Meu ano começou com uma leitura magnífica e por incrível que pareça, foi um dos livros que mais enrolei para ler em 2018. Mas confesso que muito por justamente achar que ele seria ótimo e querer deixá-lo sempre para ler em um momento especial. Esse momento foi para dar-lhe a honra de ser minha primeira leitura de 2019, e que leitura!
A Última Travessia conta a história de um cruzeiro pelo mar Báltico, saindo da Suécia e indo até a Finlândia, a bordo do navio Baltic Charisma. Nele, diversos tipos de pessoas irão se encontrar e viver o pior terror de suas vidas naquela noite.
O livro é narrado em terceira pessoa, contando a história de dez personagens ao mesmo tempo, cada capítulo se referindo a algum deles. Primeiro descrevendo cada um, mostrando o porquê de eles estarem no navio. Temos o caso de uma das mulheres que resolveu pegá-lo apenas para passar uma noite e fazia isso pelo menos três vezes no mês, já que era tão solitária e no navio acabava conhecendo pessoas diferentes. E também conhecemos Tomas, pai de Albin e marido de Cilla, alcoólatra incontrolável que faz a família passar vergonha o tempo todo.
A construção de cada um dos personagens é maravilhosa, é feita com uma maestria incrível, você consegue sentir como se realmente estivesse conhecendo aquelas pessoas. Você, involuntariamente, começa a torcer por algumas delas antes mesmo de saber qual o perigo que eles irão correr ou quem será o bonzinho e quem fará parte do lado negro da viagem.
Mats Strandberg é muito detalhista na ambientação, descrevendo bem o navio, as cabines e as partes de convívio comum em cada um dos andares. No começo do livro inclusive há uma fotografia do “corpo” do navio, indicando onde fica cada uma das ocupações do cruzeiro, o que, realmente, é bem comum de se encontrar dentro desse tipo de transporte.
O enredo é envolto em um mistério completo, você não faz a menor ideia do que pode acontecer dentro do Charisma, que inclusive tem seus próprios capítulos onde informações que não envolvam pessoas são descritas. Sua única certeza é que algo ali não cheira bem, mas até a página 100, nada de ação, nada de mortes, nada de sofrimento, só tensão. Eu ia passando as páginas e tentando adivinhar quem seria o assassino, quem seria o primeiro a morrer ou quem seria o salvador de tudo. Mas sendo cem por cento sincero, eu errei todas minhas apostas, errei porque é impossível prever o que ocorre, eu jamais iria esperar aquilo. E meus amigos, quando a ação começa, o sangue escorre das páginas.
A ação é arrepiante, muito bem descrita (eu sei que estou falando muito da descrição do livro, mas fazia tempo que não me sentia tão inserido em uma obra), aterrorizante, de embrulhar o estômago. Dignas de ser comparado ao trabalho do mestre de toda a literatura de terror, Stephen King, e esse fato merece um capítulo à parte.
Não é raro ler em capa de lançamentos informações como “O Stephen King de saia” ou “O King brasileiro” e até mesmo “Considerado o novo Stephen King”, se referindo a um novo autor que tenta entrar no mercado. Algumas vezes você também encontra citações do próprio King falando bem do autor ou de algum livro anterior, como se aquilo conseguisse incentivar os fãs a comprarem um autor desconhecido, e sim, isso funciona. Funciona em partes, já que até A Última Travessia eu nunca tinha lido um livro bom que tivesse alguma referência a King na capa dele, eu inclusive deixei de comprar livros que eram indicados pelo King, por simplesmente não acreditar mais naquilo. E vejam só, na contracapa de “A Última Travessia” está lá, bem escrito, no canto esquerdo “O Stephen King Sueco”, aquilo foi decepcionante pra mim quando li, e mais um dos motivos para eu deixar essa leitura de lado: medo de me decepcionar com de novo.
Mas nesse caso não! King deu uma dentro, Mats Strandberg pode sim ser considerado o King Sueco. A narrativa deles é muito parecida, desde o modo de ambientar o leitor ao livro ao passar pelo estilo de ação com cenas chocantes escritas com todas suas minúcias, mas também principalmente o fato de que cada detalhe do texto ter uma enorme importância para a trama.
A originalidade é outra imensa qualidade desse livro, a ideia de criar um terror em alto mar, em plena água congelante do Báltico, com todas pessoas trancafiadas dentro de um navio, em uma noite extremamente escura… que roteiro incrível para um filme de terror, principalmente por ser uma espécie de turismo que, apesar de existir à mais de um século, ainda é pouco difundida entre as pessoas, tanto por as vezes ser um passeio caro ou justamente por muitas pessoas sentirem medo da imensidão solitária do mar.
Gosto demais da literatura nórdica, principalmente da maneira como eles descrevem o terror e as cenas de ação, ainda não conhecia Strandberg, mas leio muito os livros de Jo Nesbo. A maneira como o autor de A Última Travessia relata sua ação, o modo como ele descreve a morte, é incrível, é digno de um bom livro de ação nórdico, com todos seus relatos sádicos, sórdidos e minimalistas, exatamente o que eu procuro em um livro de ação e terror. Mats é um autor já consagrado, seu primeiro livro a fazer sucesso no mundo inteiro foi O Círculo, de 2011, que faz parte de uma trilogia, que já foi traduzida pro português e é bem fácil de encontrar.
A Última Travessia foi uma ótima escolha de livro para iniciar 2019 com o pé direito, uma leitura rápida, apesar de suas quase 500 páginas, com muita ação, muitas cenas chocantes, as quais você precisa ter estomago forte para tolerar, mas é muito bem construída, com personagens coerentes, bem descritos e com um final muito digno e realista, um livro que quebrou um preconceito literário muito forte meu, mas que não vou contar aqui para evitar qualquer tipo de spoiler.
E vocês, aguentam ver o sangue escorrendo pelas páginas da sua leitura?
- Die Überfahrt (Klappenbroschur)
- Autor: Mats Strandberg
- Tradução: Fernanda Sarmatz Åkesson
- Ano: 2018
- Editora: Morro Branco
- Páginas: 512
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