A figura de O Rei de Amarelo e sua responsabilidade na deformação humana na ficção é mundialmente conhecida. O livro, escrito originalmente em 1895 por Robert W. Chambers, é uma coletânea de contos baseada em uma peça de teatro que enlouquece todos que a leem. O autor inspirou outros grandes autores como H. P. Lovecraft e sua obra já foi adaptada para a TV com a primeira temporada de True Detectives, assim como o quadrinho nacional, O Rei Amarelo.

O quadrinho organizado por Raphael Fernandes, apresenta uma antologia de oito histórias de horror criadas e ilustradas por artistas selecionados através de um concurso.

Fantasmas na Máquina, com roteiro e arte de Pedro Pedrada, falará sobre a exposição de nossas vidas nas redes sociais, um conto ótimo e que abre a edição de forma arrebatadora. A modelo protagonista começa apresentar feições assustadoras conforme uma certa entidade passa a influenciá-la através de suas redes. Se este primeiro já impressiona, A Boneca, de Tiago P. Zanetic e LuCAS Chewie, apresenta uma comunidade amish dos Estados Unidos e nele acompanharemos o nascimento da nova filha do líder religioso do local, a boneca presenteada a criança acaba tentando o pastor, que acredita nas promessas da boneca e comete os atos mais vis. Creepie não?

Comentar sobre todos os contos deve estragar a experiência de leitura de vocês e eu não gostaria disso, mas devo destacar mais dois contos que me deixaram bastante impressionada. Em A Rainha de Amarelo (Mauricio R. B. Campos e Péricles Ianuch) temos como protagonista, ninguém mais do que Edgar Allan Poe, que após um encontro com uma entidade acaba escrevendo uma de suas obras mais conhecidas. Neste conto teremos referência a obra de Lovecraft também. Por fim, o quarto conto (e juro que não foi proposital esta ordem) temos Maldita Rotina (Airton Marinho e Marcos Caldas). Neste conto vamos acompanhar a rotina de um casal e seu gatinho até que a presença de um quadro, muito conhecido por nós, e um livro, vai acabar levando Júlio a cometer as maiores atrocidades.

Todos os contos são em preto e branco, mas os elementos onde a influência do mal habita é colorida por amarelo. O contraste é belíssimo e a manifestação do Rei de Amarelo é retratada de diversas formas e cada artista acaba a representando a sua própria maneira. Se não fosse a utilização desta ferramenta diria que as manifestações mais sutis passariam mais despercebidas, enquanto em certas histórias esta figuração é mais latente. As interpretações convencem em passar uma imagem perturbadora ao mesmo tempo que cativante, que instiga o leitor a descobrir mais desse horror doentio despertado por Chambers e chave de inspiração para os 15 artistas envolvidos do projeto.

Se serve como, uma ressalva para a introdução de Carlos Orsi que acaba sendo infeliz em classificar parte da obra de Chambers como desprezível, pontuado apenas pela justificativa de que o autor teria optado por se dedicar a um estilo de escrita com mocinhas de romances vagabundos. Acredito que seria de melhor tom se Orsi dissesse que Chambers, mesmo que infelizmente (e isso sabemos somente hoje), optou por um gênero mais comercial, pelo qual acabou o enriquecendo. Aliás, é exatamente esta abordagem que Orsi utiliza-se na introdução que faz na edição lançada por outra editora. Mas sinceramente, prefiro pensar que houve apenas uma má interpretação de texto de minha parte.

Em O Rei Amarelo a loucura é amarela, cor que representou no século XIX a podridão e a decadência. O trabalho gráfico da capa de João Pirolla é incrível  e enrique e agrega ainda mais todo o trabalho consistente que foi feito aqui por estes artistas nacionais tão talentosos.

Através dessas releituras da mitologia do rei de amarelo, o quadrinho narra as diferentes formas da representação da loucura e de que maneira somos levados até ela, seja através da moral ou da corrupção. As deformações humanas são impressionantes, chocam e podem assustar os leitores mais sensíveis, portanto, estejam preparados. Fãs que ainda não conhecem o livro, lançado já em duas edições por aqui, este quadrinho pode ser uma porta de entrada para a mitologia do Rei de Amarelo. Eu confesso que a conheci através de True Detectives e só depois fui atrás das obras, então leia sem medo.

Além de O Rei Amarelo, a Editora Draco já lançou outros dois quadrinhos que compõem o projeto Cores do Horror, O Despertar de Cthulhu e Demônios da Goetia que espero prestigiar em breve.

  • O Rei Amarelo
  • Autor: Raphael Fernandes (organizador)
  • Ano: 2015
  • Editora: Draco
  • Páginas: 164
  • Amazon

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