É madrugada em Londres e como grande parte das famílias, os Blankman deveriam estar em suas camas, dormindo, restaurando suas energias para a chegada do amanhã, para a cerimônia de premiação que reconhecerá os avanços científicos proporcionados pelas pesquisas e estudos realizados por Louise, mãe dos gêmeos Peter e Anabel Blankman. Porém, como descobriremos ao longo das páginas de Alva Lebre Lobo Avermelhado, a família Blankman pouquíssimo se adequa ao padrão de família “comum” e, nas derradeiras horas da madrugada, auxiliam Peter a recolher, organizar e limpar a bagunça deixada por sua crise de pânico.

“Um labirinto não passa de uma série de decisões, assim como a vida. ”

Nervoso com a cerimônia e enfrentando o medo crescente de prejudicar o dia especial de sua mãe, Peter coloca em prática sua primeira estratégia para momentos de crise: começa a contar. Quando contar não se mostra efetivo, ele passa a se movimenta pela casa. Quando andar de um lado para outro não acalma seus sentimentos, sensações e pensamentos, ele verbaliza as ideias que passam por sua mente. Quando falar também não reduz os sintomas da crise, ele aposta suas cartas na última estratégia: comer. E foi assim que, nas derradeiras horas da madrugada, Peter comeu diversos mantimentos, bagunçou a cozinha, sujou a despensa, mordeu um saleiro, foi resgatado por sua mãe e recebeu ajuda de Anabel para completar o cansativo processo de recolher, organizar e limpar a bagunça que causou.

Quando os raios de sol finalmente despontam no horizonte e os membros da família Blankman estão arrumados, perfumados, perfeitamente alinhados para um dos momentos mais importantes de suas vidas, nossa peculiar e instigante história oferece sua primeira reviravolta! Enquanto Louise é parabenizada por seus colegas de pesquisa, Peter enfrenta o medo crescente que nasce com outra crise de pânico. Ansiando por distanciamento, tranquilidade, paz para sua mente cansada e muita, muita calma, ele caminha pelos corredores, confuso por entre seus próprios redemoinhos de pensamento, abalado por suas próprias emoções caóticas e limitado para perceber que, apenas alguns passos de distância, sua mãe chama seu nome, pede ajuda e transforma-se em vítima de uma tentativa de assassinato.

Quando Peter encontra a mãe caída no piso frio, com sangue escorrendo pelo belo tecido do vestido que escolheu para seu dia memorável, Alva Lebre Lobo Avermelhado oferece sua segunda reviravolta eletrizante, direcionando o leitor por entre labirintos de teorias, conspirações que podem, ou não ser realidade pois, no momento em que o garoto encontra a mãe, agentes misteriosos os levam para uma espécie de base do serviço secreto inglês… e, assim, nossa história começa!


Com escrita fluída e acessível, personagens peculiares e maravilhosamente aprofundados, enredo instigante e incrivelmente estruturado, além de uma narrativa belamente construída com base na atenção aos detalhes, cuidado no estabelecimento de conexões e verdadeiro controle no direcionamento e disposição dos eventos que compõem sua história, Alva Lebre Lobo Avermelhado caracteriza-se como um thriller jovem adulto que dificilmente permite associações com outros livros do gênero, que dificilmente relembra o leitor que se trata de um thriller jovem adulto.


Embora o protagonista se apresente como um adolescente de dezessete anos, prodígio da matemática, ansioso e medroso por natureza, que enfrenta as típicas dúvidas e desafios da adolescência, a maneira como a obra se delineia é bastante madura, demonstrando ser possível contar uma história de mistério e suspense sem recorrer aos clássicos e cansativos preceitos comumente empregados em histórias voltadas ao público jovem.

Repleto de reviravoltas, de acontecimentos inusitados, de questionamentos acerca da veracidade dos eventos e confiabilidade dos personagens, Alva Lebre Lobo Avermelhado cativa os leitores, direcionando-os por entre os capítulos de uma história que clama por elaboração de teorias. E, neste ponto, destaco um aspecto interessante da escrita e talento de Tom Pollock. Embora leitores apaixonados pelos gêneros do suspense, mistério e thriller facilmente reconheçam algumas das clássicas fórmulas narrativas empregadas ao longo do livro, não se surpreendendo com revelações ou desfechos, em nenhum momento o texto nos perde com a certeza de termos elaborado as teorias corretas para desvendar seu final. Estando nossas suspeitas corretas ou não, a experiência de leitura é tão prazerosa, tão instigante que pouco importa nossos erros ou acertos. É a união perfeita entre jornada alucinada, eventos caóticos, conexões peculiares, conceitos matemáticos e personagens duvidosos que transforma esse livro em uma verdadeira imersão na vida, desafios, mentiras e conspirações vivenciadas por Peter Blankman.

A habilidade e talento de Tom Pollock, demonstrados pelo desenvolvimento da narrativa, é verdadeiramente surreal! Ouso afirmar que somente ele poderia escrever essa história! Somente ele poderia nos presentear com um livro tão maravilhoso! Afinal, quantas vezes não finalizamos obras que seguem direcionamentos similares e nos decepcionamos? Quantas vezes autores best-sellers não reproduziram “mais do mesmo”, reproduzindo enredos livres de eletricidade, de vivacidade e frescor?

Aqui nada se apresenta por acaso. As breves insinuações de romance adolescente, construção de um primeiro relacionamento amigável/amoroso por parte do protagonista, ou mesmo a consolidação da “dupla dinâmica” do livro encontram-se fundamentadas na principal e mais eletrizante dúvida da narrativa. Os curiosos e por vezes complicados conceitos matemáticos se integram harmoniosamente na escrita, possibilitando que o leitor não apenas compreenda algo desconhecido como efetivamente se perceba na pele e mente do personagem principal.

Os comentários, insinuações e reflexões acerca de temáticas como ansiedade, síndrome do pânico, relacionamentos heterossexuais, violência doméstica, violência contra a mulher, bullying e – meu preferido – introdução de um narrador/personagem não confiável, estão intimamente conectados aos eventos da narrativa. Nossa história possuí eletricidade, possui encantamento, introduz frescor e confusão na mente e olhos do leitor, delineia comentários diretos com o mundo do leitor e, impecavelmente, alivia aqueles que, como eu, seguiam lutando com suas leituras, com seus livros, não mais conseguindo retomar o ritmo e brilho no olhar ao virar a página de um livro.

Alva Lebre Lobo Avermelhado caracteriza-se como um thriller jovem adulto que dificilmente relembra ao leitor estar lendo um thriller jovem adulto. Com escrita instigante, personagens peculiarmente duvidosos, interconexão caótica de eventos e muitas, muitas teorias para construir e reformular, o livro se assemelha a uma verdadeira brisa de ar fresco entre nossas leituras. Além de possibilitar minha reconexão com um gênero que leio com frequência cada vez menor, essa história foi responsável por me resgatar do cansaço, do distanciamento e frustrações literárias. Assim, por fim, defendo fervorosamente que, se você ainda não conhecia a obra ou estava na dúvida sobre realizar a leitura, simplesmente abra o livro, vire a primeira página e se deixe levar por esse mistério instigante que mais e mais leitores precisam conhecer.

  • White Rabbit, Red Wolf
  • Autor: Tom Pollock
  • Tradução: Lavínia Fávero
  • Ano: 2019
  • Editora: Plataforma 21
  • Páginas: 444
  • Amazon

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