Sue Trinder é uma órfã inglesa, que vive na segunda metade do século XIX, em uma Londres completamente diferente da atual, cheia de pedintes, com roubos, e uma polícia ainda bem bagunçada.

A garota perdeu os pais ainda cedo e foi criada por uma mulher que ganha dinheiro explorando o trabalho infantil, pegando órfãos e os vendendo ou colocando-os para trabalhar para ela como pedintes. Mas com Sue foi diferente, por algum motivo, a garota era a queridinha desta senhora. Talvez pelos seus cabelos loiros como o sol ou fossem seus olhos azuis, a menina tinha algo diferente, era superprotegida, e mesmo sendo filha de uma ladra assassina, a Sra. Sucksby jamais pensou em vende-la, mesmo tendo recebido dinheiro para cuidar de Susan apenas por um mês.

Mas quando Susan recebe um convite de um dos grandes parceiros de trambiques da Sra. Sucksby, ela vê que a vida de todas as crianças naquele local podem mudar, todos dependem que ela faça esse golpe dar certo, e por mais que sua tutora a queira por perto, ela nota que deixar a menina entrar nessa viagem pode mudar inclusive a sua vida.

O plano era simples, Richard Rivers iria seduzir uma jovem garota que acaba de ficar órfã, porém ela irá ganhar uma enorme fortuna se casar-se antes de completar os 18 anos. O trabalho de Sue seria fácil, ela iria se tornar a dama de companhia de Maud e faze-la acreditar que o homem trapaceiro era um bom partido para ela. Depois disso? Bom, com o casamento consumado, a pobre garota rica iria ser taxada como louca e levada para um hospício.

O único erro que poderia acontecer? Richard não conseguir conquistar a garota, ela não ser tão inocente e sequer acreditar nos serviços que Sue estaria lhe oferecendo, o que faria a menina voltar para sua casa em Londres sem nada e decepcionar a todos. Mas o que acontece é extremamente inesperado, o que faz com que as surpresas dessa obra sejam muitas e indescritíveis.

Que livro maravilhoso! Cheio de romance, de detalhes da Era Vitoriana com uma Londres antiga e apaixonante, com seu charme inigualável, sem deixar de lado a ação, o suspense e também os jogos psicológicos que pode ser causado por ladrões, trambiqueiros e homens e mulheres aproveitadores.

Na Ponta dos Dedos tem uma narrativa em primeira pessoa muito surpreendente, com detalhes que eu nunca tinha visto em um livro. E apesar da narrativa em primeira pessoa, no meio dela, a narradora muda, dando ao leitor uma segunda versão sobre os fatos que estão acontecendo na história. Esse fato me deixou bem pensativo sobre o assunto, já que essa virada acontece inesperadamente e pode acabar afetando o desenvolvimento da obra pelo fato de a história ter que ser recontada por outra pessoa, deixando os fatos um pouco repetitivos. Isso por sinal é algo que me incomoda muito em livros, mas que em Na Ponta dos Dedos foi bem sútil e não afetou a minha leitura, pelo contrário, parte do mistério vai se solucionando com a outra narração ao mesmo tempo que um novo suspense é criado.

O livro é cheio de reviravoltas, de cenas surpreendentes e com uma temática que causaria escândalos no século em que se passa. A obra também é bem romântica, o que pode afetar algumas pessoas que não gostam do estilo, eu particularmente não sou fã de histórias de amor, mas essa em especial fica praticamente em segundo plano quando todas outras características do enredo são apresentadas e pegam o leitor de jeito. A autora aborda temas como questão de sexualidade, gênero e classe com muita propriedade, somado a sua narrativa impressionante, reserva ao leitor uma experiência única.

Eu nunca tinha lido nada da escritora, mas Na Ponta dos Dedos é a sua terceira obra, lançada originalmente na Inglaterra em 2002.  A especialidade da galesa, Sarah Waters, são livros de época com detalhes históricos, aliados a romance e mistério. As capas das suas obras no Reino Unido sempre possuem aquele ar de “romance de época”, com mulheres usando seus vestidos e chapéus pomposos, o que foi trocado aqui no Brasil por uma capa mais simples que conversa muito mais com a história. Gostei mais da capa nacional que das outras e adorei também a tradução praticamente literal do título britânico para o na nossa língua. Fingersmith, que é um “trocadilho” com O Mito dos Dedos, foi muito bem traduzido para Na Ponta dos Dedos, revelando através do título toda a ambiguidade que a obra merece.

O fato de a capa nacional não apelar diretamente para o gênero mostra que a editora queria que a obra atingisse um público maior, e conseguiu isso, já que eu, por exemplo, teria passado longe da obra se a capa fosse como a britânica. Mas ao mesmo tempo, pode afastar o tipo de leitor que procura este tipo de livro. Uma tática arriscada, mas que me agradou muito, me levando a sair do comum e da zona de conforto, em que muitas editoras se colocam para tentar atrair um público específico.

Na Ponta dos Dedos é o sexto livro da escritora traduzido para o português, todas suas obras são no mesmo estilo, romances vitorianos envolvendo alguma temática polêmica. Fingersmith foi tão adorado no Reino Unido que em 2016 virou uma série de TV produzida pela BBC chamada A Criada e o incrível cantor David Bowie, chegou a falar que o livro era um dos 100 melhores livros que já tinha lido.

Quer credencial melhor que essa? E que tal ler um super livro cheio de reviravoltas ao som do incrível Bowie? Então você precisa conhecer Na Ponta dos Dedos.

  • Fingersmith
  • Autor: Sarah Waters
  • Tradução: Ana Luiza Dantas Borges
  • Ano: 2019
  • Editora: Rocco
  • Páginas: 592
  • Amazon

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