Em dezembro de 2019 compartilhei com vocês as minhas opiniões, reflexões e encantamento com relação ao livro Mulherzinhas, escrito por Louisa May Alcott no ano de 1868. Embora na época já estivesse acompanhando os comentários e detalhes referentes a mais nova adaptação cinematográfica desta obra tão querida e, ainda que estivesse caindo de amores pelo elenco e toda a atmosfera apresentada nas imagens promocionais, não tinha certeza se minhas previsões e anseios com relação as possíveis mudanças na história seriam concretizadas ou não. Mas, vale adiantar que é de Greta Gerwig de quem estamos falando e, mesmo tendo encontrado um ou outro elemento que gostaria de ver melhor trabalhado, fico imensamente feliz em afirmar que Adoráveis Mulheres é uma ótima adaptação e tributo à obra original.

De maneira breve, pois sei que os leitores já se depararam com esta informação em diversos sites, além de ter sido habilmente destacada no próprio trailer do filme, Adoráveis Mulheres nos apresenta a história e trajetória de vida de Meg (Emma Watson), Jo (Saoirse Ronan), Beth (Eliza Scanlen) e Amy March (Florence Pugh). Únicas em personalidade, anseios, sonhos e características, as irmãs sofrem de saudades do pai, quem partiu para auxiliar os soldados na Guerra de Secessão, enquanto também buscam auxiliar e atender aos pedidos da mãe, quem verdadeiramente se doa para a comunidade a fim de criar melhores condições para aqueles que não recebem qualquer oportunidade ou chances de sustentar a própria família. Para além das relações e lições familiares, as moças firmam a mais bela e verdadeira amizade com Laurie (Timothée Chalamet), o neto de um homem rico e honesto, vizinho dos March.

Como espectadores, somos lançados em meio aos desafios, angústias, desejos, erros e acertos destas encantadoras personagens. Compreenderemos quem são, como suas personalidades e sonhos divergem, mas, não se mostram como elemento forte o bastante para separar estas mulheres. Na medida em que acompanhamos o sonho de Meg de casar-se e construir uma família, o de Jo de tornar-se uma importante escritora e provar que mulheres desejam muito mais do que amor e filhos, o de Amy de atingir a perfeição e pintar os mais belos quadros, o de Beth de ser útil a família e ver seus queridos amigos e parentes felizes, e é claro, observar o menino Laurie encontrando seu caminho no mundo, perceberemos como nossas diferenças nos aproximam e o quanto somos parecidos em tantos aspectos, apesar de desejar e trilhar percursos diferentes! Desta maneira, na mesma medida em que observamos estes personagens amadurecendo e aprendendo importantes lições sobre família, sociedade, amor, amizade e tantos outros elementos que compõem esta jornada confusa e maravilhosa chamada vida, também descobriremos como cada uma destas Adoráveis Mulheres encontrou ou trilhou seu próprio caminho. E é neste ponto que o filme brilha!

Confira a resenha do livro Mulherzinhas

Embora Greta Gerwig se aproprie dos elementos e passagens mais importantes de Mulherzinhas e, embora destaque algumas características da época em que a obra foi escrita, além do que significava ser mulher e o que se esperava delas na sociedade representada, seus direcionamentos buscam, até certo ponto, quebrar as barreiras impostas pelo livro que deu origem ao filme. Ao meu ver, e desde já peço perdão caso esteja redondamente enganada, a adaptação demonstra sutilmente todo o contexto histórico que encontramos no livro. Isso no sentido de que as nuances, comentários e situações características da época acabam entrando em segundo ou terceiro plano, abrindo assim espaço para que a diretora seja capaz de inserir críticas, comentários e reflexões importantíssimas que extrapolam a sociedade de 1860, possibilitando que o espectador relacione muito bem cada fala, cena ou debate com sua própria realidade.

E é neste ponto que Amy e Jo March ganham força. Enquanto Meg se apaixona, encontra o amor de sua vida, se casa, tem filhos e cativa o público com um discurso que defende que “só porque ela possui sonhos diferentes não significa que estes sejam menos importantes”, Jo luta para publicar suas histórias, sofre com as dificuldades impostas as mulheres que buscam independência, que trilham caminhos divergentes, que sonham com uma carreira delimitada por suas próprias regras. Jo deseja que o mundo perceba que “mulheres têm mentes e almas, além de corações”, ela clama para que este mundo em que vivemos compreenda que as mulheres “possuem ambições e talentos além de apenas beleza” e, para aqueles que não entenderam a extensão do discurso de Jo, vale ressaltar que ela não está pedindo que as mulheres sejam amadas da mesma forma que amam seus parceiros. Não, ela pede chances para que meninas que sonham em praticar um esporte possam praticá-lo sem sofrer qualquer tipo de preconceito, ela pede que chances para que as mulheres possam seguir seus sonhos de ser médicas, escritoras, advogadas, pesquisadoras, astronautas, astrofísicas e tantas outras coisas, sem que encontrem barreiras para seus sonhos. Jo quer que, de uma vez por todas, a parte masculina da humanidade perceba que nem todas anseiam por um filho e um marido e está tudo bem!

Enquanto Jo enche nossos corações com suas lutas, conquistas e discursos, Amy March nos encanta de maneiras completamente diferentes. A garota mesquinha, um tanto quanto egoísta, perfeccionista e sempre preocupada com riqueza e aparências logo dá espaço para a chegada da personagem que demonstra maior amadurecimento e crescimento em todo o filme. É pela beleza, pelas mudanças, pelas cenas adoráveis e principalmente pelas duras palavras que troca com Laurie, além do discurso realista sobre ser mulher na sociedade em que vivemos, que Amy conquista o coração do espectador. Greta Gerwig oferece uma chance preciosa para aquela que, possivelmente, destacava-se como a irmã menos amada pelos leitores. Falo isso por experiência própria, uma vez que não fui capaz de construir qualquer relação com a personagem ao longo da leitura.

Para além dos discursos e críticas, Adoráveis Mulheres é o que todo filme de época deveria ser: um verdadeiro alento aos olhos. Com belíssimos figurinos, cenários impecáveis, direcionamento e posicionamento de câmera certeiros, além de uma fotografia digna de um indicado ao Oscar, o filme demonstra o cuidado e aprendizado de Greta Gerwig! Aqueles que conferiram Lady Bird serão capazes de afirmar que a diretora amadureceu muito de um filme para outro, destacando-se como um nome que vale a pena acompanhar.

Por fim, resta-nos abordar o único elemento que me desagradou na adaptação. Em Adoráveis Mulheres acompanhamos a trajetória de quatro irmãs, porém, os leitores mais detalhistas possivelmente perceberam que até o momento comentei apenas sobre três delas. Isso pelo fato de que, ao meu ver, Beth não é explorada e aprofundada da maneira correta ao longo do filme, ou talvez, não tenha recebido espaço de tela suficiente para que quem assiste consiga entender quem é a personagem. Ao contrário do que acontece com Meg, Jo e Amy, os espectadores que não realizaram a leitura do livro podem não compreender Beth, podem considerar que ela é apenas uma moça quieta, passível ou até mesmo submissa à família. Mas Beth é muito mais do que quieta, é muito mais do que o filme foi capaz de retratar. Ela é boa em essência, é altruísta e esforça-se para que seja melhor a cada dia. Ela quer o bem daqueles que ama, quer ver suas irmãs felizes e seguindo seus sonhos sem receios ou arrependimentos. Ela é querida, caridosa e gosta de ajudar, de ser útil, porém, isso não a torna submissa ou passível, mas sim um verdadeiro exemplo de ser humano!

Adoráveis Mulheres é uma bela homenagem à obra que lhe deu origem, contudo, ao contrário de tantas outras adaptações cinematográficas, o filme não se prende ao livro, mas se apropria dos elementos essenciais e modifica alguns de seus discursos, elementos e críticas para que se torne capaz de dialogar diretamente com a sociedade atual, com os espectadores reais, aqueles que convivem com alguns dos assuntos e aspectos trabalhados em cada cena, em cada personagem, em cada detalhe. É por este motivo que o final de Adoráveis Mulheres é perfeito!

Após todos os comentários, críticas, debates, cenas, princípios demonstrados e toda e cada característica de personagem que recebemos, pouco importa se determinada irmã acabou junto do “amor de sua vida”, se ela casou, se eles viveram felizes para sempre. Se você precisa de uma confirmação para então considerar este um bom filme, talvez não tenha sido capaz de assimilar todas as mensagens que o mesmo tentou de transmitir. Porque ficar junto do interesse amoroso no final é mais importante do que ver seu sonho realizado? Porque precisamos ter a certeza de que determinado casal está junto e feliz? Sem a certeza sobre o assunto Greta Gerwig finaliza o filme defendendo o que Jo tanto defendia.

Uma mulher pode sonhar em casar e ter filhos, se isso for o que ela desejar, mas, ao mesmo tempo, ela pode sonhar em escrever um livro e ver esse livro sendo impresso e publicado! Mulheres, como as que Jo tanto defendeu, possuem ambições, sonhos, talentos e não se limitam a amar e serem amadas, a serem belas e estarem bem vestidas. O “final” aberto com relação ao possível interesse amoroso demonstra uma vez mais este debate. Se você quer que eles terminem juntos e felizes, tudo bem, assim eles terminarão, contudo, se você acredita que independente de ter encontrado o “amor de sua vida” a personagem pode ser feliz e realizada, então, talvez você aprecie ainda mais este filme … e tenha compreendido um pouco mais as suas mensagens tão preciosas.

  • Little Women
  • Lançamento: 2019
  • Com: Saoirse Ronan, Emma Watson, Florence Pugh
  • Gênero: Drama;, Romance
  • Direção: Greta Gerwig

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