Não gosto de livros de vampiros, não só de livros, como também de filmes, séries, quadrinhos, ou seja, qualquer tipo de entretenimento possível, incluindo jogos de vídeo game. Este é um tipo de ser mitológico que não me causa interesse, mesmo que a mitologia e a lenda por trás dos vampiros seja um ponto que eu considero muito bem-criado.
Mas então por que ler um livro de vampiros? Bom, é que Anne Rice é diferente. Ela é daquelas escritoras que atrai interesse mesmo que seja apenas com seu nome, ela é a escritora do melhor livro de vampiros pós Drácula, que sim, é um livro fabuloso, bem como Entrevista com Vampiro.
O universo criado por Anne, e cenário de mais de uma dezena de livros, a série Crônicas Vampirescas, iniciou-se com o livro mais famoso, imortalizado no cinema com as belas atuações de Tom Cruise e Brad Pitt, o Entrevista com o Vampiro. O filme personifica cada um dos personagens com características muito detalhistas, o que gera a possibilidade de que estes personagens sejam tanto personagens principais ou secundários e tenham livros próprios e/ou possam aparecer em histórias diversas, sem que o livro em si perca coerência ou sem que universo perca qualidade ou coerência.
Dentre os personagens mais marcantes da história está o Principe Lestat, interpretado no cinema por Tom Cruise. Lestat é o personagem controverso principal de Entrevista com o Vampiro, escrito no longínquo ano de 1976, e foi justamente para escrever uma história mais específica deste personagem que Anne retornou às livrarias 10 anos depois de ter escrito o, até então, último livro das Crônicas Vampirescas, ressurgindo com O Principe Lestat, obra que está sendo relançada nesse começo de ano pela Editora Rocco, em uma edição lindíssima, bem parecida com a de “Entrevista com o Vampiro” lançada em 2020.
Dentre os livros inéditos da escritora, e da série, está o livro aqui em questão Comunhão de Sangue: Uma História do Principe Lestat. No novo livro de Lestat iremos ver um outro lado do vampiro. Desta vez, narrado em primeira pessoa pelo personagem, ele vai refletir bastante sobre seu passado, sobre a maneira que tratava as pessoas e a forma como ele chegou ao posto em que se encontra hoje, vai ver as coisas que fez de ruim e ter que se relacionar com pessoas que não o agradam muito.
Confesso que dos livros que li de Anne este é sem dúvida o mais arrastado, dentre os de Lestat, talvez, seja o que tive mais dificuldade em me conectar com o personagem. Achei ele muito chato na maneira como desenvolve seus pensamentos e consequentemente o livro também. Desta vez, o vampiro não é só presunçoso e arrogante como nos outros livros, tive a impressão de que existe uma forte melancolia nas suas atitudes, o que, estranhamente, dá um realismo ainda maior ao livro, mostrando que a mudança de comportamento, o reflexo de atitudes do passado, podem deixar personagens tristes, quase passando uma certa humanidade a ele.
Essa minha forte impressão sobre Lestat pode estar ligada ao fato dele aparentar estar mais compadecido com seus inimigos e por não ter mais a mesma sede de sangue (aqui literalmente), uma de suas principais características. Ele era mais implacável, de não dava chance a seus inimigos, o que, como algo em um livro, também era o que mais me atraía, a forma como Anne colocava as cenas de ação e a maneira como ela descrevia cada ataque, colocando uma intensidade de nervosismo nas cenas que atingia diretamente o leitor.
Não quero que vocês achem que eu não gostei do livro, muito pelo contrário, ele tem pontos positivos que são muito fortes, um deles é a originalidade de certa forma. Essas modificações no estilo da obra são coerentes de fato, apesar de completamente surpreendentes (ao menos pra mim), causam um efeito muito curioso, que poucas séries conseguem causar, que é o fato de um personagem parecer estar cansado. E olhem o quão isso é legal! Anne Rice teve o dom de “cansar” o personagem antes que o leitor se canse dele, dando a quem está lendo uma sensação de medo, um sentimento de saudosismo prévio, pensando que tudo pode estar prestes a acabar, seja um possível fim de ciclo de Lestat, seja a série inteira, que já tem 14 livros publicados e cujo primeiro deles foi publicado há mais de 40 anos. Assusta e não é pouco!
Lestat parece fraco, desgostoso, arrependido, o medo de que ele chegue ao fim é inevitável e imagino que este final seja iminente. Anne Rice é uma baita escritora, que sabe perfeitamente construir suas histórias se aproveitando do hype, ou da falta dele sobre seus livros. Ela nota quando a série está saturada, se distancia e quando ela vê que o saudosismo tomou conta do seu público ela retorna novamente, um conhecimento de mercado e de literatura que falta há muitos escritores consagrados. E, acima de tudo, Rice retorna em grande estilo, sem deixar sua qualidade de lado, é tudo muito bem planejado, é tudo chocante e muito bom.
Se prepare para o fim, se prepare para encontrar um outro príncipe dos vampiros, se prepare para um novo enredo, para uma nova construção literária, que para mim não foi legal, apesar de ser boa e sem falhas, mas tirou de mim o que mais gostava nos livros da série: a ação e a intensidade sanguinária. Além de me deixar com um ranço enorme do narrador e personagem principal, mas imagino que essa tenha sido a real intenção desta escritora inigualável.
- Blood Communion
- Autor: Anne Rice
- Tradução: Waldea Barcellos
- Ano: 2020
- Editora: Rocco
- Páginas: 224
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