Melancólico, nostálgico, sensível e cru. Mais que uma releitura, Ofélia, é um novo olhar, ou melhor, uma nova história que nasce com Ofélia, uma jovem simples, órfã de mãe, sonhadora, inteligente e muito sagaz, que a todo instante questiona o papel da mulher na sociedade e como ela é tratada. Ofélia não chegou a conhecer a mãe que faleceu durante seu parto, já seu pai um homem ambicioso e obcecado com a ideia de fazer parte da corte de Elsinor sempre a ignorou completamente, por vezes, apenas a enxergando como um objeto em seu jogo de interesse e tramoias, portanto temos aqui uma jovem que desconhece o sentido de família, de fato se tornando uma jovem carente de afeto e atenção.
Por essa razão, quando de fato tem a oportunidade de entrar na corte e se tornar a dama de companhia da rainha, ela abraça a chance com todas as suas forças, sempre observadora e atenta a tudo, buscando ali um pouco do que sempre lhe faltou.
Eu acreditava que o rei Hamlet e a rainha Gertrudes se amavam e eram sinceros. Também acreditava que os ministros do rei eram leais e as damas da rainha, honestas. Mas, com o tempo, percebi que a corte de Elsinor era um belo jardim onde serpentes se escondiam pela grama. Muitos que pareciam sinceros eram falsos. A febre da ambição levava tanto homens quanto mulheres a conseguir melhorar suas posições, mesmo que por traição ou mentira. Eles rapidamente subiam na Roda da Fortuna, e com a mesma velocidade eram arruinados.
Entretanto, a corte de Elsinor não é exatamente o que parece, o lugar é cheio de intrigas, mentiras, traições, vingança e maquinações. As pessoas não se respeitam como fingem, não se amam como parece e tudo é um grande jogo de caça as cabeças. E morar ali, que antes parecia algo mágico, logo se revela perigoso e assustador, principalmente para uma jovem que veio do campo, sem recursos e que comete a loucura de se apaixonar por um príncipe, que é tão louco quanto para retribuir. Porém, como poderia Hamlet, resistir a uma jovem tão cheia de vida e diferente das demais que um dia conheceu? Espirituosa, de língua afiada e com uma mente brilhante, Ofélia é tudo que Hamlet um dia sonhou, ela foge aos “padrões”, e não tem medo de se arriscar em nome do amor. Mas, a Dinamarca está cada vez mais em crise, ameaçando a tudo e todos, principalmente a felicidade do jovem casal.
Ofélia é uma personagem que grita, que quer fazer valer a sua voz, mas que constantemente é calada pela sociedade patriarcal e machista que a cerca, e mesmo assim ela segue lutando, se agarrando a qualquer fio de esperança. Sua lealdade e amor são brutais e em determinados momentos questionamos se a loucura é de Hamlet ou dela. E é muito triste ver a garotinha sonhadora, se transformar na jovem determinada e por fim, em uma mulher desesperada. Já Hamlet… é uma figura marcante, porém vive duas faces, que contada através dos olhos de Ofélia nos deixa agoniados e por vezes revoltados, pois somos apresentados a um jovem forte, destemido, determinado e apaixonado, ao mesmo tempo em que nos deparamos com sua loucura e desiquilíbrio que passam a afetar e desestabilizar todas as forças da nossa protagonista. É assustador.
Queria ter sido autora da minha própria história, não apenas uma atriz na peça de Hamlet ou um peão no jogo mortal de Cláudio.
Ofélia é uma releitura do clássico Hamlet de Shakespeare, e a autora soube apresentar uma “nova” história, dentro da original, que é cativante. Ainda que pra mim ambas sejam distintas, elas possuem similaridades, algumas licenças poéticas e um final que achei bacana com algumas ressalvas – que não posso explicar totalmente aqui, por motivo de spoiler. Talvez seja o carinho que tenho pelo clássico, ou apenas a minha vontade de que tudo fosse diferente – por favor, menos dor e tragédias, vamos realmente dar um novo olhar para a trama -, e senti que faltou.
Não sei se estou sabendo me expressar. Eu gostei da leitura, acho que é super válida para quem não conhece o clássico e quer começar a se aventurar, porém fiquei com um gostinho de quero mais, eu entendo que Hamlet ficou em segundo plano e se tornou coadjuvante em sua própria história e que a autora quis abordar a força da mulher e sua coragem, mas meu amor pelo original acabou falando mais alto. Mas, uma coisa é certa, Ofélia não passou despercebida no original e nessa história que é dedicada a ela, se impôs, gritou tanto quanto seus pulmões puderam e usou da sua inteligência para escrever um final diferente, ainda que, de certa maneira não menos trágico que o primeiro.
- Ophelia
- Autor: Lisa Klein
- Tradução: Rogério Alves
- Ano: 2019
- Editora: Verus
- Páginas: 265
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