O maior medo de Thea sempre foi cometer os mesmos erros que a mãe: dedo podre para homens, ter filhos sem a mínima condição para sustentá-los e ser emocionalmente dependente de relacionamentos. Mas apesar de fazer todo o possível para trilhar o próprio caminho, ela não consegue parar de pensar que chegou exatamente no mesmo lugar que a progenitora. Uma gravidez não planejada, um casamento não planejado, e um futuro que ela nunca sonhou. Para alguns, Thea é uma mulher de sorte; mas essa não é a percepção que ela tem de si mesma. Quando Thea olha no espelho vê refletida uma mulher desconhecida, que é apenas uma sombra do que já foi um dia. Ela está cansada demais para ser criativa, ocupada demais com a agenda das filhas e do marido para cuidar um pouco mais dos próprios desejos.
E por falar em desejos, foi essa maldita emoção que colocou em ruínas seu casamento, ou é assim que o marido Gavin Scott pensa. Ele é um astro do beisebol, tem um corpo de dar inveja e um sorriso capaz de arrancar calcinhas por onde passa, mas Thea não consegue entender o que acontece na cama. Onde foi parar a sintonia, a química, a espontaneidade? Os atos mecânicos tornam as relações tão forçadas quanto o orgasmo que ela finge ao término de mais uma performance. Mas agora Gavin sabe e não aceitou nada bem. Ela está cansada de fingir na cama, de fingir no casamento, de fingir na vida e por isso pede o divórcio.
Gavin Scott não sabe o que aconteceu, mas os papéis do divórcio parecem querer contar uma história que ele não quer ouvir. Ele está magoado e se sente traído, mas de uma coisa tem certeza, não quer perder Thea e nem a linda família que construíram juntos. No auge do desespero ele está disposto a qualquer coisa para reverter o jogo e ganhar a partida rumo ao coração da esposa. Nem que para isso tenha que se juntar a um grupo secreto e estranho onde homens leem romances de época e brincam de cortejar as esposas. Se até o Lorde alguma coisa conseguiu conquistar a condessa arredia, Gavin certamente terá sucesso. Alguns truques românticos e tudo voltará a ser como antes, ou pelo menos é isso que ele pensa…
Nada me pareceu mais interessante que um clube do livro em que homens adultos e casados leem romances de época para conquistar e manter seu próprio relacionamento funcionando. Quando vi essa sinopse eu tive certeza que era um livro que eu gostaria de ler. É tão inusitado, surpreendente e inovador. Eu não podia perder a oportunidade de saber se a autora conseguiria fazer esse plot acontecer e aí vai um spoiler: ELA CONSEGUIU. Comecei a leitura com uma série de desconfianças, e fiquei com certo receio que o tal clube do livro fosse caricato demais, ou que a ideia de reconquistar um casamento baseado em falas copiadas de um livro banalizasse a intenção. E sinceramente, foi o que pareceu a princípio. Mas para minha grata surpresa, essa pareceu ser uma técnica ousada da autora para pontuar dramaticamente a evolução dos personagens. O leitor passa por todo tipo de emoção enquanto acompanha o amadurecimento do romance e da reconstrução de um amor que parecia perdido. É uma história linda, que aquece o coração e deixa aquele sentimento caloroso de esperança.
Apesar da dinâmica inusitada, o enredo não perde força em nenhum momento. Sendo eu, uma apaixonada pelos jogos de conquista, fiquei com medo que a relação desgastada do casal não tivesse química necessária para entreter até o fim, mas felizmente posso dizer que fui surpreendida. Me vi suspirando com cada avanço, com cada toque, olhar e beijo. Fique ansiosa com as brigas, apreensiva com os momentos decisivos e torci desesperadamente por um final feliz. E é irônico pensar que o livro começa justamente com um final triste. Poderia ser cômico, não fosse trágico. A narrativa de Thea mostra uma mulher cansada, ferida e extremamente magoada. Ela está triste com ela mesma, com a vida que leva e com seu papel na vida do marido. Gavin por outro lado, não entende o que aconteceu. Parece que ele caiu de paraquedas no inferno e agora precisa de um milagre para fazer as coisas voltarem ao que eram antes do pedido de divórcio. Talvez por ser mulher, eu tenha me identificado muito mais com a Thea do que o Gavin, mas isso não significa que eu não tenha entendido também o lado dele. E essa é a riqueza do texto de Lyssa Adams.
Eu me senti como um juiz em um tribunal enquanto lia alternadamente os capítulos da esposa decepcionada e do marido magoado. Enquanto acompanhava Thea eu queria dizer que entendia exatamente como ela se sentia. Os medos, a tristeza, a expectativa frustrada, a morte dos sonhos, o cansaço físico e mental. Eu queria dizer que tudo bem ela chorar, ela querer se reconectar com ela mesma e encontrar o próprio caminho. Queria dizer que apoiava ela no divórcio e que no lugar dela faria o mesmo. Mas quando eu via a perspectiva de Gavin, eu percebia que nada é tão preto no branco, que as vezes a gente magoa o outro sem querer, que as vezes a gente dá ao outro o que acha que ele gostaria de receber, que se a outra pessoa nunca reclama de nada, então deve estar tudo bem. Thea nunca se abria de verdade e Gavin respeitava esses limites impostos pela esposa. Ele achava que estava dando o que ela queria, ela achava que ele não se importava o bastante. Meu veredicto final: O diálogo é o verdadeiro protagonista dessa história. A princípio ele está amedrontado e tímido, não quer dar as caras. Mas no decorrer das páginas ele vai ganhando confiança, vai ganhando força até finalmente brilhar no palco chamado vida conjugal. Não existe relacionamento de sucesso sem diálogo e essa é a grande lição de O Clube do Livro dos Homens.
Gavin achou que iria replicar algumas técnicas singelas de conquista e voialá, seu casamento de volta aos eixos. Achei ele ingênuo e até um pouco desrespeitoso com a esposa. Um dos meus apontamentos é justamente esse. Não a escrita, ou o enredo, ou a qualidade da obra, que são impecáveis, mas o caráter do personagem em si. Ele não é um homem ruim, como aqueles bad boys que povoam os romances do tipo dark, mas é impossível não pontuar sua imaturidade quando o assunto é a relação rasa que desenvolve com a mulher que diz amar. Quão vazia precisaria ser a esposa por pedir divórcio por causa de um buquê não recebido em uma data especial. É claro que é possível perder alguém justamente pela falta nos detalhes, mas apesar de a gente amar atos românticos, o verdadeiro romance acontece quando a outra pessoa se importa o bastante. Enquanto Gavin lê o romance de época e foca nos atos grandiosos de conquista, perde oportunidades únicas de escutar a esposa com o coração, de olhar pra ela e tentar entendê-la para só então chegar no cerne do problema e resolvê-lo.
Gavin estava certo. O passado era tudo. Os orgasmos fingidos. A falta de vontade de dizer que o amava. A reação aos livros, ao acreditar no pior sobre ele. Tudo fazia parte do mesmo nó de questões com as quais nunca lidara. Os pais a tornaram incapaz de confiar. E isso acabou tirando dela o homem que amava.
O Clube do Livro dos Homens é tão instrutivo quanto uma terapia de casal, tão educativo quanto a leitura de um bom artigo e certamente fez mais pelo feminismo em 320 páginas do que muita rede social por aí. Fiquei ENCANTADA com o tom leve utilizado pela autora para abordar temas tão sensíveis como o machismo e a masculinidade tóxica. Os estereótipos estão por todo lado e Lyssa fez questão de pontuar cada um deles. Pode parecer que romance e feminismo não combinam, e é exatamente por isso que essa obra é tão preciosa apesar do texto simples e despretensioso. Não são as mulheres que dão aula, são os membros do clube do livro que questionam e dialogam temas de extrema importância. Eles conversam entre si e reconhecem no amor verdadeiro o altruísmo necessário para olhar para as mulheres que estão a seu lado e reconhecer nelas seu valor próprio, seus desejos, seus sonhos e vontades. Preciso confessar que pela milésima vez eu me apaixonei por um personagem literário, ou nesse caso, por um clube inteiro.
Se as mulheres gostam de alguma coisa, a sociedade debocha delas automaticamente. O mesmo acontece com os romances. Se as mulheres gostam, é porque devem ser ridículos, né?
Não se preocupe pois não houve nenhum exagero. Não há uma militância desconfortável, mas ainda é possível perceber o que a autora quis fazer nessa obra. O feminismo é importante de muitas formas e se torna uma ferramenta para que tanto homens quanto mulheres possam viver plenamente suas vidas. Quando todos se sentem felizes e realizados, a vida é mais plena, mais alegre, mais cheia de bons momentos. É possível ser extremamente livre e ainda assim, extremamente leal. É possível lutar pelos seus próprios direitos e ser mãe, esposa e dona de casa. É sobre poder escolher seu próprio caminho, seja ele qual for. É sobre ter essa liberdade de escolha. Além de Gavin e Thea, outros personagens compõem a trama e fazem toda a diferença. O tom mais agridoce fica por conta da cunhada desbocada de Gavin. A jovem defende a irmã com unhas e dentes e quando a gente ama demais, tende a cometer alguns excessos. As crianças trouxeram leveza e fofura e deixaram a história com gostinho de lar. Mas assim como na vida real, sempre tem um infeliz para estragar o dia e é inevitável não suspirar de frustração em alguns momentos. Enfim, uma obra completa. Valeu a pena cada página lida.
- The Bromance Book Club
- Autor: Lyssa Kay Adams
- Tradução: Regiane Winarski
- Ano: 2021
- Editora: Arqueiro
- Páginas: 320
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