Eu li Quando Ela Desaparecer no carnaval e eu não poderia ter tido uma melhor companhia. Sou pai novo, minha filha tem pouco mais de um mês de idade e seria impossível sair nesse feriado, então torci muito para que o livro chegasse logo, e ele chegou! Que livro e que carnaval maravilhoso ele me proporcionou! Pena que acaba e que as 270 páginas passam voando, com uma fluidez de leitura magnifica, a qual já é bem característica nos livros de Victor Bonini.

Bonini aliás, é um rosto conhecido na televisão, ele é repórter da Globo, e inclusive apareceu algumas vezes cobrindo o carnaval de São Paulo enquanto eu tinha seu novo livro nas mãos. Minha primeira experiência com um livro seu foi com seu lançamento de 2015, Colega de Quarto, seu primeiro trabalho, depois, na Bienal de SP, o conheci pessoalmente e comprei O Casamento seu segundo livro, e a sua capacidade literária me fez virar fã e ficar ansioso pela sua próxima obra.

O autor tem um poder, de passar realismo para seus livros, absurdo. A forma como ele descreve as cenas e a ambientação, utilizando lugares reais de cidades brasileiras, deixa o leitor extremamente instigado e imaginando aqueles fatos ocorrendo em cidades conhecidas. A cidade escolhida para Quando Ela Desaparecer é Guarulhos, o autor usa partes comuns da cidade, como a Praça Mamonas Assassinas e o Conjunto Habitacional Parque CECAP, onde existem vários condomínios de prédios, cada um com o nome de um estado brasileiro.

E é em Guarulhos que Kika desaparece, uma garota jovem, de 16 anos, inteligente, que estava cursando o ensino médio na escola Alvares de Azevedo, uma escola particular, a qual Kika fora convidada para estudar ganhando uma bolsa de ensino integral, já que não teria condições de pagar a mensalidade, mas apresentava um grande potencial.

Apesar de ser inteligente ela é bem encrenqueira, as outras meninas do novo colégio e também da sua antiga escola não gostavam muito dela. Isolada, Kika não tinha nenhuma amiga, apenas algumas garotas que simpatizavam com ela, até que algo acontece com ela, sua primeira quase morte, que ela consegue se salvar, como que por um milagre. Dois anos depois ela some de verdade, seu paradeiro fica desconhecido, e a grande pergunta passou a tomar conta da internet e de todas redes de televisão: #CADÊAKIKA?

Dois meses depois o caso parece não sair do lugar, quase não restam dúvidas de que a garota está morta. As únicas pistas são um colar arrancado e um rastro de sangue. A polícia quer saber, quem teria uma forte motivação para sumir com Kika? A direção do crime parece mudar quando segredos são revelados e outros começam a morrer.

Quando Ela Desaparecer é um livro dentro de um livro, uma espécie de livro reportagem que apresenta a obra, deixando claro que o autor fictício escreve aquilo para deixar registrado os assassinatos que mudaram a história de Guarulhos e que até hoje são relembrados pelas pessoas que passam pelo CECAP ou na frente da escola. A obra é daquelas que mistura passado com futuro, deixando as coisas que já aconteceram como um grande mistério que vai sendo revelado aos poucos com as informações dos dias de hoje, a escritora, inclusive, é um desses mistérios, que só é revelado na última página. Conrado Bardelli, o nosso já conhecido Lyra, desta vez não narra a história, mas contribui muito para o desenrolar do caso, então, fãs do querido investigador, vocês poderão matar a saudade dele aqui.

Mas voltando, o desenvolvimento do livro é um pouco conturbado, intercalar passado com futuro em capítulos bem rápidos causa sempre esse problema, o leitor precisa ter bastante atenção para entender bem a dinâmica da troca temporal.

A qualidade do mistério na obra já é a habitual nos outros livros de Bonini, você até suspeita de quem devem ser os culpados, mas a verdadeira história e os motivos sempre acabam sendo surpreendentes. A única coisa que eu não gostei muito do livro foram as diversas reviravoltas, que parecem ser propositais para confundir o leitor. Falando a verdade, eu até gosto de reviravoltas, mas espero que elas estejam em um contexto e que não existam apenas para quem está lendo e criando suas teorias, acabar não acertando a verdadeira história. Entretanto, o que destaca essa finalização da obra é o fato de que as pontas são muito bem atadas nessas modificações e a credibilidade da história não é afetada, deixando o final extremamente real e crível.

Nada desta experiência seria possível se não fosse pelo trabalho gráfico incrível da Faro Editorial. A edição é recheada de matérias, recortes, fotos, entre outros elementos que contribuem para a narrativa investigativa. Como sempre as folhas são de ótima qualidade e a capa ganha detalhes em verniz e alto relevo. Simplesmente incrível e uma experiência de leitura única, que conversa igualmente com a narrativa criada pelo autor.

Victor Bonini chega mais uma vez abalando a literatura, se consolida como um dos grandes escritores de romances policiais do Brasil, ao lado de Raphael Montes, na minha opinião, um lugar que nunca foi realmente ocupado, mas parece que nos próximos anos mudaremos a página dessa história na literatura nacional, e o nome de Bonini com certeza estará presente.

Ele faz parte de um seleto grupo de escritores nacionais que erguem a bandeira da Faro Editorial, além dele a editora conta com Marcos DeBrito, Rodrigo de Oliveira e Marcus Barcelos, os quatro escrevem sobre terror ou mistério, são amigos e pessoas incríveis. Inclusive se você não os conhece e está procurando algo para ler, dê uma chance a um dos quatro desse grupo e não irá se arrepender, é bem comum que após a primeira experiência de uma pessoa com algum desses autores, que o leitor corra atrás dos outros livros do grupo já que adorou a primeira leitura.

Uma última curiosidade sobre esse talentoso autor: ele é formado em jornalismo e no seu trabalho de conclusão de curso apresentou um livro sobre a história dos assassinatos da Família Pesseghini, família que em 2013 teve os pais, a avó e a tia-avó assassinados, pelo que a justiça decidiu, pelo filho do casal, de apenas 13 anos, que teria se suicidado depois, mas que gerou opiniões muito controversas. O livro criado por Bonini foi extremamente bem aceito pela banca de professores avaliadores, mas, infelizmente, jamais saberemos o que o autor defendia nele, já que por um acordo com os responsáveis jurídicos da família, ele nunca poderá ser lançado.

E aí, você também vai querer embarcar nessa busca pela menina Kika? Então ponha no seu instagram e facebook a hashtag #CADÊAKIKA?, entre nessa busca extremamente intensa e real pela vida de uma garota que não merecia sofrer nada das coisas pelas quais foi obrigada a passar.

  • Quando Ela Desaparecer
  • Autor: Victor Bonini
  • Ano: 2019
  • Editora: Faro Editorial
  • Páginas: 272
  • Amazon

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