Antes de ingressar nesse mundo maravilhoso dos seriados e séries televisivas, mas principalmente, antes de conhecer a quantidade absurdamente encantadora de temáticas, formatos e perspectivas envolvidas na criação destas narrativas que, em sua maioria, estendem-se por anos e anos de amor e frustrações, minhas principais experiências com seriados estavam ligadas a histórias engraçadas e leves. Os episódios curtos, os risos fáceis, as mensagens bobinhas e verdadeiras sempre me encantaram em séries de comédia e, talvez por seu baixo nível reflexivo ou pela facilidade com que nos distanciam dos problemas diários, essas foram, durante muito tempo, minhas únicas experiências com seriados.
Embora possua grande carinho por séries de comédia, uma vez que estas foram as principais responsáveis por me apresentar todos os outros estilos e gêneros de seriados, admito que durante muito tempo não encontrei qualquer história que me agradasse o suficiente. Acontece que me frustro e irrito facilmente com comédias apelativas, com piadas fracas e pessimamente elaboradas, além de estar cansada da velha fórmula do grupo de amigos que, graças à uma diversidade de personalidades, acabam enfrentando os desafios da vida e amadurecendo juntos. Esse período de decepções sofreu drástica alteração quando finalmente decidi conferir The Good Place, uma série que, apesar de contar com um grupo de amigos que enfrenta desafios e evoluem juntos, destaca-se por um plano de fundo e contextualização repleto de mensagens e, para surpreender os desavisados, insere até mesmo questões filosóficas ao longo de sua trajetória.
Com temporadas compostas por treze episódios de 22 minutos, The Good Place nos direciona para o outro lado, para a realidade daqueles que faleceram e agora devem enfrentar uma nova vida no além. De maneira mais específica, o seriado nos insere na realidade do “Lado Bom”, uma vizinhança para todos aqueles que foram bons em vida. Assim, conheceremos Eleanor Shellstrop, uma pessoa egoísta, fechada e trapaceira que, por alguma espécie de erro divino, recebeu um lugar na comunidade dos bons de coração. Com medo de ser descoberta, ela busca maneiras de merecer o destino recebido e reparar erros passados. Porém, é quando Eleanor passa a construir estreita amizade com Chidi, um professor de ética indeciso e inseguro; Jason, um falso monge aspirante a rapper na outra vida e Tahani, uma personalidade que realizou diversos eventos beneficentes mas vivia a vida desejando ser a melhor, que iremos perceber que, talvez, o “Lado Bom” não seja tão perfeito assim!
Tendo como contexto principal a amizade de seres humanos que, ao longo de toda a vida cometeram deslizes, erros, pecados e equívocos, sendo verdadeiramente humanos em suas ações e essências, a narrativa de The Good Place nos permite refletir sobre o que é ser bom, o que é ser humano, o que fundamenta uma boa pessoa ou permite que, mesmo com seus erros, ela retome o rumo e evolua de maneira a realizar escolhas mais dignas, éticas e corretas.
É absolutamente encantadora a forma com que o seriado se constrói. Aqui, embora as reflexões possam seguir para os mais profundos níveis de complexidade, ainda que muitos assuntos e discussões encontrem-se embasados em discursos e teorias filosóficas, o direcionamento e atmosfera são verdadeiramente leves, divertidos e, por vezes, engraçados.
Na mesma medida em que entretém, elabora piadas e estabelece um enredo que segue para o lado do drama leve e da comédia não apelativa, The Good Place trabalha questões como a amizade entre personalidades diferentes, o amor que se constrói por indivíduos falhos e repletos de uma vontade absurda de melhorar, sobre como cabe a nós retirar as cortinas que limitam nosso olhar e construir uma forma otimista e corajosa de encarar a vida, mas também sobre como podemos crescer e aprender com o outro sem nunca deixar de ser quem verdadeiramente somos. Mesmo com sua linguagem simples e brincalhona, com sua atmosfera leve e com seus personagens levemente estereotipados (característica que fará todo o sentido para o espectador após alguns episódios), a série toca o espectador de forma com que, pouco a pouco, passamos a sentir profundo carinho por essas pessoas repletas de falhas e muita vontade de melhorar.
No fim, The Good Place é um seriado engraçadinho, repleto de lições, mensagens e reflexões, mas também é uma história bem construída, que entretém e toca o espectador. Esse é o exemplo perfeito de que uma boa história não precisa ser apelativa nem grandiosa para ser verdadeiramente boa, de que mensagens e reflexões importantes podem, sim, ser transmitidas por meio de um contexto leve e bem-humorado, mas também, é o exemplo perfeito de que temas complexos podem adquirir linguagem leve da mesma maneira com que comédias podem tocar tanto o coração do espectador quanto um bom drama!
- The Good Place
- Lançamento: 2016
- Criado por: Michael Schur
- Com: Kristen Bell, Ted Danson, William Jackson Harper, Jameela Jamil, D'Arcy Carden, Manny Jacinto
- Gênero: Comédia
- Duração: 13 episódios - 22 minutos