Minha relação de amor com personagens complicados, recheados de problemas psicológicos, imersos na criminalidade ou enfrentando sérios problemas com a lei, além de possivelmente enquadrarem-se na classificação anti-herói, não é segredo para ninguém. Também não é segredo para ninguém o fato de considerar Sons of Anarchy uma das melhores séries que já assisti ao longo destas minhas voltas ao redor do sol. Porém, apesar de sempre voltar para a cena final do seriado e derramar algumas lágrimas de saudade e contentamento por uma das estratégias de desfecho que mais considero corajosa e arrebatadora, seguia meu caminho em busca de algo semelhante a Sons of Anarchy, algo que preenchesse o vazio deixado pelo seriado, algo que apresentasse elementos similares com outra roupagem, algo que pudesse comparar. Eu precisava de outra história sobre uma família de criminosos que ousavam arriscar, que enfrentavam desafios e problemas com a lei, que brigavam entre si e entre outros grupos criminosos, que permaneciam unidos enquanto cometiam erros ou traiam uns aos outros.
De fevereiro de 2015 – período em que me dediquei a reescrever o texto sobre SOA – até março de 2020, observei o cancelamento ou finalização de diversos seriados, descobri histórias incríveis e decepcionantes, encontrei novos personagens problemáticos para amar, compartilhei minhas opiniões sobre uma variedade de séries aqui no Estante Diagonal. Contudo, mal sabia que a produção que preencheria novamente meu coração estava pacientemente aguardando na minha lista da Netflix por aproximadamente 2 anos e meio. Foi com a chegada de políticas e movimentos defendendo o distanciamento social, da suspensão das aulas de minha segunda graduação – finalmente Letras – e de alguns desafios e problemas pessoais, que comecei a assistir Peaky Blinders.
Até o período temporal em que escrevo esta resenha, Peaky Blinders conta com 5 temporadas disponíveis no serviço de streaming da Netflix, além de uma sexta prestes a ser lançada e planos para estender a história por pelo menos mais 2 temporadas. A produção original da BBC conta com um elenco de peso, figurino impecável, algumas falhas e clichês que considero dignos de nota, cenário curiosamente peculiar e uma porção considerável de assassinato, traições, sangue e esquemas que possibilitam a ampliação dos direcionamentos da trama.
Peaky Blinders, assim como sua prima distante Sons of Anarchy, delineia a trajetória, crescimento das transações criminosas e traições vivenciadas por uma família e sua gangue. Embora o enredo da primeira temporada mantenha-se alinhado aos limites geográficos da Birmingham de 1919, demonstrando os esquemas de apostas ilegais do grupo liderado por Thomas Shelby, a narrativa pouco a pouco abre espaço para o crescimento das ações de Thomas, Arthur e John Shelby. Entre problemas com a polícia local, brigas com outras gangues, desafios comerciais e a luta por transformar seu negócio em algo “legal”, a família Shelby também enfrenta as dores e traumas deixados pela Primeira Guerra Mundial, os desafios de lidar com os próprios irmãos, os perigos de tornar-se inimigo de grandes nomes de Londres, além do clássico clichê de perceber que um criminoso se apaixonou por uma espiã infiltrada!
Sendo cada temporada composta por 6 episódios de 55 a 60 minutos, por vezes observamos que a narrativa se constrói de maneira um tanto apressada, não perdendo tempo com o aprofundamento do passado ou motivações de determinados personagens e, ainda, utilizando estratégias simplórias para resolver problemas relacionados a introdução de novos personagens e de onde vieram ou quais suas relações com outras personalidades importantes para a história. Exemplo destas situações é toda a construção da primeira temporada e, apesar de não ter conferido as temporadas 3, 4 e 5, ouso afirmar que alguns destes problemas são resolvidos conforme os eventos se sobrepõem e novos personagens e situações permitem que alguns problemas de narrativa sejam devidamente resolvidos. Porém, é difícil esquecer que para cortar caminho a série simplesmente faz com que seus personagens digam coisas como: “não se esqueça que somos parentes distantes e já enfrentamos coisas piores na Irlanda”. E nem vou comentar sobre a facilidade com que Thomas Shelby se encanta pela recém-chegada moça loira de olhos claros que precisa trabalhar e, que, como bom rapaz que é, prontamente permite entrar na sua vida, nos negócios de sua família e no seu coração.
Apesar dos deslizes e momentos apressados, a história facilmente conquista o espectador que busca um seriado inteligente e repleto de crimes, relações familiares, brigas, sangue e morte. É cativante e especialmente interessante acompanhar os planos da gangue para driblar a lei, se vingar de inimigos, ampliar seus negócios ilegais, além de sofrer com as consequências de seus erros ou falta de visão contextual. Da mesma forma, é maravilhoso observar o figurino, as maquiagens, os cortes de cabelo dos homens e mulheres presentes nesta série, sem contar o cenário que em diversos momentos realmente parece um cenário, mas que, curiosamente, oferecem um charme especial ao desenvolvimento da trama e contrastam com as cenas em que estamos imersos no campo e paisagens mais amplas.
Por fim, me resta afirmar com muito orgulho e alegria que, assim como no caso de sua prima distante Sons of Anarchy, todo o elenco – com exceção de Annabelle Wallis, quem sempre tenho a impressão de manter a mesma cara de Kristen Stewart em tudo o que faz – se entrega de corpo e alma aos personagens, garantindo que as cenas de conquistas transbordem energia e felicidade, que os momentos de tristeza e decepção sejam verdadeiramente palpáveis, que as mortes e brigas pareçam reais e todo sangue derramado seja sentido pelo espectador.
Embora não tenha finalizado as temporadas disponíveis no serviço de streaming da Netflix, mesmo tendo encontrado alguns deslizes de construção de narrativa e ainda que tenha implicância com o clichê mais batido e digno de revirar de olhos da história, confesso ter me apegado instantaneamente ao seriado. Durante muito tempo procurei algo que lembrasse Sons of Anarchy, que apresentasse os mesmos contornos, que delineasse conflitos e enredos semelhantes, que fosse repleto de mortes e intrigas e mesmo assim nos fizesse se encantar pelo protagonista problemático. Finalmente encontrei o que procurava e, apesar de não serem a mesma coisa, tenho certeza de que aqueles que curtiram SOA irão curtir Peaky Blinders! Agora, se me dão licença, vou desligar o computador e descobrir quais os próximos passos do encantador, curioso e traumatizado Thomas Shelby!
- Peaky Blinders
- Lançamento: 2013
- Criado por: Steven Knight
- Com: Cillian Murphy, Paul Anderson, Helen McCrory, Tom Hardy
- Gênero: Crime; Drama
- Duração: 6 episódios – 55 minutos