Existe algo encantador e maravilhoso na descoberta e leitura de novas obras escritas por aqueles autores que você admira. Por motivações misteriosas, delineamento de uma linha do destino ou mesmo graças ao alinhamento correto dos planetas, aquele escritor ou escritora foi capaz de estabelecer uma conexão com você, mesmo que por meio de palavras depositadas em uma folha de papel, mesmo que por meio de ideias que você não sabia que precisava conhecer, mesmo que por meio desta relação impalpável estabelecida entre livro e leitor, mas que pode ser tão forte quanto a mais antiga e verdadeira amizade.
Ao longo de minha trajetória como leitora percebi, juntamente com tantos outros que fazem parte deste grupo, a beleza que existe em encontrar um novo autor favorito, em se aventurar por suas obras e se maravilhar com suas ideias, ou mesmo em comparar a evolução de sua escrita e as infinitas e curiosas formas com que suas obras se complementam. Da mesma forma, descobri que a maneira como escrevemos, como nos conectamos com os leitores por meio da escrita, mesmo que seguindo estratégias e recomendações específicas para ampliar as possibilidades de conexão entre leitor e texto, é única e característica de cada um. E acontece, meus caros leitores do Estante Diagonal, que Brené Brown se encaixa em cada uma destas situações.
Agora vejo que cultivar uma vida plena não é tentar chegar a um destino. É como caminhar em direção a uma estrela no céu. Nunca a alcançaremos, mas temos a certeza de que estamos indo na direção certa.
Brené Brown é professora da Universidade do Houston, é professora visitante da Universidade do Texas, é mãe de duas crianças adoráveis, casada por 25 anos com Steve, já viu quatro de seus livros alcançarem a posição número um na lista de livros mais vendidos do New York Times, palestrou em conferências TED e, além de todos estes detalhes, ela estuda e pesquisa coragem, vergonha, empatia e vulnerabilidade por aproximadamente 20 anos. Embora apresente um currículo invejável e uma propriedade imensa ao abordar seus campos de pesquisa, não foram esses os motivos pelos quais, no ano de 2016, me encantei por suas obras. Foi sua escrita acessível, a preocupação em dinamizar os conselhos e dados coletados ao longo de anos de pesquisa, a forma didática e coerente com que aborda estratégias de mudança e, principalmente, a coragem de compartilhar histórias e desafios pessoais com os leitores, que verdadeiramente me conectaram com as mensagens da autora e me fazem buscar suas obras sempre que preciso olhar para quem sou, ou quando preciso de um empurrãozinho na vida.
Se quiséssemos, poderíamos classificar A Coragem de Ser Imperfeito, Mais Forte do que Nunca e Eu Achava que isso só Acontecia Comigo como exemplos clássicos e perfeitos de livros de autoajuda, e em essência é exatamente isso o que eles são. Contudo, por carregarem um embasamento de anos de estudo e pesquisa, inúmeros dados coletados e a participação de uma infinidade de voluntários corajosos que compartilharam suas histórias e experiências ao longo das pesquisas da autora, prefiro pensar que eles são um pouquinho mais do que livros de autoajuda. Muito mais do que delinear caminhos para que o leitor possa mudar sua vida, cada um destes livros nos permitirá refletir sobre nossas ações, sobre as ações de nossa sociedade, sobre o mundo confuso e problemático em que vivemos para, somente então, destacar algumas estratégias e exercícios que podemos realizar a fim de modificar não apenas nossas ações, pensamentos e sentimentos, mas também, direta ou indiretamente, os contextos e relações que nos cercam.
É em meio a estes direcionamentos e percepções que encontramos A Arte da Imperfeição, lançamento da Editora Sextante que foi publicado pela primeira vez ao longo do ano de 2010 por Brené Brown. Assim como seu primo Eu Achava que isso só Acontecia Comigo, este é um livro acessível que nos permite olhar para dentro de nós na mesma medida em que olhamos para o resto do mundo. É um livro que interliga todos os elementos, dados e anos de pesquisa da autora e, como não poderia deixar de ser, por meio de mensagens, reflexões e histórias nos encaminha para exercícios e uma abordagem didática que busca nos transformar em protagonistas dos processos de mudança. Como mencionei anteriormente, trata-se de uma obra de autoajuda, porém, de uma obra de autoajuda embasada em pesquisas e estudos acadêmicos, realizados com métodos e diretrizes específicas.
Integrando diversos discursos e conceitos defendidos pela autora ao longo de sua carreira, assim como, remetendo e retomando aspectos e conteúdo expressos nos livros A Coragem de ser Imperfeito e Mais Forte do que Nunca, A Arte da Imperfeição explora diversos pontos constituintes de nossa vida em sociedade e de nossas relações sociais, familiares, de amizade ou profissionais e a forma como influenciamos e somos influenciados por elas. Ao efetivar uma análise das características conflitantes que permeiam os fundamentos da sociedade, os padrões estabelecidos e as maneiras com que nos relacionamos, a autora espera que possamos quebrar tradições, concepções e círculos viciosos de pensamento e sentimento que nos impedem de ser verdadeiros e de assumir nosso valor. Mesmo com todos os defeitos. Mesmo com todas as coisas que gostaríamos de melhoras. Mesmo com todos os medos de que não compreendam quem somos, no que acreditamos, o que defendemos e como precisamos de determinados fatores para nos tornarmos capazes de atingir uma melhor qualidade de vida.
E aqui não falo de valores monetários, de beleza padrão, de alcance da perfeição inexistente, do fato de que determinadas situações exigem determinados comportamentos ou mesmo de que então podemos jogar as responsabilidades pela janela. Estou falando de assumir como importante tudo aquilo que sempre deixamos em segundo, terceiro ou quarto plano. E que cedo ou tarde retomam o controle para nos mostrar o preço de deixá-los de lado. E acreditem quando digo que aprendi a lição das formas mais duras e assustadoras.
Um exemplo que gostaria de compartilhar com vocês, e que talvez possibilite maior compreensão dos direcionamentos do livro, está na reflexão de como nossa sociedade se distanciou do ato de brincar. Brincar é permitido para crianças, mas, no momento em que elas começam a crescer, no momento em que a adolescência surge no horizonte não apenas suas vontades mudam como nosso tratamento para com elas é modificado. Um adolescente joga fora seus brinquedos, um adolescente quer fazer coisas de adulto – seja lá o que isso verdadeiramente signifique – e assim, se um adolescente, um jovem e, que os deuses nos livrem, um adulto decide brincar pelo prazer de brincar, decide encontrar maneiras de se divertir pela simples e pura alegria que essas atividades transmitem, o condenamos. Como é difícil para muitos de nós simplesmente esquecer de tudo e brincar. Esquecer o que os outros irão dizer, esquecer o que irão pensar. É por isso que alguns de nós criticam aqueles que colecionam e mesmo se divertem com bonecos colecionáveis – ou carrinhos Hot Wheels – é por isso que alguns de nós não conseguem jogar um jogo e se divertir, dançar sua música preferida no meio do mercado, correr com seus cães e quase morrer de dar risada da bagunça resultante. Foram tantos anos de “lições” e tantos padrões a serem aprendidos e tantos olhares repreensivos que hoje lutamos contra limitações que nem percebemos estarem ali.
Ainda que signifiquem algo completamente diferente para vocês do que significam para mim, estes livros e sua autora demonstram uma coragem cativante ao abordar temáticas ainda muito ignoradas por nós enquanto indivíduos e enquanto sociedade. Se não para mudar suas vidas, ou para apresentar bons conselhos e novas formas de abordar situações cotidianas, que estes livros nos permitam refletir. Que nos possibilitem refletir os pontos problemáticos de nossas relações, de nossas vidas, de nossa sociedade e de nós mesmos e como, de pouquinho em pouquinho, podemos modifica-los. Muito mais do que conhecer e lançar luz a desafios e problemas, é sempre importante agir. E este livro, a sua própria maneira, nos dá aquele empurrãozinho para agir, mesmo que seja no plano de nossas próprias vidas!
- The Gifts of Imperfection
- Autor: Brené Brown
- Tradução: Lúcia Ribeiro da Silva
- Ano: 2020
- Editora: Sextante
- Páginas: 176
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