Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (2004), Filhos da Esperança (2006) e o oscarizado Gravidade (2013), eram até então os trabalhos mais conhecidos, e até mesmo notórios (o último principalmente), de Alfonso Cuarón. O cineasta mexicano, no entanto, foge do grande escopo para fazer do seu mais novo trabalho uma obra singela e singular.
Roma, lançado no dia 14 de dezembro (2018) na Netflix, traz uma visão sensível sobre a vida em sua mais pura essência. Sendo ambientada no México dos anos 1970, a história acompanha a babá e empregada doméstica Cleo (Yalitza Aparicio), assim como a família de classe média que a contrata. Durante um ano, muito acontece com a família, e também com Cleo. Suas vidas ganham novos rumos, e silenciosamente esses personagens mostram como é aprender e crescer com tais acontecimentos.
O longa, na verdade, soa como o grande trabalho autoral do cineasta. Com uma história comum, Roma se sobressai por ser mundano, o que o torna tão humano quanto o espectador que o assiste. Cuarón faz da câmera os seus olhos, e não o instrumento costumeiro de captura de imagens, tamanha é sua sensibilidade visual.
Dito isso, a história familiar envolve questões de fácil compreensão e identificação (problemas recorrentes na vida de qualquer pessoa, ou de alguém que mora na casa ao lado, por exemplo). Cleo, a protagonista, carrega o filme quase em silêncio (mas em um bom sentido, afinal a obra se sustenta sem fazer qualquer esforço).
Falar sobre a vida em filmes é quase tão recorrente quanto filmes de super-heróis (que, economicamente dominam o mercado cinematográfico atual), ou quanto filmes de terror (de qualquer tipo). Contudo, entre tantos “produtos” entregues sobre este assunto, há sempre uma obra que destoa das outras, e Roma é uma dessas.
Cuarón escreveu, dirigiu, fotografou e co-editou o longa. Logo, Roma, é o seu filme, de fato (não só pela assinatura dos créditos como diretor). É interessante, e encantador, a construção de cada cena. Os planos abertos fazem do diretor um observador, assim como o público. Com isso, então, o filme constrói-se com mais de um acontecimento por cena, há um plano atrás do outro, assim como é a vida, cheia de acontecimentos simultâneos em um mesmo ambiente.
Além disso, aliás, a vida em sua verdade é também feita de contrastes. Onde há alguém (por exemplo), talvez sentado, em uma praça, aborrecido por conta de um problema, podendo haver ainda uma pessoa, esta correndo com fones de ouvido, sem preocupação, apenas desfrutando do seu tempo livre. Cuarón, com sua percepção, capta isso e coloca com toda delicadeza no seu trabalho autoral. Roma é o tipo de filme que sempre irá se destacar na filmografia do cineasta – por méritos do próprio.
Fora todo o trabalho, cheio de cuidados, com a composição visual das cenas (charmosamente feitas em “preto e branco”), Roma, mesmo em ritmo lento, envolve ao seu tempo aquele que o assiste. Em meio a tanta simplicidade e delicadeza, o filme ainda é sensato e sabe que, em determinados momentos, não terá como manter sua abordagem pacata. Há cenas, por exemplo, em que a simplicidade é trocada por certa agressividade, mas, tudo isso, sem perder o tom poético que o diretor se empenha em entregar.
Roma é uma obra que crescerá com o tempo, pois exige certa maturidade do seu espectador. Apesar disso, é o tipo de filme que permanecerá inalterado e pleno, afinal, é justamente uma história sobre a vida. Quem revisitar a história, terá entregue para si o mesmo que recebeu na primeira experiência. A diferença é que o longa permite que o espectador note os seus detalhes, ou que apenas preste atenção em outras particularidades que, à primeira vista, podem passar desapercebidas. Essa, talvez, seja a principal “qualidade” que faz Roma ser tão singular: olhá-lo com olhares diferentes, notando novos detalhes e extraindo mais das suas camadas – principalmente porque o silêncio é um dos principais elementos do filme.
- Roma
- Lançamento: 2018
- Com: Yalitza Aparicio, Marina de Tavira, Diego Cortina Autrey
- Gênero: Drama
- Direção: Alfonso Cuarón