Se a Casa 8 Falasse | Vitor Martins

17 set, 2022 Por Clara Vieira

Se a Casa 8 Falasse é o terceiro livro do escritor brasileiro Vitor Martins publicado pela Editora Alt. Seu formato narrativo é diverso dos livros anteriores do autor: com três linhas cronológicas, ele narra a história dos moradores da casa número 8 da Rua Girassol, na fictícia cidade de Lagoa Pequena, que seria situada no interior do estado de São Paulo. O início dos anos 2000 marca a primeira linha cronológica.

Nela acompanhamos Ana, uma adolescente que terá que lidar com inúmeros dilemas após descobrir que terá que sair da casa 8 em breve, já que irá mudar de cidade. A segunda linha do tempo se passa dez anos depois e conta a história de Greg, um adolescente que irá se hospedar na Casa 8, agora habitada por sua tia. Veremos então o envolvimento de Greg com Lagoa Pequena durante sua estada. Por fim, em 2020 acompanharemos Beto tendo que lidar com a frustração de seus projetos de vida devido ao início da pandemia viral que passou a assolar o mundo nesse ano. 

Quando iniciei a leitura deste livro já sabia que a casa seria o ponto comum entre as linhas temporais; ainda assim, surpreendi-me ao saber que a casa não é apenas o ponto de união das narrativas, ela é também a narradora. Esse mecanismo provê um narrador onisciente para esta história, já que a casa afirma conseguir perceber os pensamentos mais intensos daqueles que a ocupam. Apesar de reconhecer que esse recurso foi útil e criativo, senti dificuldade em diversos momentos em me conectar com essa forma de narrativa.

A meu ver, faltou constância: o narrador por vezes se afastava demais dos ocorridos de tal forma que eu até mesmo esquecia de sua existência; já em outras ocasiões o narrador inseria-se na história de forma direta, muitas vezes através de “piadas de casa” que não funcionaram comigo. É importante aqui fazer a ressalva de que isso não significa que o humor da história não tenha funcionado para mim em um geral. Ri bastante em algumas passagens, o que tornou a experiência de leitura leve e cativante.

Seria incorreto de minha parte analisar o humor contido neste livro sem destacá-lo como característica essencial dos livros do Vitor Martins publicados até então. Tive o prazer de poder ler todos seus romances publicados até o momento, o que me fez perceber o quanto Vitor tenta expandir suas histórias, contá-las de formas diferentes, ao mesmo tempo em que mantém um traço de escrita essencialmente seu, com características marcantes que o definem, tal como o bom humor, referências a cultura pop, representatividade LGBTQIA+, discussões sobre saúde psíquica, dentre outras.

Em minha percepção, este foi o livro no qual Vitor mais inovou em termos narrativos. Em suas duas obras anteriores, a linha cronológica era única e centrada no desenvolvimento de um relacionamento amoroso entre o protagonista e seu interesse romântico. Seu segundo livro publicado, Um Milhão de Finais Felizes, já trouxe inovações ao discutir de forma séria e sensível a intolerância e o preconceito que por vezes abala relações familiares. Já neste livro, o estilo narrativo muda completamente, não apenas pela existência de linhas cronológicas diversas e por ter múltiplos protagonistas, mas também pelo foco sair do relacionamento amoroso dos protagonistas e se direcionar a outras discussões. Valorizo muito o escritor ter saído de sua zona de conforto e explorado uma forma narrativa nova, mas senti que este formato talvez ainda precisasse ser um pouco lapidado, já que o desenvolvimento dos personagens parece ser apressado em alguns pontos, e certas temáticas importantes que a história traz poderiam ser trabalhadas com mais calma. 

Questiono-me também se os personagens principais não tinham características muito parecidas com todos os protagonistas que Vitor cria. Eles tendem a ser adolescentes inseguros, com medo do futuro, indecisos em relação a qual rumo seguir. Eles se comparam com os outros ao seu redor, e sempre acabam chegando à conclusão de que são inferiores em relação a todos os outros, incluindo seus interesses românticos. Apesar de serem todas características muito frequentes de surgirem na nossa sociedade atual, especialmente no período de descobertas que é a adolescência, acaba se tornando cansativo ler personagens psicologicamente muito parecidos. 

Considerando todas essas ressalvas, Se a Casa 8 Falasse é um livro leve e divertido que traz reflexões interessantes sobre o que torna algo um lar. É uma história valiosa, principalmente por sua representatividade e pelas reflexões que traz sobre ser LGBTQIA+ em nossa sociedade atual, mas não somente. Traz também reflexões relacionadas a amadurecer e tornar-se adulto em contextos diversos, como o da pandemia e consequente isolamento social.

  • Se a casa 8 falasse
  • Autor: Vitor Martins
  • Tradução: -
  • Ano: 2021
  • Editora: Globo Alt
  • Páginas: 336
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