Caros leitores, hoje estou me permitindo uma “licença poética” para conversar com vocês sobre o livro Palavras Interrompidas, do autor Marcos DeBrito, publicado pela Faro Editorial. Já aproveito para deixar o alerta de gatilhos, pois o livro trabalha muitos assuntos sensíveis, tais como, suicídio, violência sexual e depressão. Apesar de suas poucas páginas – 144, o que você precisa saber logo de cara, é que estamos diante de um enredo intenso e cru, que vai ser desconfortável e incomodo.
Uma jovem de cabelos negros é encontrada morta em uma praia, pálida e inerte. Carlos, é chamado até o IML (Instituto Médico Legal), já que sua amada filha está desaparecida, para fazer um possível reconhecimento. O desespero é nítido na forma como anda, em seus olhos perdidos e cansados, na forma como acena positivamente para que ergam o lençol que cobre o corpo da jovem, a negação sai fácil, era tudo que ele mais desejava, que fosse uma estranha, a mulher sobre a mesa é morena, com uma tatuagem no ombro, e sua filhinha além de ter medo de agulhas, tinha os cabelos loiros… o choro estrangulado escapa de sua garganta, por mais que negue, que olhe para a figura estranhamente familiar ali estendida, no fundo do seu coração, ele sabe que sim, é sua filha Fernanda.
Um afogamento é a causa mais provável, um suicídio, mas Carlos logo refuta essa ideia, sua filha jamais se mataria, os cortes em seus braços são provas o suficiente para ele de que ela sofreu agressões, de que alguém a matou. Ele não irá aceitar uma alternativa diferente, podem dizer o que quiserem, sua filha foi assassinada e ele irá atrás do culpado, custe o que custar. Só que… e se algumas verdades forem melhores quando ocultas?
“(…) A música que eu toco nessa pista silencia as vozes internas que as machucam, e a minha escuridão oculta o reflexo da autocrítica. Elas não pensam em nada que possa distanciá-las da plena satisfação de dançarem como se não houvesse amanhã.”
Palavras Interrompidas, é o tipo de livro que você pega para ler e só para quando tem todas as respostas. Ele te suga para dentro da trama de uma tal maneira que se torna impossível se desligar dele, mesmo após o fim. Como fica claro desde o início da história e isso não é spoiler, pois consta até mesmo na sinopse, Fernanda é encontrada morta e seu pai vai até o IML para fazer o reconhecimento, mesmo relutante e entrando em negação, não demora para que ele perceba que se trata sim, de sua filha, que ele mal reconhece, já que antes de ser encontrada, a jovem era uma mulher radiante, loira, leve, uma bailarina doce e angelical.
O que até então não sabemos, é que Carlos está vivendo um outro luto, o da morta de sua esposa, mãe de Fernanda. E que agora irá precisar lidar com um segundo, da maneira mais trágica. Inconformado pela perda de sua única filha, ele está determinado a provar que ela foi assassinada, e irá embarcar em uma busca por respostas e vingança, e nessa jornada, irá precisar encarar figuras misteriosas e quase místicas, demônios, memórias e um desfecho capaz de roubar o resto que resta a Carlos de sanidade.
Como mencionei no início desta resenha, o livro é muito curtinho, por isso não posso me aprofundar demais na narrativa. Eu amei essa leitura, por inúmeros motivos, mas principalmente pelas críticas que o autor levanta ao longo da narrativa. Temos aqui uma leitura para se sentir, porque é impossível não se abalar por alguma das coisas aqui descritas. A obra flerta com o realismo fantástico, e existe uma linha muito tênue que separa as duas coisas, o bem contra o mal, o certo, contra o errado, a sede por vingança quando você é o sujeito com o julgamento nublado, cego por um caminho que você tem absoluta certeza de ser o certo. E a abordagem do autor é uma jogada de mestre, nada é irrelevante, tudo é meticulosamente pensado, detalhes como nome de lugares, o cenário inicial, a descrição dos cenários frios, escuros, o simbolismo, tudo é perfeitamente trabalhado para que sua experiência de leitura seja completa e muito angustiante.
“— Fazer nada muitas vezes é tudo que precisa ser feito para destinar a alma de alguém ao inferno. Principalmente no luto. Sentir-se invisível é o pior dos desgostos pra quem clama por atenção.”
Respira bem fundo, eu senti essa necessidade tantas vezes ao longo da história, de apenas parar e respirar bem fundo. O enredo é carregado de emoções, e às vezes de emoções dúbias, estamos acompanhando este pai em sua busca, presos em sua agonia… tudo é intenso, o luto, a dor, o medo, a saudade, a solidão, e como a solidão pode ser perigosa, os gritos mudos que reverberam, que ecoam, que imploram, os sinais que não enxergamos, ou que inconscientemente escolhermos não ver.
Quando as fraquezas estão ali expostas, e com isso nossas vulnerabilidades estão acessíveis, e nos deparamos com alguém disposto a “ajudar”, mas a que preço? Responsabilidades, pesos, faltas, a armadilha por trás do desejo, do anseio. Talvez neste momento eu não esteja fazendo muito sentido, mas quem ler irá saber exatamente do que eu estou falando. Palavras Interrompidas é palpável, é real. Deixo aqui essa dica de leitura, para quem está em busca de um suspense intenso e cheio de reviravoltas.
Uma curiosidade para quem chegou até aqui, o livro Palavras Interrompidas, é originalmente um roteiro, o autor, diretor, cineasta e talentosíssimo Marcos DeBrito, adaptou seu próprio roteiro para um livro. E o resultado é sensacional. Para quem ficou curioso o filme já está disponível com o nome As Almas Que Dançam no Escuro.
Antes de me despedir, preciso ainda fazer uma menção a edição impecável da Faro Editorial, o livro está incrível, cheio de imagens, e detalhes que acompanham a narrativa.
- -
- Autor: Marcos DeBrito
- Tradução: -
- Ano: 2021
- Editora: Faro Editorial
- Páginas: 144
- Amazon