Eles Estão por Aí | Bianca Pinheiro e Greg Stella

Neste vasto e curioso universo da construção de narrativas, da criação de histórias – em quadrinhos, prosa ou poesia – o assombro se infiltra por entre os mais diversificados elementos, peculiares características e inusitados estilos. Da apresentação de monstruosidades fantásticas, maravilhosamente impossíveis de existência nos limites da realidade em que se localiza o leitor à encantadora crueldade da verossimilhança com que se delineiam enredos misteriosos e carregados de rastros de sangue, nos assombramos com possibilidades e cenários que nossos olhos nunca visualizarão ou com a certeza de que neste momento a ficção se faz presente na realidade. Por entre as infinitas estratégias, abordagens e nuances da criação de narrativas, da construção de histórias de ficção, existe, ainda, uma espécie de assombro delineado pelo equilíbrio perfeito entre elementos reconhecidamente bizarros, a interpretação ou reflexão do leitor e o estabelecimento de correlações entre contextos reais e impossibilidade de eventos ficcionais.

É nesta terceira categoria de assombro, bizarrice confusa, encantador espanto e peculiares conjecturas que encontramos Eles Estão por Aí, história em quadrinhos nacional criada por Bianca Pinheiro e Greg Stella.

Ao longo de cenários desolados, propositalmente livres de detalhamento ou aprofundamento – aqui me refiro apenas aos aspectos visuais que circundam personagens e ilustram cada quadro -, acompanhamos criaturas estranhas em jornada presumivelmente definida para localidade incerta. Na medida em que avançam, concretizando ações condenáveis e efetivando escolhas questionáveis, tais criaturas encontram seres tão ou mais curiosos, tão ou mais estranhos tão ou mais bizarros, tão ou mais interligados à possibilidade de materialização em personalidades reais.

Deste modo, com traços que remetem ao mais adorável estilo cartum, diálogos que seguem do aleatoriamente espontâneo ao cruelmente verídico, uma confusão mental acerca dos objetivos ou direcionamentos da história e, nas palavras da editora Todavia, “jogando para o ar as convenções do gênero, os autores construíram uma comédia que é dramática, um mistério que não pede resposta, um cenário que não tem lugar”.

Eles Estão por Aí é um convite para a sensação, observação, interpretação e reflexão. Trata-se de uma história em quadrinhos peculiarmente desafiante quando da tentativa de apresentação, afinal, como demonstrar elementos de uma obra que exige a leitura, algum tipo de contato prévio para estabelecimento de diálogo? Como expressar nuances de uma narrativa intrincada e entrecruzada por diversos e diversificados pequenos enredos que remetem a acontecimentos cotidianos? Como redigir opiniões ou posicionamentos perante histórias que podem significar tanto para quantos tipos e estilos de leitores existirem no mundo?

Da aleatoriedade espontânea com que se dão as conversas do dia a dia, envolvendo assuntos inusitados, recheados de contextos pessoais, individuais e, na mesma medida, tão universais em suas características únicas. Das trajetórias confusas da vida, em que nos dividimos entre a certeza de compreendermos quem somos até atingirmos novamente as dúvidas acerca de nossa essência e posição nesta intricada trama do universo. Da observação de atitudes, escolhas e consequências repletas de uma crueldade, gratuidade e violência verídica, verossímil, que chocam, produzindo desconforto e incomodo por efetivamente existirem na realidade … até os detalhes mais sutis, os aspectos mais peculiares, os elementos mais inusitados que permitem o questionamento acerca dos limites existentes entre ficção e realidade. Todo e cada um destes pontos permeiam a leitura, a experiência que é virar as páginas de Eles Estão por Aí.

Recorrendo uma vez mais as palavras da editora Todavia, Eles Estão por Aí é “uma viagem insólita, sem rumo definido e nem regras claras”. Trata-se de uma obra que assombrará a mente dos leitores, evocando sentimentos de angústia, desesperança, revolta, desconforto e choque. Trata-se de uma história em quadrinhos que existe e existirá enquanto existirem trocas entre leitor e narrativa, possibilitando e, consequentemente, culminando na interpretação, questionamento e infinitas correlações entre a realidade em que vivemos e a ficção que acompanhamos.

Trata-se de uma obra que produzirá conflitos no leitor, tornando o processo de definição do “gostar” ou “desgostar” de tudo aquilo que viu, sentiu e leu um verdadeiro desafio. E como é maravilhosa a maneira com que a HQ não exige amor ou ódio, aceitação ou recusa, demonstrando somente que, na medida em que existirem leitores existirão interpretações de suas páginas, enquanto existirem sujeitos no mundo existirão interligações entre seus textos e ilustrações e o universo que construímos na realidade.

Por todos e cada um destes aspectos, todas e cada uma destas considerações, Eles Estão por Aí se apresenta como uma recomendação especial, uma indicação de leitura peculiarmente encantadora para este restinho de Mês de Terror. Com suas bizarrices cruelmente impactantes, suas ilustrações peculiares e textos curiosos, sua exigência constante de troca, de tocar o leitor, esta é uma obra para aqueles que sentem apreço pela interpretação e reflexão, para aqueles que ainda não se encontraram no vasto universo do terror e suspense, para aqueles que se disponibilizam a receber o assombro em suas vidas … construído e arrematado por entre os limites dos mais diversificados moldes!