Quando me propus a tarefa de escrever sobre It: A Coisa, livro de terror publicado por Stephen King em 1986, acredito que fui tão ambiciosa quanto fui no momento em que tomei a resolução de ler esse livro. Explico: ao pensar na hipótese de ler o calhamaço de 1104 páginas, que vendeu milhões de cópias ao redor do mundo inteiro, e que marcou o imaginário de diversas gerações desde seu lançamento, senti como um desafio que era quase grande demais para mim. No final, o que acabou vencendo minha resistência – e o meu receio – foi uma curiosidade imensa de conhecer em detalhes essa história tão presente na cultura pop, tanto em suas adaptações cinematográficas, quanto nas inúmeras referências feitas a ela em séries, filmes, livros, dentre outros.
Confira a crítica do filme
Me propus a ler de maneira bastante calma, no meu próprio ritmo e sem grandes pressões. Funcionou perfeitamente, e logo estava envolvida em uma história que me traria muitas emoções e reflexões. Assim, já que a proposta de ler esta obra deu tão certo, porque não me arriscar a escrever uma resenha sobre ela?
It: A Coisa traz a história de um grupo de sete amigos que vão ser convocados a voltar para sua cidade natal, Derry, para lutar contra um mal sem rosto que assola a cidade. Não apenas lutar, mas repetir o feito de quando eram apenas crianças de onze anos… Feito acerca do qual eles não se lembram de nada a respeito. A narrativa é então construída em torno de capítulos que alternam o passado e o presente, de modo a mostrar as memórias dos personagens que aos poucos vão sendo recuperadas, alternando-as com seu contexto atual. Passamos a conhecer não apenas detalhes da “Coisa” que assola Derry, mas principalmente ficamos sabendo sobre a vida desses amigos.
Algo que escutava com frequência quando recebia indicações de leitura de It: A Coisa era que este era um livro que tratava muito mais do que de uma “Coisa” assassina que costumava aparecer na forma de um palhaço. Estas pessoas apontavam que este era um livro que tratava muito mais de amizade. Concordo plenamente com esse comentário. Essa é uma obra que foca, ao longo de toda sua extensão, na construção de personagens de uma maneira tão dedicada, profunda e, arriscaria eu a dizer, perfeita, que passamos a conhecer cada um em seu íntimo, tal como se fossem pessoas reais.
Isto tornou o processo de acompanhar a construção da amizade entre os protagonistas desta história algo muito bonito e tocante. Foi possível inclusive observar as sutilezas da construção dessa amizade, as experiências e sentimentos compartilhados que aos poucos foram formando uma afeição profunda entre os protagonistas. Este foi sem dúvidas o detalhe do livro que mais me encantou, e que fez com que a despedida desta história fosse difícil. Foi a mesma sensação de terminar uma série preferida, acompanhada por muitos anos, nas quais vamos nos encantando pelos personagens e nos acostumando ao longo das temporadas a pensar neles como pessoas tão conhecidas como nossos amigos de uma vida inteira.
É claro, no entanto, que apesar deste elemento bonito da história, não podemos esquecer do aspecto sobrenatural que a permeia. It: A Coisa é também uma obra cheia de violências e de terror, com inúmeros gatilhos tais como: homofobia, bullying, assassinato, violência doméstica (contra crianças), suicídio, violência contra animais. É uma obra com aspectos extremamente pesados, no entanto, todos eles tem uma razão de existir no contexto da história, fazendo sentido dentro da obra. Um dos aspectos que mais gosto é o de como a violência constantemente é contrastada com o amor e com o afeto, e como isso cria toda uma discussão de fundo dentro da história.
Focando agora no antagonista, toda a construção acerca da relação da Coisa com Derry, personificada em sua maioria como Pennywise, as descobertas de como ela se manifesta, e todas as reflexões acerca do que ela significa, foram elaboradas de maneira muito interessante, que instigou minha curiosidade, algumas reflexões e – porque não admitir? – meu medo também, em alguns momentos. Sinto em dizer, no entanto, que outros elementos diminuíram um pouco meu envolvimento com todo o mistério existente ao redor da Coisa, elementos esses relacionados a uma certa explicação do universo no qual a história se passa, e que começam a ser apresentados em momentos finais da história. Isto, no entanto, passou longe de ser motivo de desagrado meu com esta leitura.
Se fosse para enunciar motivos de desagrado, apontaria apenas dois. O primeiro foi a maneira como o autor se referiu a pessoas gordas ao longo da história, em especial as mulheres relacionadas ao personagem Eddie Kaspbrak: sua mãe e sua esposa. O outro incômodo encontra-se em um dos capítulos finais, que me pareceu, se não problemático, pelo menos questionável, e completamente desnecessário para o desenvolvimento da história.
Cabe destacar que apesar das críticas acima mencionadas recomendo muito a leitura de It: A Coisa. Foi uma história que cresceu em mim conforme a lia, e sei que pensarei nela muitos anos após a leitura, e que, apesar de suas muitas páginas, vou querer relê-la em algum momento, apenas para estar junto a esses personagens novamente. Aconselho todos os interessados e curiosos a darem uma chance para essa história: leiam, no seu ritmo e tempo próprios. Tenho um palpite forte de que não irão se arrepender!
- It
- Autor: Stephen King
- Tradução: Regiane Winarski
- Ano: 1986
- Editora: Suma
- Páginas: 1104
- Amazon