Grace vive em um inferno diário. Embora seja uma adolescente, cheia de sonhos e desejos, ela precisa lidar com mais responsabilidades do que a maioria dos seus colegas de classe e amigos. Apesar da fachada de garota engraçada e sorridente, ela esconde dentro de si um profundo pesar pela situação em vive na própria casa. A mãe definitivamente não sabe escolher quem amar. Ela é fraca, submissa, e agora obsessiva compulsiva. Grace quer gritar, quer fugir, mas é apenas uma adolescente, sem poder algum. Quando o padrasto, apelidado de Gigante, apronta mais uma das suas é a jovem quem precisa lidar com a violência física e verbal imposta pela mãe. Ela é apenas um saco de pancadas. Ela não é amada. Ela é invisível e sua dor constantemente ignorada. Até ele aparecer.
Gavin é o príncipe no cavalo branco. Ele está mais do que disposto a ser seu salvador. A trazer alegrias nos dias difíceis. Ele acabou de terminar um relacionamento, ele está arrasado, ele tentou tirar a própria vida. Grace acredita que um amor nessa intensidade é tudo o que ela precisa. Por qual motivo alguém terminaria com o perfeito Gavin? Mas ele está se recuperando e Grace parece ser a cura que ele precisava. Ela agora é a garota dele. Está em uma posição invejável. Mas ela pouco se importa com esse status. Quando ele olha pra ela, as pernas dela tremem, o coração para e ela esquece como respirar. Mas por qual motivo as amigas dela o odeiam tanto, por qual motivo a irmã diz que ela se parece mais e mais com a mãe a cada dia? Gavin nem é tão ruim quanto falam. Ele só é ciumento demais porque a ama muito. Ele só a vigia em todos os lugares porque se preocupa com ela. Ele só a ameaçou naquela vez porque ela deu motivos. Ás vezes o amor machuca, e ela sabe disso, mas por que será que estar com ele é mais sufocante a cada dia que passa? Por que agora o príncipe se parece tanto com o vilão? Ela saiu de uma prisão e entrou em outra pior, e já não sabe mais se conseguirá suportar.
Quinhentos e vinte e cinco mil e seiscentos minutos de seus lábios nos meus, de sussurros no escuro, de você me levantando e me girando no ar, tirando minha virgindade, ferrando com a minha cabeça e me dizendo que sou uma inútil, uma inútil, uma inútil.
Romance Tóxico começa como qualquer outra história de amor adolescente. Um olhar, uma paixão, aquele primeiro beijo. O jogo da conquista, as palavras bonitas, o flerte colegial inocente. Exceto que você sabe desde o início que esse relacionamento não termina bem. O livro é narrado na segunda pessoa do singular, onde Grace expõe para o namorado Gavin, seu ponto de vista sobre tudo o que foi vivido pelos dois. Fica nítido em sua fala, a mágoa e a decepção que as experiências ao lado dele deixaram nela. A marca do abuso é visível nas entrelinhas, quando ela se ressente dela mesma por não ter visto aqueles sinais desde início, ou por não ter fugido ao primeiro alerta de perigo pontuado pelas amigas.
Apesar do tom denso presente desde o primeiro capítulo, Grace relata como o romance aconteceu e como se apaixonou por Gavin, o lobo em pele de cordeiro. É difícil associar esse monstro ao rapaz de emoções delicadas, intenso demais e que sabe como tratar uma garota. Ele sabe utilizar as palavras certas nas horas certas, e tem o poder de iluminar mesmo o dia mais triste. O envolvimento dos dois é rápido, mas o enredo parece de certa forma lento, e talvez seja um recurso utilizado pela autora para que possamos nos conectar por inteiro no cenário. Para que possamos entender como Grace entrou em um relacionamento tão tóxico quanto o que ela vive na própria casa, e ainda assim não percebeu. É difícil enxergar os sinais, mas eles estão ali o tempo todo. São sutis demais e te fazem refletir sobre os limites do que é de fato aceitável.
Está é minha vida, quero resmungar. Para você, meu namorado psicótico, para minha família que só grita, que só pune. Se eu quiser, posso pôr um fim nela.
E esse é o grande ponto da trama. Não temos um psicopata anunciado ou um cara agressivo e bad boy. Não há nenhum tipo de estereótipo negativo presente nesse personagem. Ele é um menino rico, que vem de um lar estruturado, onde os pais se amam e respeitam um ao outro. O que o torna ainda mais assustador. Ele pode estar ao seu lado nesse exato momento, ou ser o namorado ciumento daquela sua amiga. Eu fiquei com medo pela Grace, e por mim, e pelas garotas que eu conheço. Pois Romance Tóxico, apesar de ser uma ficção, é livremente inspirado na história vivida pela própria autora, o que acentua ainda mais a veracidade dos fatos aqui apresentados. A progressão do enredo, que começa leve e apaixonante e vai se tornando denso aos poucos, chega ao ponto de sufocar. Em determinado ponto eu tive uma angustia tão grande, que não tive certeza se conseguiria terminar a leitura. É doloroso ver o quanto o sentimento doentio de alguém pode nos machucar, ferir aquilo que acreditamos e destruir nossos sonhos.
Grace nunca foi uma garota fraca e muito menos masoquista. E perceber que um maldito relacionamento vai pouco a pouco modificando sua personalidade esperançosa, é o que precisamos para provar que as vítimas de abuso permanecem naquela situação horrível não porque gostam, mas porque não conseguem se imaginar recomeçando. Se você tiver um mínimo de empatia vai sofrer muito com essa leitura. Vai querer gritar de frustração, vai querer chorar de desespero, vai querer brigar até mesmo com a protagonista e mostrar pra ela que aquele cara é um merda e e que ela não fez nada de errado. Mas a verdade é que nem sempre faríamos diferentes se estivéssemos naquele lugar. É difícil lidar com os demônios quando eles estão tão próximos de nós. E volto naquele ponto, onde nem sempre sabemos identificar o que é aceitável ou não. Apesar de Gavin ser um filho da puta asqueroso, ele passa da conta sempre um pouco de cada vez. Uma crítica, uma ofensa, uma ameaça. Um pedido, uma chantagem emocional, uma imposição.
Queria poder avisar cada garota que você vai conhecer, contar a elas que sua beleza, suas músicas sedutoras e seu sorriso enigmático não valem o preço a pagar. Queria poder colocar um rótulo de advertência em você.
O enredo foi tão intenso pra mim, que não tenho muitas críticas à escrita da autora, ou ao desenvolvimento da trama. Talvez o único excesso da autora tenha sido nos detalhes comuns do dia a dia de Grace em sua vida escolar. Você precisa aguentar muitos diálogos desnecessários e cotidianos enquanto lida com aquela sensação horrível no estômago. Mas essa impaciência é gerada justamente pelo sucesso de Demetrios ao construir sua história. Além do casal, também conhecemos diversos outros personagens problemáticos. A mãe e o padrasto de Grace ganham seu próprio espaço e nos mostram que não há um padrão no abuso. Se esse relacionamento te faz mal, então é ele tóxico sim. Não precisa haver violência física ou verbal para ser considerado ruim. Se aquele comentário dele(a) vier acompanhado de sarcasmo, de crítica e hostilidade e te fizer sentir mal, envergonhado ou triste, então por favor corra o mais rápido que puder e o mais longe que conseguir ir, pois essa pessoa não te faz bem.
Esse é o conselho dado por Lys e Nat a amiga Grace. Elas alertam mais de uma vez e jamais, em momento algum, desistem de ajudar. Elas aceitam a cegueira de Grace, burlam o afastamento imposto por Gavin e metem a colher nas brigas dos dois. Elas interferem, aconselham e principalmente, em momento algum julgam a amiga. Apesar de serem apenas duas adolescentes, elas representam a verdadeira sororidade. E essa amizade será essencial para a recuperação de Grace. A vida jovial das meninas contrasta com a realidade cada vez mais perturbadora da nossa mocinha, diferença essa que é acentuada com o aparecimento de Gideon, um personagem cativante que mostrará para a protagonista que amar não precisa e nem deve ser doloroso.
O desfecho foi o único ponto que me deixou com um sentimento de insatisfação. Sinto que faltou algo, talvez mais realismo, ou mais tensão. Precisava combinar com a intensidade do que tinha sido apresentado até então, mas foi simplista demais e eu não pude deixar de pensar: “é isso?” Não entrarei em detalhes para não dar spoiler, mas invalida de certa forma todo o medo que Grace sentiu antes de por um ponto final em tudo. A verdade é que lá no fundo fica aquela dúvida, se ela realmente estará livre desse homem ou das experiências traumáticas que vive ao lado dele. Eu espero que esse livro abra seus olhos se necessário, que sirva de ensinamento, de alerta. E que te marque como me marcou, para que possamos nos lembrar de que o amor não machuca jamais.
- Bad Romance
- Autor: Heather Demetrios
- Tradução: Flávia Souto Maior
- Ano: 2018
- Editora: Seguinte
- Páginas: 416
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