. Ela é o que toda personagem mulher deveria ser nos livros, ela representa muito bem a mulher moderna, que não quer mais ficar atrás de um homem e ser sempre a coadjuvante, até mesmo sobre sua história. Zélia é a representação do feminismo, da luta da mulher, seja contra o rei que não gosta de magia, seja contra o político que não respeita as mulheres do seu país.
Filhos de Sangue e Osso foi classificado como um livro jovem adulto, porém a ação é intensa, existem várias cenas fortíssimas durante a leitura, que dificilmente uma criança de 12 ou 13 anos teria condições de absorver. Então, apesar de falar sobre crianças em busca de um objetivo, elas agem como adultos, lutando, brigando, matando e até virando vítimas, o que serve muito bem para qualquer faixa etária. Achei ele mais “adulto” que a franquia Harry Potter por exemplo.
Este é o primeiro livro da escritora americana, descendente de nigerianos, Tomi Adeyemi. Seu primeiro livro já se tornou um bestseller, já tendo seus direitos de tradução vendidos para mais de 20 países e os direitos de imagem vendidos para a Fox. Só torço para que toda essa rapidez não atrapalhe a filmagem e preparação de roteiro e que tenhamos um filme tão maravilhoso quanto o livro, o que eu acho que não será muito difícil, já que as cenas do livro tem uma ambientação, descrições incríveis e detalhes ricos, daqueles que só de você ler já consegue imaginar, como se o roteiro do filme estivesse ali, completamente pronto.
Sem dúvidas, este livro entrará no hall de livros mais importantes da cultura negra. Nós leitores nunca tivemos uma obra tão extensa e completa, com deuses, classes, magia, poderes, vilões e mocinhos. Eu não sou negro, mas conheço muitas pessoas que são, amigos com filhos que não se sentiam representados por heróis. Isso mudou quando Pantera Negra foi lançado, mas antes disso, não haviam filmes de super-heróis no qual os personagens principais tivessem sua cor. Filhos de Sangue e Osso contribui para que jovens leitores negros possam se imaginar dentro de um livro de fantasia e isso é um grande passo dentro de uma sociedade que ainda possui muito preconceito e pouca representatividade dentro da cultura popular.
Falando nisso, em uma entrevista dada nos EUA, a autora comparou sua obra com Pantera Negra, dizendo que era a representação dele nos livros, porém, na minha opinião, a importância da obra de Tomi é muito maior. Stan Lee não era negro, ela é, é uma negra escrevendo sobre negros para todas as pessoas do mundo, ela criou um universo muito maior que Wakanda, os poderes que ela descreve são muito maiores do que os que aparecem nos quadrinhos, a emoção e toda a cultura africana envolvida é muito maior do que qualquer coisa que já apareceu na história de T’Challa.
E como se já não bastasse toda maravilha que Adeyemi criou, ela em si é uma pessoa incrível. Uma das coisas mais emocionantes que vi este ano no Instagram foi seu vídeo abrindo o primeiro exemplar de prova do seu livro que ela recebeu da editora. É de chorar junto com ela, a emoção de alguém que vê seu sonho ser concretizado. Ao final de Filhos de Sangue e Osso, na nota do autor, ela faz um relato emocionante de como decidiu escrever seu livro. Ela caracteriza a obra como a vontade de mostrar para as crianças negras que elas não precisam se conformar com o preconceito, com os brancos poderosos subjugando-as. Ela diz que quis mostrar para as crianças que elas podem lutar contra o sistema, que o sistema pode tentar tirar delas o que elas tem de mais precioso (no livro representado pela magia), mas que se elas não aceitarem o que a sociedade impõe e lutarem pelo que desejam, vão viver em um mundo melhor.
E é isso que Filhos de Sangue e Osso é, a luta de crianças negras contra um sistema que tentou tirar da sua casta o que tinham de mais precioso, tornando-os escravos de um rei que ninguém sabe por que é o rei e que não é melhor do que nenhuma outra pessoa por perto. Leiam! Na minha opinião, este é o melhor livro de cultura afro da história, é épico, é maravilhoso, é emocionante, faz você achar que tudo está perdido, faz você torcer pelo bem, faz você ter raiva do mal, faz você querer lutar junto com Zélie, Amali e Tzain. É o melhor livro do ano para mim. Se você gosta de novidades, de ser um dos primeiros a entrar em um mundo que no futuro fará (já vêm fazendo) muito sucesso, não pense duas vezes antes de comprar Filhos de Sangue e Osso.
- Children of Blood and Bone
- Autor: Tomi Adeyemi
- Tradução: Petê Rissatti
- Ano: 2018
- Editora: Fantástica
- Páginas: 560
- Amazon