Há vinte anos, uma série de assassinatos assombrou a comunidade vitoriana. As primeiras vítimas, um casal de bebês que ainda não haviam completado um ano de vida, foram encontradas no interior de um importante sítio histórico da cidade. Posicionadas de maneira a apontarem para pontos cardeais precisamente delimitados, as crianças tinham as mãos delicadamente depositadas no rosto uma da outra. Ao seu redor, formando uma espécie de triangulo ritualístico, encontravam-se três eguzkilores, flores tradicionalmente utilizadas para proteger edifícios, residências e estabelecimentos comerciais. Embora não compreendessem as motivações do assassino, a força policial do município de Vitoria percebeu de imediato as semelhanças e possíveis reinterpretações do folclore local nas características do crime.

Enquanto a polícia realiza interrogatórios, traça perfis, elabora e descarta linhas de investigação, novas vítimas são descobertas. Desta vez, uma garota e um garoto de cinco anos são encontrados nos limites de outro sítio histórico, ambos deixados exatamente da mesma forma que o casal de bebês. Não demora muito para que o pânico se instale, para que os principais jornais da cidade iniciem uma corrida por divulgação de informações, para que manchetes sensacionalistas instiguem ainda mais a atmosfera de temor vivenciada pela população, para que a força policial busque desesperadamente por suspeitos e para que outro casal de crianças seja encontrado.

Que policial nunca se perguntou: se a pessoa que você mais ama fosse uma assassina, você a entregaria ou protegeria?

Devido à forte correlação entre elementos do folclore vitoriano e a maneira com que as vítimas foram encontradas, a linha de investigação policial volta-se para a possibilidade de que o responsável por tais crimes tenha conhecimento vasto e aprofundado da história e cultura regional. É neste momento que a narrativa oferece ao leitor a primeira chave de interpretação, o primeiro aviso para que preste atenção, o primeiro possível direcionamento para elaboração de teorias pois, quando a força policial parece ter atingido outro beco sem saída, o inspetor Ignacio Ortiz Zárate acusa seu irmão gêmeo Tasio, importante arqueólogo e especialista na cultura e folclore vitorianos, de ter cometido o assassinato de todas as crianças encontradas.

Aqui retornamos para o momento presente, para a alegria, ansiedade e animação que vibra em toda a cidade de Vitoria com a chegada das Festas de La Blanca. Voltamos nossos olhos para as investigações dos inspetores Unai e Estíbaliz, parceiros de profissão e amigos que se apoiam nos momentos difíceis, dois dos principais personagens desta história. Ao mesmo tempo, porém, descobrimos que, vinte anos após prenderem Tasio Ortiz Zárate, os misteriosos assassinatos recomeçam e um casal de 25 anos é encontrado no interior de uma importante igreja vitoriana. Agora, leitor e personagens devem estabelecer perfis, delinear teorias, interligar pessoas, acontecimentos e motivações a fim de compreender como os crimes retornaram, a fim de comprovar se Tasio os formula dentro das grades da prisão ou, se por alguma intervenção do destino ou falha policial, o verdadeiro assassino permanece em liberdade desde a descoberta dos primeiros casos, vinte anos atrás.


O Silêncio da Cidade Branca trata-se tanto de um suspense policial habilmente escrito quanto de um romance histórico belamente fundamentado. Com cuidado, destreza e atenção, Eva García Sáenz de Urturi fundamenta e direciona o desenvolvimento de cada evento, a descoberta de cada vítima, as informações que serão transmitidas a cada página, mas também os saltos entre passado e presente. Tudo está onde deve estar. Cada personagem, discussão, pista, desentendimento, relacionamento ou mesmo explicação apresenta-se no momento exato, permitindo ao leitor usufruir de toda a investigação e elaborar suas próprias teorias acerca do culpado e suas motivações. É bem verdade que um leitor atencioso será capaz de perceber as estratégias de distração da mesma maneira com que reconheça os pontos da trama em que os personagens desembocarão em verdadeiros becos sem saída. Porém, tal percepção não influencia na experiência de leitura, somente oferece aquela sensação adorável de buscar chegar o mais rápido possível ao final do livro para que possamos confirmar se estávamos corretos ou não!

Do mesmo modo com que estrategicamente estrutura cada capítulo, posicionando os momentos de revelação, tensão, dúvida e ação de maneira com que instiguem e ditem o ritmo de leitura, a autora também se mostra preocupada com a disposição e acessibilidade dos dados, informações e conhecimentos que seu leitor talvez desconheça. Ao longo de toda a trama, na medida em que avançamos pela investigação criminal, recebemos explicações acerca de siglas policiais, de métodos investigativos, de conceitos que permeiam a atividade de traçar o perfil de um assassino ou de uma vítima. Da mesma forma, diversas vezes “paramos” a narrativa quando se torna necessário abordar algum aspecto da cultura, história ou folclore local. Neste sentido, ainda que um leitor brasileiro possa sentir a necessidade de pesquisar imagens e mapas, conhecer edifícios históricos e até mesmo se aventurar por sites que demonstrem maiores informações sobre este novo mundo que se descortina diante de nossos olhos, é perceptível o cuidado da autora ao explicar elementos que seu leitor talvez desconheça.

A habilidade demonstrada por Eva García Sáenz de Urturi ao longo da construção de O Silêncio da Cidade Branca expressa-se também na inserção de dados, informações, contextos socioculturais e de toda uma pesquisa acerca do folclore local por entre os mais variados momentos e aspectos de sua narrativa. O município espanhol de Vitoria, capital da província de Álava, pertencente à comunidade do País Basco, transforma-se em uma espécie de personagem. Seu passado, suas construções e sítios históricos, sua cultura, suas festas e folclore, suas comidas e a maneira com que sua comunidade age acabam adquirindo contornos de protagonista, acabam indicando padrões, ressaltando questões e debates, mas também demonstrando pistas. Como fiz questão de destacar, aqui tudo está onde deve estar. O suspense policial somente é possível graças ao romance histórico, e ambos existem de maneira harmônica, contribuindo para que a história não apenas faça sentido para o leitor, mas que também o surpreenda!

O Silêncio da Cidade Branca é uma indicação de leitura maravilhosa e instigante tanto para os amantes de suspense policial quanto para os apaixonados por romances históricos. É aquele tipo de livro que prende o leitor, que o cativa, que o direciona por investigações, cenários, crimes e acontecimentos que se transformam em teorias, se transformam em suspeitos, se transformam em cumplicidade entre leitor e personagem. Esta história nos apresenta crimes e mistério, cultura e folclore, relacionamentos que se abalam e se fortalecem, mas também demonstra como as escolhas do passado podem influenciar os acontecimentos do presente. Trata-se de uma narrativa completa, escrita por uma escritora habilidosa que merece ser compartilhada, lida e comentada! Agora, resta torcer para que a editora Intrínseca publique os próximos volumes desta trilogia, pois sinto que esta história tem potencial para se transformar em queridinha de muitos leitores!

  • El Silencio de la Ciudad Blanca
  • Autor: Eva García Sáenz de Urturi
  • Tradução: Cristina Cavalcanti
  • Ano: 2020
  • Editora: Intrínseca
  • Páginas: 416
  • Amazon

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