A Polícia Secreta Para Crimes Mágicos – Emanoel Ferreira

O que você acharia de um livro de fantasia se passando no Brasil? Estamos muito mais acostumados com obras estilo Harry Potter com cenários europeus ou até mesmo em lugares fictícios, é muito raro vermos algo do gênero se passando por aqui, em cidades que já visitamos ou que até mesmo próximas de onde moramos.

Mas isto está mudando, acaba de ser lançado pela editora Pipoca e Nanquim, um livro completamente ambientado em terras brasileiras.

Agnes é uma garota normal, moradora da capital mineira, que precisa lidar com os dilemas de quem acaba de ingressar a adolescência, suas preocupações com o colégio e em como lidar com a nova fase da sua vida dominam constantemente seus pensamentos. Para ajudá-la, conta com a companhia de um fiel escudeiro, morador da sua mente, Guaraci é um indígena, seu melhor amigo, ainda que apenas imaginário, é com ele que ela divide seus pensamentos, o problema é que de alguma maneira ele deixou de ser imaginário e agora parece bastante real para a garota que pensava ser completamente normal. Agnes vê tudo virar de cabeça para baixo, principalmente quando descobre que as práticas judaicas da sua família, talvez envolvam magia e outras coisas que ela nem sonhava que existiam.

Como se toda essa mudança não bastasse, Agnes ainda vai precisar conviver com o medo constante, não daquilo que ela desconhece em relação à sua família, nem em relação aos seus pensamentos cada vez mais conturbados, o medo estará relacionado a algo bem real e que existe muito neste mundo: a falta de segurança.

Adolescentes começam a ser assassinados pelas ruas de Belo Horizonte, fazendo a população ficar completamente enlouquecida com a falta de segurança na cidade, e, ao que tudo indica, talvez Guaraci, a família de Agnes e os assassinatos estejam bem interligado, de um jeito que a deixará sem escolha, fazendo com que ela entre de cabeça na Policia Secreta Para Crimes Mágicos.

A obra é extremamente original, isso é inegável, e os assuntos que aborda são muito interessantes, colocando temas que nunca foram abordados juntos, lado a lado, interligando as histórias e criando uma personagem principal fabulosa.

Aliás, que personagem é Agnes, como é bem descrita, com uma personalidade coerente com sua idade, com atitudes bem realistas e uma força quase sobrenatural, ela é a melhor coisa da leitura sem nenhuma dúvida, fazendo parte da originalidade proposta para a obra, além disso inclui também outras mulheres especiais, no centro da sua trama, coisas que pouquíssimas vezes vemos.

Ela me lembrou muito Zélie, de Filhos de Sangue e Ossos, com uma força parecida, mas em universos completamente diferentes, as duas carregam suas tramas de maneira brilhante. Mas… sempre tem um mas. Mesmo com todos estes detalhes de sua originalidade, com o pioneirismo de fazer a trama ter cenas em locais muito conhecidos, como a Lagoa da Pampulha por exemplo, como um todo não gostei muito da leitura.

E aqui cabe um disclaimer. Sou um adulto, com 34 anos recém completos, lendo um livro claramente infanto-juvenil, estilo que muito me agrada e que leio constantemente. Coloco este aviso por que possivelmente crianças não teriam o mesmo olhar crítico que eu tive, contudo acredito que o publico juvenil teria a mesma impressão que eu.

A primeira questão é ligada, querendo ou não, diretamente à sua originalidade, é tudo tão original, tão poucas vezes visto na literatura, que precisamos de mais informações sobre os assuntos, fiquei com o sentimento de curiosidade, desejando saber mais sobre a cabala, sobre o Judaísmo. O livro explica bem os detalhes mágicos aos quais Guaraci está ligado e porque Agnes foi “a escolhida”, revela outras entidades e se aprofunda de uma maneira bem boa na questão indígena, mas ele envolve muito mais que isto.

Achei que a obra podia oferecer menos informações, colocar menos “janelas” em seu enredo, A parte da família de Agnes por exemplo, é quase irrelevante para a história. Sabe aquele bordão que diz que “menos é mais”? Então, se aplica muito bem neste caso, principalmente porque o livro tem 280 páginas e para satisfazer o leitor sobre todos assuntos que ele cita deveria ter no mínimo 600, e seria um livro genial.

O livro foi originalmente lançado em 2020, chegou agora, em 2022, repaginado, com uma editora de ponta e uma capa lindíssima. Ele já foi premiado, vencedor do Primeiro Prêmio de Literatura Geek e apesar das minhas impressões, acredito que seja uma leitura que vale muito a pena. É perfeito ver uma obra fantástica se passando do lado da nossa casa, daquelas coisas que não encontramos facilmente, é um livro incrível, que por detalhe não se tornou uma leitura inesquecível (para mim).