No Coração da Selva | Ayana Gray

24 nov, 2022 Por Clara Vieira

Koffi é uma guardiã de feras no Zoológico Noturno de Lkossa, não por escolha. Ela e sua mãe estão há anos pagando com seu trabalho uma dívida contraída pelo pai de Koffi com o dono do zoológico. Ekon está terminando um treinamento para se juntar aos Filhos dos Seis, uma ordem religiosa que tem por função proteger a cidade de Lkossa, onde eles moram. Tudo o que Ekon deseja é concluir seu treinamento e desta forma honrar sua família e a memória de seu falecido pai.

Quando uma série de eventos desencadeados por um ato de poder inimaginável de Koffi se desenrolam, esses jovens terão seus destinos cruzados, rumando à Selva Maior e à criatura que lá espreita. Esta é a premissa de No Coração da Selva, livro jovem adulto de fantasia escrito por Ayana Gray e publicado pela Galera Record.

Desde o princípio desta história encantei-me com o universo construído pela autora, que descreve estruturas políticas, crenças religiosas e cria todo um conjunto de criaturas míticas para povoar sua história, tudo de forma muito inteligente e interessante. Ao final do livro, em uma nota da autora, é informado aos leitores que o continente criado por ela para sua história tem inspiração direta no continente africano como um todo.

A grande maioria das criaturas fantásticas que habitam as páginas deste livro, por exemplo, é baseada em histórias pertencentes à cultura de diversos povos de países desse continente, e nesta nota em questão podemos conhecer um pouco melhor sobre essas histórias e seus países e povos de origem. Gray explica que decidiu não se concentrar em uma região específica do continente africano. A autora negra estadunidense baseou sua decisão no fato de ter sido apartada historicamente de suas origens, assim como a maioria das pessoas negras descendentes de pessoas que foram submetidas à escravidão. Assim, através desta escolha a escritora pode homenagear culturas de regiões diversas do continente africano. “No coração da selva” traz, através de uma mistura bem dosada de criação e realidade, um universo fantástico muito bem construído e cativante, baseado em culturas que tradicionalmente tem sido segregadas do universo da fantasia ocidental. 

Tendo em mente todos esses aspectos inovadores trazidos nesta obra, creio ser relevante apontar que de forma geral ela segue o que conhecemos como “jornada do herói”: a pessoa que protagoniza a história é a princípio comum até que descobre algo especial sobre si e embarca em uma jornada. Apesar desta jornada ter um objetivo específico, o/a protagonista também crescerá psicologicamente nela, desenvolvendo aspectos de si mal trabalhados ou que nunca pensou que existissem. Esse(a) protagonista também costuma ser jovem, e em algum momento da narrativa encontra com uma pessoa mais velha e sábia, que o/a guiará.

Todas essas características são clássicas e presentes em diversas das histórias fantásticas mais amadas e conhecidas. Assim, ter um roteiro baseado em uma jornada prevista não é um problema em si, mas pode deixar a história um tanto previsível, e foi o que ocorreu comigo. Já no primeiro capítulo da história previ um “plot twist” (uma reviravolta na narrativa) que de fato ocorreu próximo à metade do livro. Logo percebi também qual seria o clímax desta história. Isso fez com que o livro perdesse um pouco de seu brilho para mim, já que não contei com elementos surpresa ao longo da leitura, com exceção do final do livro, que tomou rumos que eu não esperava, criando expectativa para a continuação desta história em seu próximo volume.

De forma geral, posso dizer que gostei bastante desta história. Apesar de seguir caminhos esperados, o fato desta narrativa ter se passado em um universo único foi um sopro de ar fresco mais do que necessário, e que tornou este livro bastante interessante de acompanhar. Cabe dizer também que acredito que o fato deste livro ter sido um pouco previsível para mim deve-se ao fato de que não sou o público-alvo (jovem adulto).

Recomendo fortemente esta história para jovens adultos, assim como para leitores que estão adentrando o universo de livros de fantasia. Além disso, vale ressaltar que esta é uma leitura que valoriza a erudição, a literatura e a história negras, tal como a própria autora aponta em sua nota ao final do livro. Assim, apesar desta história ser importante para que mim, como uma pessoa branca, possa enxergar a história negra a partir de outros lugares, antirracistas e anticolonialistas, este livro guarda um lugar especial junto a um público-alvo que não sou eu. A importância de que jovens negros tenham contato com livros como este é inestimável. 

  • Beasts of prey
  • Autor: Ayana Gray
  • Tradução: Karine Ribeiro
  • Ano: 2022
  • Editora: Galera Record
  • Páginas: 448
  • Amazon

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