Desde criança fui uma apaixonada pelas letras, pelos livros, pelas histórias. Eu amava as aventuras, os romances, as ficções. Torcia o nariz para as crônicas, não via graça naquele dia-a-dia que eu não conhecia, não vivenciava. As dores adultas não eram as minhas dores. Já dos poemas eu nada entendia. Mas eu gostava da musica que conseguia extrair deles. Na minha cabeça infantil, eu não entendia as palavras, mas escutava a melodia cadenciada que minha língua formava sempre que eu lia aquelas rimas. E só desses poemas eu gostava. Os que rimavam o suficiente para eu cantar. Eu me apaixonei pelo gênero de fato apenas uns anos atrás, quando li Rupi Kaur pela primeira vez. A voz dela berrava aos meus ouvidos naquelas linhas. Não tinha música, mas tinha poder, tinha verdade, tinha autoconhecimento. Entrar nesse mundo me fez perceber que temos artistas e escritores brasileiros tão talentosos quanto Rupi, e então eu conheci Ryane Leão. Ela é simplesmente esplêndida. Ainda me surpreende a mágica que esses homens e mulheres fazem com um papel e uma caneta na mão. Jamais peço desculpas por me derramar é um tratado sobre amor próprio, libertação e feminismo.

há livros morando em cada uma de suas expressões / livros que contam sobre uma mulher / que é uma em muitas / muitas em uma / você é sua prioridade / e não cabe egoísmo / no autoamor

Um dia eu quis ter em casa uma imensa biblioteca mas me recusava a comprar os livros de poemas por mais que eu os amasse. Hoje eu não faço quase questão nenhuma de guardar os livros já lidos, mas os poemas deixo em uma pilha bem decorada em grande evidência na estante. O livro de Ryane Leão ficará exatamente no topo, para que toda vez que eu o olhar, me lembre do exato sentimento que tive ao ler aquelas palavras e linhas tão bem distribuídas. Ryane escreve para nós, mas ela tem claramente uma obrigação com ela mesma. Ela não quer impressionar, não quer tocar com propósito, mas é exatamente isso que faz. Vejo em suas palavras, um desabafo, um desnudar de alma. Ela nos fala de sua vida, de sua realidade. Conta suas dores, suas fraquezas, mas também aconselha. É uma escrita íntima, de alguém que aprendeu a se conhecer, a se amar, a se aceitar. Ela reconhece sua trajetória e tem orgulho disso. Poder ler esse texto tão verdadeiro fez com que eu me olhasse de um novo prisma.

Confira a resenha de Tudo Nela Brilha e Queima

Essa mulher e escritora tão poderosa, cuja voz tem uma potência única, me emocionou, me tocou. Ela fala de uma religião que não é a minha, de uma realidade que também não é aquela vivenciada por mim e ainda assim fez uma bagunça nos meus sentimentos, no meu coração. Eu era a leitora e a protagonista daqueles textos. Sua narrativa intimista e sincera nos coloca frente a frente com uma história de vida que é ao mesmo tempo simples e cheia de beleza. Seus poemas falam de amor carnal, de amor de alma. Falam sobre solidão e solitude. Nos contam que a trajetória é cansativa e árdua e que às vezes vamos chorar e nos quebrar, mas que em outros momentos haverá tanto de nós para compartilhar que iremos nos derramar em amores, sentimentos. É preciso coragem para assumir quem se é, se libertar dos estereótipos, sair dos vícios da socialização. Mais do que coragem, é preciso apoio sincero, é preciso luta, é preciso engajamento. Ryane Leão fala da força do que é ser mulher, fala sobre os desafios de se lidar com o racismo, com o preconceito religioso e social. O livro é uma obra completa em si mesma. O repertório não foi construído ao acaso já que parece que todos os textos se conectam entre si e nos contam uma única história. Uma história que poderia ser a de qualquer um de nós.

aviso fácil: / não quero ser encontrada / estou submersa / confio em mim / hoje vou me percorrer / estreitar os laços com / meus desconfortos / inundar meus incêndios / ordenar meus processos / chega mesmo a ser bonito / eu valho meu risco

Ryane Leão extrai poesia do cotidiano. Dá nomes para dores já conhecidas. Colocou em mim novas palavras, que juntas formaram significados que eu antes não conseguia encontrar. Eu chorava no ônibus enquanto me encontrava nesses poemas. Enquanto os demais passageiros me olhavam, eu simplesmente não me importava por me derramar. Fique emocionada por ler a mim mesma nas linhas de outra pessoa. Foi o saber que eu não estava sozinha em meus sentimentos, foi encontrar companhia mesmo estando absolutamente só. Encontrei uma amiga em Ryane Leão, pois sua escrita tocou não apenas aquela parte de mim que ama as letras, mas também meu coração. Fechei o livro com uma fé renovada em tudo o que sou e no que posso ser. Uma esperança me move todos os dias e esse livro colocou mais um tijolinho em minha trajetória. Extrai dele a próxima frase que tatuarei na pele, por tudo o que ela representa. “eu sou o fragmento do melhor livro que já li“. Meu amor pela leitura também foi reafirmado com essa obra, pois existe toda uma grandiosidade num virar de páginas. Ler não é simplesmente um ato mecânico, e disso nós leitores sabemos bem. Que Ryane Leão possa tocá-los como me tocou e que nosso amor pelos livros nos leve ainda mais longe. Em novas aventuras, amores, e até mesmo numa íntima viagem de autoconhecimento.

  • Jamais peço desculpas por me derramar
  • Autor: Ryane Leão
  • Tradução: -
  • Ano: 2019
  • Editora: Planeta
  • Páginas: 160
  • Amazon

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