Ko Moon Young é uma autora de livros infantis de grande sucesso. Seus fãs vão desde crianças que rapidamente se envolvem por seus contos de fadas sombrios, quanto pelos adultos que admiram a linda e fria mulher por trás das histórias cheias de metáforas. A personalidade duvidosa da jovem sempre é mascarada com grande afinco pelo agente da editora onde Moon Young trabalha. Ela tem problemas para socializar com outras pessoas e prefere lidar com a própria solidão do que com caprichos humanos. No entanto ela é como uma força da natureza. Rebelde, impulsiva e totalmente descontrolada. O que poucos sabem é que Moon Young teve uma infância bastante trágica e isso afetou profundamente sua saúde mental. A mãe morreu de forma misteriosa, ou é o que todos dizem já que Moon Young alega sentir a presença perturbadora da progenitora em muitos momentos, principalmente durante os episódios de paralisia do sono. O pai está internado em uma clínica psiquiatra e é igualmente assombrado por memórias desconexas de um passado assustador. Após tentar matar a própria filha sufocada, ele agora passa os dias sendo cuidado e medicado por profissionais da saúde.
Moon Gang Tae é um jovem trabalhador que tem a grande responsabilidade de cuidar do irmão mais velho que possui autismo. Talvez pela experiência em lidar de forma tão amorosa e empática com o próprio irmão, o jovem tenha encontrado facilidade em suas funções rotineiras como cuidador em alas psiquiátricas. Ele aprendeu a reprimir as próprias emoções e expressões faciais para conseguir se comunicar melhor com os pacientes e com Sang Tae. Sua vida é totalmente dedicada a manter os dois a salvo e protegidos. Conhecer a psicótica Moon Young não estava nos planos dele. Gang Tae não tem tempo para isso já que todo ano, quando chega a primavera e as borboletas começam a aparecer, sua pequena família precisam se mudar.
Moon Sang Tae vive em uma rotina regrada e bem programada por Gang Tae. Ele aprendeu que embora seja o irmão mais velho e possua uma aparência condizente com sua idade, é mentalmente mais jovem. Seu mundo é preenchido pelos desenhos que assiste repetidamente na televisão e pelas belas ilustrações que habilidosamente desenha inspirado pela sua autora favorita do mundo inteiro. Sang Tae ama os livros de Moon Young tanto quanto ama dinossauros, e sonha com o dia que a verá pessoalmente. Mas a primavera se aproxima e ele morre de medo das borboletas. Elas aparecem em seus pesadelos, mas também estão em sua memórias. Elas estavam lá também no dia em que a mãe morreu e ele sabe que precisa fugir, ou acabará sendo levado por elas.
Quando eu vi os primeiros 5 minutos dessa série original Netflix eu soube que ela seria perfeita para o Mês do Terror aqui na coluna. E isso por que a história começa com uma animação digna de Tim Burton. Sombria, gótica e de certa forma até mesmo romântica. No desenho vemos uma pequena menina, com olhos grandes e expressivos que está solitária e em busca de amigos. Do alto da torre do castelo amaldiçoado em que vive com a mãe bruxa, a menina olha para as crianças que brincam na rua. O problema é que a menina gosta de presentes estranhos, e um monstro horrível a acompanha onde quer que ela vá. Na vizinhança as crianças se afastam com medo e menina está novamente solitária. Em sua fúria ela busca por destruição. Não se importa com a dor alheia e nem com as consequência dos seus pequenos atos, até o dia que encontra por acidente um menino tão solitário como ela mesma. Ele tenta ficar ao lado dela por mais tempo que os outros, mas também sente medo. A estranheza da menina o assusta e em um ato de desespero ele rompe as amarras que os unem e foge. A menina não sente dor, apenas raiva. Ele é apenas mais um covarde. A mãe bruxa nunca a deixará esquecer. Ela é um monstro, e monstros devem ficar sozinhos.
A série se inicia a partir daí, com um cenário mais alegre. Uma fotografia brilhante acompanha figurinos e paisagens altamente coloridas. No entanto o tom sombrio e assustador está está presente no enredo. A maneira dramática com que as cenas são produzidas somado ao foco nos detalhes nos deixam apreensivos, atentos. A trama começa leve e gradualmente segue para um suspense eletrizante e perturbador. Algumas cenas causam arrepios dignos de filme de terror e tudo isso intercalado com cenas emocionantes na interação dos personagens que protagonizam cenas cheias de química. Em uma espécie de primeiro encontro icônico, Moon Young ataca com uma faca um paciente do hospital onde Gang Tae trabalha. Cumprindo com sua função de cuidador, Gang Tae se posiciona entre os dois e é atacado com fúria por uma Moon Young insana. Poderíamos dizer que foi amor à primeira facada?
Brincadeiras à parte, a série retrata uma interação conturbada e tóxica entre os protagonistas. Em uma pseudo-relação romântica é possível perceber o amadurecimento da história que segue um rumo cada vez mais dramático e assustador. Em um primeiro momento vemos uma protagonista mimada, que objetifica e persegue o rapaz mesmo após ter sido recusada por ele. Não, é não! O que vale pra um, vale para o outro e então fiquei sim incomodada com o fato de haver nessa interação um assédio descarado por parte da protagonista. Ela chegou a dizer em alguns momentos que iria sequestrar o Gang Tae. Acredito que a personalidade irreverente também a tornava forte e reforçava o estereótipo de psicótica. Outras ações da personagem causaram certa comoção na Coréia, visto que a personagem deprecia um dos pacientes da clínica quando esse está nu e em momento de crise mostra o corpo e órgãos genitais para as outras pessoas. A cena em si é rápida e mostra como Moon Young parece nunca ligar pra nada, como se fosse inabalável, porém fica nítido em acontecimentos posteriores que assim como Gang Tae ela aprendeu a esconder as emoções como forma de proteção.
A atuação é absurdamente impecável. E não tem como falar disso sem mencionar o ator sul coreano Oh Jung Se que se entregou totalmente ao seu papel como o autista Sang Tae. O personagem possui todas as características de alguém com o espectro autista e faz isso de forma tão real e sincera que é impossível não ficar deslumbrado. O ator, que já vi em outros papéis, está genial em sua atuação. A entrega é total e responsável. Ele merecia um prêmio por seu esforço e dedicação. Kim Soo Hyun, um dos meu atores coreanos favoritos, dá vida a Moon Gang Tae. Eu amo o quanto esse ator consegue dizer tanto apenas com um olhar. A tensão no rosto do protagonista, que expressa uma felicidade falsa enquanto o sorriso não chega aos olhos, deixaria até mesmo o Coringa com inveja. E quando ele chora, olha, realmente é de dar um nó na garganta. As cenas são extremamente fortes e contrastam com a delicadeza existente na interação do personagem com o irmão autista, e com a química da protagonista feminina.
A série também retrata o dia-a-dia das clínicas de psiquiatria e todos os cuidados com os pacientes dos hospitais. Vamos conhecer alguns deles ao longo da trama. São histórias lindas e tocantes, que merecem ser contadas. É raro vermos séries que abordem as questões mentais com tanta delicadeza e ao mesmo tempo sinceridade, principalmente nos países asiáticos onde o tema ainda é um tabu. Mas também, sendo eles tão geniais em retratar os dramas humanos, é de se esperar que esse trabalho tenha a força necessária para emocionar e se tornar memorável. O drama de origem sul coreana retrata com maestria espetacular as dores de feridas invisíveis que marcam nossa alma e coração. Transtorno de personalidade antissocial e codependência emocional fazem parte da rotina dos personagens. Os traumas de infância são problemas reais, de origem física e emocional e foram muito bem construídos e abordados. O suspense prende e surpreende. E no final, nada é o que parece. E mesmo o mais são de nós, pode ter alguma questão a ser discutida, mas como diz o nome da série, está tudo bem não ser normal.
Um detalhe muito incrível sobre essa série é que os livros infantis escritos pela personagem Moon Young são lidos e representados em alguns episódios por meio de mini animações que são ao mesmo tempo lindas e grotescas. Coraline sentiria orgulho de alguns cenários. Os contos de fadas possuem histórias fortes e cheias de significados. Fizeram tanto que sucesso que foram parar na Amazon e é possível comprá-los em alguns países. Encerro o post de hoje com a frase de um dos livros da Moon Young “O Menino Que Se Alimentava de Pesadelos”. Vale a reflexão.
Nunca se esqueça de nada, lembre de tudo e supere. Se não superar sempre será uma criança cuja alma nunca floresce.