Diferentemente do que se possa imaginar, a rua não distingue pessoas, credos ou medos. Ela é capaz de receber a todos de forma igualitária, sem preconceitos ou estereótipos, mas o preço dessa morada é um dos mais aprisionadores possíveis, pois a fuga dessa miséria cíclica torna-se cada dia menos provável. Ainda que se trate de um ambiente aberto, sua acolhida é desoladora e carrega uma carga emocional que pode ser comparada ao castigo de Atlas, cujo mito se relaciona com o peso das dificuldades cotidianas que suportamos sobre nossos ombros.
A sarjeta, ele sabia, recebe a todos como uma mãe generosa.
Todos os dias se tornam uma luta pela sobrevivência e as chances de sucumbir à violência em suas diversas formas são inúmeras, seja diante da necessidade ou do puro desespero. Embora seja complicado se colocar no lugar dessas pessoas em estado de necessidade constante, fato é que é muito mais fácil julgar aqueles que se encontram nessa situação quando se tem dinheiro no bolso e uma cama quentinha no fim da noite. Falar de fome é simples quando a sua barriga não dói ou quando seu filho é bem alimentado. Portanto, não cabe a nós julgar aquilo de que não temos conhecimento, ainda que possamos ficar horrorizados com algumas escolhas.
A rua dói.
O novo romance de Patrícia Melo mostra de maneira nua e crua a realidade de diversos brasileiros que estão nas ruas, seja por qual motivo eles tenham chegado até lá, e que, infelizmente, são ainda mais marginalizados pela sociedade. De figurões do alto escalão, que descem de seus edifícios espelhados, a pessoas esquecidas e renegadas pelas suas famílias, todos compartilham o mesmo ambiente inóspito em busca de algum interesse, que algumas vezes se torna comum.
Menos Que Um é uma narrativa pesada e brutal sobre a crueldade e a veracidade do que acontece com essas pessoas, esquecidas pelos governos e desprezadas pelos seus semelhantes, como se estar nessa situação fosse uma escolha e não uma necessidade. Foi uma leitura difícil, que me fez chorar em vários momentos e me marcou pela sinceridade.
Contada em forma de romance, a trama aborda diversos personagens, cujas vidas se conectam de alguma maneira ao longo do enredo. Todos acabam enfrentando o mesmo destino, porém por motivos diferentes, e acabam protagonizando momentos terríveis, sem que o leitor seja poupado. É, ao mesmo tempo, uma narrativa linda e triste, que inevitavelmente mexe com nosso emocional.
Quem dorme na rua conhece os sons da tragédia.
O interessante mesmo é perceber como, diante da miséria, a rua tira a liberdade de escolha desses indivíduos, que se tornaram muitos depois da crise pandêmica que temos vivido. É uma leitura que deveria ser obrigatória, um verdadeiro choque de realidade para todos nós. Com certeza se tornou um favorito do ano e eu quero conhecer mais obras da Patrícia depois da grande experiência que vivi lendo essa história.
- Menos Que Um
- Autor: Patrícia Melo
- Tradução: -
- Ano: 2022
- Editora: LeYa
- Páginas: 368
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