Francis foi uma leitura bastante peculiar. A graphic novel de Loputyn, a quadrinista italiana Jessica Cioffi, apresenta uma arte delicada e encantadora, mas que surpreende por trabalhar sentimentos obscuros que existem em todos nós.
Aqui conheceremos Melina, uma aprendiz de bruxa, não muito dedicada aos seus estudos, que está prestes a disputar uma “vaga” de sacerdotisa com Camélia, uma amiga próxima. Mas diferentemente de Camélia, Melina deixou tudo para a última hora, não estudou, não sabe preparar poções e nem cultivou os materiais necessários para isso.
Sem tempo para mais nada, Melina recorre a uma tentativa desesperada para, no mínimo, não fazer feio na frente de todo o covil, porém, seu ato impensado acaba invocando Francis, uma curiosa raposa solitária. A criatura se mostra como um espírito da natureza e seu papel é mostrar para Melina o que ela pode e não fazer, mas sem medir muito as consequências. Será Francis o responsável pelos atos egoístas de Melina a partir daí, ou ele apenas faz despertar algo que sempre esteve com a nossa bruxinha?
Francis me surpreendeu muito por trabalhar temas extremamente humanos em uma história tão doce visualmente. Começamos a história sabendo de todas as inseguranças de Melina e o quanto ela sente que não se encaixa ali e o quanto ela acredita não conseguir estar num cargo tão alto dentro do seu meio. Quantos de nós já sentimos isso? Quantos de nós já nos sentimos incapazes de realizar tal tarefa por medo de falhar? Diante disso, iremos acompanhar Melina tomando atitudes erradas, não medindo consequências, não pensando de que maneira pode atingir as pessoas em sua volta, mas também encarando suas decisões.
A HQ é rica em expressar todos estes sentimentos, por fazer o leitor se identificar com cada momento de Melina e mesmo assim, não querendo a julgar. Melina é responsável pelos seus atos, mesmo quando suas intenções não pareciam nocivas, ela os encara de frente. Acho que a desmistificação dos contos de fadas, a mensagem de que não existe uma bruxa boa e uma bruxa má e a dualidade do enredo, é o grande atrativo da obra e onde se tira a maior lição. Todos nós já cometemos ou cometeremos todos os atos de Melina neste livro e compreender como chegamos nisso é o mais importante.
Em suma, Francis é uma HQ de pouco mais de 90 páginas, é uma história sobre autoconhecimento e amadurecimento, que fala sobre a busca pela liberdade, trabalhada num enredo delicado e sombrio na mesma medida. Uma fábula com criaturas mágicas que questionam nossos reais desejos e escolhas.
Falando sobre a arte de Loputyn, ela é belíssima, expressa toda a complexidade da obra e dos temas abordados. As cores aquareladas de tons pasteis, o traço delicado, que mescla o sensível com o bizarro, somados ao trabalho gráfico desenvolvido pela Darkside, ornam a obra como um todo e oferece para o leitor uma edição maravilhosa para se ter em casa. Você pode encontrar mais do trabalho da artista no seu instagram. Vale muito apena!
- Francis
- Autor: Loputyn
- Tradução: Maria Clara Carneiro
- Ano: 2019
- Editora: Darkside Books
- Páginas: 96
- Amazon