Mil Palavras | Jennifer Brown

09 fev, 2021 Por Thais Gomes

Devo começar dizendo eu sou fã de Jennifer Brown desde que li A Lista do Ódio (ainda o melhor livro da autora para mim), então fiz a leitura com altas expectativas, se elas foram atendidas aí é outra história.

Temos um plot principal direto e objetivo: a viralização dos nudes e suas consequências. Mas vamos começar do começo. Ashleigh é uma garota de 17 anos que está no ensino médio. Ela tem uma “vida perfeita”: é corredora na equipe de cross-country, tem amigas, é popular e namora um dos caras mais cobiçados do colégio, o Kaleb. No entanto, o romance parece ameaçado quando Kaleb se forma e está prestes a se mudar para faculdade. Através da leitura percebemos que Kaleb recebe muito mais do que dá. Ele está sempre trocando Ashleigh pelos amigos e deixando-a sozinha e insegura.

Em uma festa da sua melhor amiga, Vonnie, a nossa protagonista revela seu medo para as amigas e elas a incentivam a “presentear” Kaleb com algo inesquecível: uma foto nua. Reunindo toda a coragem ela envia o nude a ele. O primeiro indicativo da falta de confiança na relação acontece porque Kaleb fala da foto para um dos seus amigos do Baseball, Nate, envergonhando Ashleigh. É de se entender que em um relacionamento há coisas que devem ficar apenas entre o casal e justamente por isso surgem as primeiras brigas entre eles. Com Kaleb na faculdade e a insegurança de Ashleigh os dois corroem a relação, até que ele volta a cidade para pôr um fim nisso.

Mas esse é apenas o primeiro problema da protagonista. Suas amigas decidem fazer uma pegadinha, como uma espécie de vingança, com Kaleb em retaliação por Ashleigh, o que acaba deixando-o muito zangado e aí que a maior traição e ato de covardia acontece, Kaleb envia o nude de Ashleigh para todos os seus amigos.

A história, ainda no começo, é dividida mostrando o presente no serviço comunitário e o passado recente, até os dois tempos colidirem e formarem uma única narrativa. Nesse tempo vemos toda violação de privacidade, julgamentos e xingamentos que Ashleigh passa a sofrer. Ela tem sua vida virada de cabeça para baixo e se vê traída pela pessoa que mais amava. Com o tempo, ao invés de melhorar, a situação vai tomando maiores proporções. Seus colegas não tem empatia e compartilham a foto e seu número sem pudor, ela é xingada de promíscua e outras coisas bem piores. Tudo vai virando uma bola de neve que chega ao diretor, seus pais e, por fim, ao tribunal.

No começo eu não entendi o porquê de Ashleigh ser julgada quando na verdade ela é a vítima, mas nos EUA qualquer pessoa, incluindo menores de idade, que tiverem e compartilharem pornografia infantil enfrenta consequências judiciais e pode chegar até a ser preso.

Confira a resenha de Amor Amargo

Ash passa a sofrer com o bullying, a insensibilidade e a solidão, pois não é compreendida e nem reconfortada por ninguém. No serviço comunitário, porém, é onde ela encontra apoio. Apesar de mostrar os personagens que compartilham esse cenário com a protagonista de uma forma superficial, a autora desenvolve a amizade de Ash com Mack. Ele é extremamente calado e na dele, ninguém sabe o que o fez chegar até ali. Mas por trás daquele corpo robusto há um cara compreensivo e doce, sendo o único que nunca abriu o conteúdo da foto.

O desenvolvimento dos personagens secundários deixou um pouco a desejar. Gostaria de ter sabido mais sobre a vida de Mack e não que ela explicasse alguns pontos apenas no fim do livro. Vonnie e as amigas de Ash também são retratadas superficialmente e é assim que elas parecem: fúteis e superficiais. No entanto, gostei muito da relação entre Ashleigh e Mack. A autora não apostou em um romance que suprimisse o principal, o revenge porn, mas fez com que dali surgisse uma amizade importante para o reconhecimento e ressignificação da protagonista

O mais doloroso é perceber como uma pessoa pode ter uma vida inteira de bom comportamento, mas em um segundo, por um deslize, toda a sua vivência é julgada e ela passa a ser reconhecida apenas pelo erro que cometeu. E mais ainda quando essa pessoa é uma mulher. Fica em evidência a sociedade machista que enfrentamos que impõe amarras quanto ao nosso corpo e não mede esforços de nos taxar de mil palavras. Sim, Ashleigh cometeu um erro, mas foi uma vítima, no entanto é tratada sempre como a culpada e irresponsável, quando o maior culpado foi o homem em quem ela confiou.

Outra coisa que deixou a desejar no livro, e talvez seja até intencional, foi a relação de Ash com os pais. Enquanto ela era uma filha prodígio, os pais a mimavam e morriam de orgulho. No momento em que a tempestade se formou e as consequências acabaram desestruturando a família, eles não buscaram reconhecer também como aquilo poderia ser difícil para a filha e se mostraram totalmente incompreensíveis e até insensíveis com a situação.

Eu não era meus erros. Não era definida por mais ninguém. Apenas eu podia dizer quem eu era. E eu era…eu. Apenas Ashleigh.

O livro traz um tema atual e polêmico, algo que sempre é feito pela Jennifer e com muita maestria. Apesar de ser o romance que menos gostei da autora, não deixa de ser importante a discussão que ele levanta, principalmente para os jovens. Ela mostra a necessidade de não julgarmos os outros sem conhecer a sua história e como devemos desenvolver a empatia e respeito. E mais: ela mostra como sempre há consequências para os nossos atos, mas que todos somos humanos e passíveis de errar, mas um único erro não nos limita e não representa toda nossa identidade.

Mil palavras é um livro crível, importante e fácil de ler. Recomendo.

  • Thousand Words
  • Autor: Jennifer Brown
  • Tradução: Cristina Sant'Anna
  • Ano: 2018
  • Editora: Gutenberg
  • Páginas: 208
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