Nós Somos a Cidade é o primeiro volume da trilogia Grandes Cidades da autora N. K. Jemisin, única autora de todos os tempos a ganhar o prêmio Hugo por três anos seguidos.
Aqui conheceremos uma Nova York que está despertando. Na realidade criada por N. K. Jemisin toda cidade tem alma e assim Nova York desperta representada na figura de um menino franzino de rua e negro. Porém, assim como toda cidade tem alma, toda cidade também tem um lado obscuro. Assim que desperta, esse jovem é forçado a entrar numa espécie de coma mágico, e isso foi causado por um mal que ameaça ruas e pessoas, um invasor monstruoso que está a caça de cidades.
Neste cenário que seremos apresentados a outros cinco avatares de Nova York. Em Manhattan conheceremos um jovem universitário. No Bronx, a diretora de uma galeria de arte que possui uma conexão com grafites. No Brooklyn, uma MC aposentada que agora está na carreira política. No Queens, temos uma imigrante indiana e por fim, temos Staten Island, na pele da filha oprimida de um policial violento. Juntos eles sentem a cidade os chamando.
Será que os distritos de Nova York poderão ajudá-lo a tempo?
Nós Somos a Cidade foi meu primeiro contato com a autora e eu não poderia ter um início tão agradável. Eu não tinha ideia para onde a autora me levaria a cada página e assim fiquei fisgada desde o início. Acho que o principal fator sobre isso foi o fato de nunca ter lido nada parecido com o enredo apresentado neste livro. Talvez, o que mais se aproxime desta ideia e mesmo assim de um modo completamente diferente seja a obra Deuses Americanos de Neil Gailman. E aqui menciono também toda a atmosfera lovecraftiana de Changeling de Victor LaValle, que se assemelha bastante com a encontrada a aqui.
De resto fui completamente surpreendida. Em meio a sua fantasia, N. K. Jemisin vai tecendo críticas a nossa sociedade que, desculpa a palavra, é podre. Portanto, problemas que muitas minorias sofrem ainda nos dias de hoje serão abordados aqui, de uma forma tão crua e real, que por vezes até esquecemos que estamos lendo um livro de ficção. Porém não vou dizer que a leitura foi completamente fluida pra mim, apesar de ter amado o livro como um todo, tive partes em que precisei lidar com as questões abstratas que a autora traz para o livro, portanto, há trechos que você precisa abrir sua mente para o que está sendo proposto, que por vezes é mais metafórico.
Mas falando um pouco mais sobre os personagens, todos ganham muito espaço aqui, mas alguns merecem destaque, como por exemplo São Paulo. Foi muito legal ter um personagem brasileiro e com relevância na leitura. Além dele eu curti bastante a vilã do livro, que é bem fora do comum. Mas são os avatares dos distritos de Nova York que ganham sua simpatia e é ao longo da leitura que entenderemos porque eles são os escolhidos para representarem uma cidade e de que forma estão conectados a ela. Aliás, a maioria desses personagens são não brancos, reforçando a inclusão contida na obra.
Bronca merece também um parágrafo só para ela. Sendo ela a personagem mais experiente aqui, é ela que representa o distrito mais “vivido” digamos assim, o que faz dela uma força da natureza na história. Bronca tem cerca de 60 anos, é lésbica e indígena. Ela é simplesmente muito badass, sendo, literalmente a personificação do Bronxs! São esses detalhezinhos que enriquecem essa obra, o que cada elemento desse livro pode significar nas entrelinhas.
No final fiquei com a impressão de que essa é uma grande homenagem da autora para Nova York, uma cidade tão plural e que abraça tantas culturas, mas que mesmo assim não deixa de sofrer pelos impactos da intolerância. Li esse livro e fiquei completamente abismada e apaixonada com a criatividade de N. K. Jemisin e olha que mesmo ao final dessa resenha, provavelmente, ficarei com a impressão que esqueci de falar sobre diversas outras coisas que autora aborda neste primeiro livro.
Nós Somos a Cidade foi um ótimo começo para essa nova trilogia da autora, traz muitas reflexões e um novo olhar para a fantasia urbana. Recomendo.
- The City We Became (Great Cities #1)
- Autor: N. K. Jemisin
- Tradução: Helen Pandolfi
- Ano: 2021
- Editora: Suma
- Páginas: 410
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