Nova Iorque, 1893, Estados Livres. O jovem herdeiro David Bingham tem seu destino selado ao ter como futuro noivo um homem mais velho chamado Charles Griffith, a quem seu coração infelizmente não pertence, — visto que o entregou a um professor de música com poucos recursos financeiros.
Aqui nos é apresentada a ironia da liberdade de escolher quem amar e com quem casar, claro, se sua família concordar. O livro que nos mostra o real sentido de liberdade e até onde ela pode ir sem bater de frente com desígnios de poder e dinheiro alheios. Uma busca ao paraíso, por mais impossível e inalcançável.
Manhattan, 1993. A aids toma conta levando a sociedade às margens do medo e discriminação. David Bingham, no entanto, vive com seu parceiro, Charles Griffith. Muitos anos mais velho e consideravelmente mais rico, de quem esconde seus amigos, e claro, seu passado. Em outro ponto vemos sua trajetória quando novo ao nos depararmos com a vida contada de seu pai, também David, residindo no Havaí. Um rei sem sua coroa, súditos… e sem seu príncipe.
Tanto Manhattan quanto Havaí são assoladas por perdas, dores e falsas imagens.
“Lá fora, o mundo explodia — os alemães se embrenhavam cada vez mais na África, os franceses continuavam devastando a Indochina, e, mais perto deles, havia os recentes horrores das Colônias: tiroteios, enforcamentos e espancamentos, imolações, acontecimentos terríveis sobre os quais era difícil sequer pensar, mas ao mesmo tempo, tão próximos —, porém eles não permitiam que nenhuma dessas coisas, sobretudo as que aconteciam ali perto, perfurasse a nuvem dos jantares do avô, ocasiões em que tudo era macio e o que era duro se tornava maleável à força.”
Zona Oito, 2093. Charlie vive num mundo distópico após tantas pandemias e doenças que resumiram a vida à viver em prol de achar a cura para a próxima nova grande doença da vez. Vemos também um romance epistolar de C. para P, ambas finalizadas com a assinatura seguida de “com amor”. Uma narrativa sobre como anda a vida, e como poderia ter sido.
Onde outrora em 1893 o casamento era livre entre pessoas do mesmo gênero, em 2093 é uma transgressão devido aos parcos recursos e a falta de crianças no novo mundo. Um mundo que precisa de salvação, acima de tudo, um mundo do qual Charlie precisa ser salva, onde seu casamento não passa de um acordo, onde seu trabalho não passa de um engodo. O que é realmente viver feliz onde a felicidade não passa de meia hora ao ar livre com trajes especiais ouvindo um contador de história mentir sobre comida e previsões?
“Eu me senti menos sozinha estando com aquelas pessoas, embora só estivéssemos todos juntos porque todos estávamos sozinhos.”
Com nomes iguais em cada um dos três livros, vemos um leve giro na roda da vida, uma troca de casais e a vida dos personagens em busca do paraíso inalcançável. Não é explicado em momento algum o salto de tempo, tampouco a ligação entre as histórias dando asas à imaginação do leitor, ponderando entre reencarnações até acertar o que fora errado e quebrado, ou uma sina das famílias envolvidas. Quase uma maldição sobre esses três nomes que se ligam e se afastam em cada história: David, Charles e Edward.
A correlação entre dinheiro e a pobreza, a busca do paraíso e o verdadeiro ato de encontrá-lo, talvez não em um lugar, mas em um tempo e nas pessoas que o cercam.
A autora aqui nos leva no fundo da psique humana ao tratar assuntos sérios que aconteceram, e que torcemos para nunca chegar ao ponto de acontecer. Uma vida em regresso, da liberdade parcial de 1893, da riqueza assolada pela aids em 1993 e por fim, a desolação que as doenças causaram no futuro distópico de 2093. De cem em cem anos, um trio que se entrelaça nos fios do destino, ou três peças que são deixadas para sofrer até enfim acertar.
Embora estruturado, o livro não é rápido de ler, mas te deixa com vontade de saber mais sobre o que de fato acontecia nos anos citados, e nos locais. Ponto positivo!
“Se sobrevivemos, é porque somos piores do que imaginávamos ser, não melhores.”
- To Paradise
- Autor: Hanya Yanagihara
- Tradução: Ana Guadalupe
- Ano: 2022
- Editora: Companhia das Letras
- Páginas: 720
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