Vocês já ouviram falar em Hilda Hilst? Pois eu ainda não a conhecida, até começar a ouvir falar sobre seu nome e obra em 2018, já que foi homenageada na FLIP, reacendendo a enorme alma dessa escritora, poetisa e dramaturga.
Hilda nasceu em 1930 em Jaú, São Paulo. Formada em Direito pela USP, escreveu Presságio, seu primeiro livro, uma coletânea de poemas de autoria própria, e seguiu seu amor pela literatura, lançando livros de diversos estilos literários, mas infelizmente ela fez parte daquele time de artistas que só tem a obra realmente reconhecida depois de sua morte, que ocorreu em 2004, em Campinas. A cidade foi seu refúgio desde os seus 35 anos, se mudou para lá, vivendo até o resto de seus dias na famosa Casa do Sol, uma chácara que abrigou diversos escritores e principalmente quase uma centena de cachorros.
Hilda era uma mulher inteligentíssima, viciada nas novelas da Rede Globo, em animais e principalmente em boas histórias. Com uma vida de boa qualidade, possuía diversos amigos famosos e um grande sonho, de que alguma de suas histórias pudesse virar uma das suas amadas novelas. Ela era extremamente grosseira com quem não conhecia ou com aqueles que ousavam interromper suas novelas.
E nessa chácara, a Casa do Sol, que o escritor Yuri Vieira, passou alguns anos de sua vida, vivendo lá de favor começou a contribuir com a vida de Hilda ajudando-a como seu secretário, mas o que realmente atraia Hilda no rapaz era trata-lo como pupilo, ter alguém para discutir sobre obras, ter alguém para debater sobre literatura e incentivar o seu trabalho com os livros também. Yuri não morava mais lá quando Hilda nos deixou, ele viveu em Campinas de 1998 até meados do novo século, e é com as histórias pessoais que viveu com Hilda que ele fez esta obra.
No começo do livro ele conta que quando a amiga morreu, diversas pessoas lhe disseram que deveria fazer uma biografia de Hilda, mas ele não se sentia bem para isso, então resolveu fazer algo diferente, contar histórias agradáveis que ele passara com sua mentora, e é isso que a obra tem, quase uma dezena de histórias reais e cheias de curiosidades sobre Hilda.A leitura é rápida, o livro tem pouco mais de 200 páginas e começa contando sobre a conturbada primeira visita de Yuri à Casa do Sol, de onde foi escorraçado. Mas a situação logo mudou e ele acabou sendo um dos hóspedes mais próximos da vida de Hilda. Ele já era escritor quando chegou lá e foi com o seu primeiro livro que ele conseguiu aproximação maior com Hilda, que gostou muito da maneira como ele escrevia.
As histórias contadas são de extrema intimidade, relatando inclusive uma experiência sexual da famosa escritora e também a opinião de Hilda sobre diversos assuntos, como feminismo e ufologia. O primeiro assunto, inclusive, é bem controverso sobre ela, já que muitas feministas atribuem um ativismo que, segundo Yuri, nunca houve da parte dela, que por sinal parecia ter ideologias bem contrarias ao feminismo nos seus relacionamentos com homens. Em uma citação no livro, ela diz que se interessa por homens que tenham algo a doar para mulheres, já que a na sua opinião, a mulher teria que ser sempre receptora de algo. Ele inclusive conta uma passagem sobre uma entrevista que Hilda daria a uma repórter reconhecidamente feminista, a moça esperançosa recebeu respostas completamente contrarias as que achava que teria.
Em suma, Hilda passava a impressão de ser feminista por ser dona de si, por não abrir mão da sua liberdade para viver ao lado de alguém, sem renunciar coisas que achava fundamentais a sua vida, mas não era ativista da causa.
Virando as páginas, percebemos que o livro é muito leve, é o relato de histórias divertidas que o escritor viveu ao lado de uma das maiores escritoras do Brasil, é fácil de ler e muito prazeroso saber histórias de uma pessoa tão importante na nossa literatura. Porém nem tudo ficou legal no papel. Existe uma falta de cronologia, várias vezes uma história é contada e contém algum detalhe que pertence a outra passagem, ocorrida anteriormente, mas que só é relatada depois no livro. Acredito que uma rápida revisão e melhor organização dos capítulos deixaria tudo mais encaixado. Outra coisa que faltou na minha opinião foram fotos, tanto de Yuri com Hilda, como das pessoas que são citadas diversas vezes e até mesmo da própria Casa do Sol, pertences que certamente devem constar no acervo da escritora e que mesmo sendo banais e fáceis de inserir, trariam um enorme ganho para a edição da obra.
O Exorcismo na Casa do Sol foi lançado em junho de 2018 e várias polêmicas surgiram sobre ele, principalmente de críticos dizendo que o autor estaria se apropriando de histórias vividas com uma escritora famosa para tentar se alavancar na carreira. As críticas foram especialmente pesadas por ele ter usado histórias muito íntimas da escritora dentro da sua obra. Sinceramente, eu não vejo problema em ele ter contado sobre a sua vivência com alguém especial, e isso contribui muito para que fãs da autora a conheçam melhor, é claro que, partindo do princípio de que essas histórias realmente tenham acontecido da maneira como são contadas, já que não há nenhuma prova de que elas sejam reais. Como eu disse, a edição é pobre por não trazer manuscritos da autora, fotos e nem depoimentos das outras pessoas que são citadas no livro, mas fora isso, é uma maneira agradável e interessante de conhecer Hilda Hilst, uma das maiores escritoras brasileiras.
- O Exorcista na Casa do Sol
- Autor: Yuri Vieira
- Ano: 2018
- Editora: José Olympio
- Páginas: 238
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