Se existe uma pessoa que odeia a família Gerling, é Jules Ember. Com apenas dezessete anos, essa jovem já amargou e ainda amarga uma vida de miséria e medo. Obrigada a deixar Everless com seu pai ainda quando criança, Jules viu sua vida “feliz” virar de cabeça para baixo. Seu pai um homem muito doente não pode mais trabalhar, o aluguel está atrasado e a única moeda que rege o Reino de Sempera é o tempo, tempo este extraído do sangue e vinculado a moedas de ferro. A angustia a aflige, cada vez que o credor chega à porta de sua casa e sangra seu pai, extraindo para longe sua força e vitalidade. É o desespero que a leva a caçar, a nutrir uma falsa esperança de conseguir o valor suficiente para sanar as dívidas, de poder ajudar o seu pai da maneira que puder e como der. E é o medo de perdê-lo que a faz pela primeira vez pensar em voltar a pisar em Everless. A encarar o jovem Lorde Roan, um amigo por quem nutre um carinho especial e seu odioso irmão Liam que representa tudo de ruim que lhe aconteceu. O problema é que Everless esconde perigos aos quais Jules não faz a menor ideia e seu retorno pode significar um risco não apenas para si, como para aqueles que ela ama.
O Reino de Sempera tem como moeda o tempo, moedas forjadas no sangue e no ferro, onde os ricos ficam cada vez mais riscos e os pobres morrem cada vez mais cedo. A desigualdade não poderia ser mais brutal, cruel e severa. Os Gerling são uma família poderosa e aristocrática que prospera mais a cada ano, controlando tudo ao seu redor. Jules os odeia, eles representam o pior que lhe aconteceu, após anos de trabalho e dedicação, expulsaram seu pai e ela para longe de tudo que conheciam, matando seus sonhos, os lançando no desconhecido sem se preocuparem se ficariam bem.
Mas a necessidade está a levando de volta para a casa daqueles que tanto odeia, ela precisa do pagamento, ainda que seu pai não aprove, que implore para que ela desista, não há muito tempo a seu favor e essa é sua única oportunidade de poder fazer algo. Jules acredita que ficará apenas o tempo suficiente para juntar a quantia necessária, mas obviamente que tudo foge ao seu controle, e quanto mais a verdade se aproxima, mais a jornada de Jules se revela diferente daquela pela qual ela foi buscar.
(…) Sou assombrada por pensamentos sobre a lâmina do credor do tempo, sobre os frascos esperando para serem preenchidos com sangue. E então o sangue esperando para ser transformado em ferro, a onda de exaustão que ouvi dizer que se segue após o tempo ser sugado das veias de uma pessoa.
Everless esconde muitos segredos, alguns tão poderosos que são capazes de perpetuarem mesmo após séculos e séculos. Mistérios que rondam a rainha de Sempera, que apesar de amada e idolatra por seus súditos – devido a sua história -, é uma figura austera, fria e inalcançável… que assusta. Mas, que no passado optou por escolher uma criança que criaria como sua para herdar o trono, o que levou muitas famílias a abandonarem seus filhos em sua “porta” na esperança do mesmo ser o escolhido. Enfim uma atraiu sua atenção, e agora a jovem Ina Gold irá se casar com o Lorde Roan, selando uma aliança poderosa e quem sabe dando o descanso que a rainha precisa. Ou pelo menos era isso que parecia.
Estou muito animada e provavelmente não esteja fazendo muito sentido, mas vamos lá. Everless é uma história sobre traições, mentiras e manipulações. Amizades que se romperam em nome da ambição, uma busca frenética pelo poder e a imortalidade, que custou a todos um preço de sangue. Sempera é o reino, Everless é a “cidade” onde tudo está de fato acontecendo, mais precisamente dentro da casa dos Gerling, mas a verdade é que essa história começou a centenas de anos atrás com a feiticeira e o alquimista – que vocês conhecerão muito bem quando lerem a obra.
A desigualdade é um dos pontos altos da trama, onde ricos ficam cada vez mais poderosos, crescendo em cima de sangue inocente, consumindo o tempo de maneira leviana, tirando daqueles que precisam sem nenhum remorso ou preocupação. Já os pobres, perdem literalmente seus dias, meses, anos, a vida, sangrando para conseguir “sobreviver”, pagar as suas dívidas. Jules está no meio deste turbilhão, ela recém completou dezessete anos e somente agora poderia ser sangrada – uma regra de idade mínima do reino -, e então surge a oportunidade de ganhar muito mais se aceitar um emprego como serviçal na casa dos Gerling, só que Jules tem um passado naquele lugar e retornar pode colocar sua vida e de seu pai em risco, só que não pelos motivos que ela acreditava e é aí que a narrativa se torna grandiosa. O que posso dizer sem que envolva spoiler, é que nada do que acreditávamos, ou o ar “previsível” que estávamos apostando para o enredo, realmente é. E é então que somos surpreendidos por uma história que se revela muito maior e mais intensa do que realmente parecia ser.
Outro pensamento me atinge com força: talvez eu também seja um mistério – um segredo – que precisa ser desvendado.
Eu amei. Jules é o tipo de protagonista que me cativa. Ela é forte e decidida, inteligente, e está disposta a tudo para salvar a vida do seu pai. Trabalha duro, tem um senso aguçado, e ainda que mergulhe no desconhecido com certa ingenuidade, ela não para diante dos sustos e obstáculos. Eu amei que a história é narrada sobre seus olhos, porque temos a oportunidade de ir descobrindo tudo, junto com ela, não é como se soubéssemos ou tivéssemos tido alguma percepção antes dela mesmo ter, então somos surpreendidos e atacados juntos. Outro ponto muito positivo na trama é o quebra-cabeça que temos, nada realmente é o que parece, Jules está sozinha em sua jornada e precisa ir descobrindo aos poucos, com quem pode contar, e isso significa que ela erra muitas vezes, o que acaba nos aproximando dela, e o que dá a ela um ar de “humanidade”.
Toda a construção dos personagens, é incrível, não tem um que esteja sobrando ou fazendo “figuração”, a escolha de cada um foi precisa e necessária. Os cenários são bem desenhados e explorados, conseguimos visualizar e ter uma ideia do que a autora quer mostrar. A narrativa é fácil, fluida, envolvente e viciante, o que torna o livro uma ótima opção para quem quer começar a ler o gênero. E a escolha em si do “tema” central, foi genial.
É um enredo que promove reflexões, que critica a sociedade e o ser humano. É uma história que se revela com muitas camadas, que vamos desvendando ao virar das páginas e que assusta porque mesmo se tratando de uma fantasia, sua proximidade com a realidade é chocante – capitalismo, desigualdade, a busca pela perfeição, exploração, inveja, egoísmo, desgoverno, manipulação… Enfim, já deu para notar que é mais do que realmente aparenta ser.
Estou com expectativas altíssimas pelo que está por vir. A autora Sara Holland concluiu a história deixando para o leitor um mundo de possibilidades, vários caminhos pelos quais a nossa protagonista pode seguir, entregando um enredo ainda melhor que o primeiro, quero dizer, sólido, empolgante e inesquecível. Ansiosa para desvendar o final dessa duologia, que continua com Evermore.
Preciso mencionar ainda que gostei muito da capa, pra mim fez todo o sentido com o enredo. Diagramação simples e muito bem-feita. Bom trabalho Editora Morro Branco. Fica aqui minha indicação de leitura, cheia de muito amor. Deem uma chance para Everless. Até a próxima! Bye.
- Everless
- Autor: Sara Holland
- Tradução: Isadora Prospero
- Ano: 2019
- Editora: Morro Branco
- Páginas: 368
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