Se existe uma autora capaz de bagunçar todos os meus pensamentos e deixar minha cabeça a mil, essa é a Tarryn Fisher. É surreal a maneira como ela consegue me sugar para dentro de suas histórias, tecendo uma teia tão bem emaranhada que torna impossível desvendar onde começa e onde termina, são muitas as ramificações, as perguntas, as pistas soltas e um desfecho que pode ser muito satisfatório, ou não.
Quinta possui um casamento que foge do dito convencional, seu marido Seth possui outras duas esposas; Segunda e Terça, sim é deste modo que elas se conhecem, como os dias da semana em que cada uma tem o marido para si. Elas nunca se viram, não sabem dos nomes uma das outras, nem seus endereços, e qual o estilo de vida que levam, a não ser por eventuais informações que Seth escolha compartilhar.
“(…) Será que dá mesmo pra dizer que a gente conhece alguém de verdade?”
Um arranjo muito incomum, mas que tem funcionado, ou pelo menos é nisso que Quinta quer desesperadamente acreditar. Ela ama seu marido com todas as forças, e para tê-lo nunca se importou em compartilhar, ou nunca havia se importado até agora, porém, uma vozinha tem alimentando um sentimento em seu interior, que clama por mais tempo ao lado do marido, por saber mais sobre seu passado, por ter pequenos privilégios como uma viagem romântica, por ter Seth todinho para ela.
Só que ela é uma esposa exemplar, ela não reclama, ela não exige, ela sabe seu lugar e sempre o aceitou muito bem, ainda que com isso tenha que sempre abrir mão de algo. Tudo muda quando ela encontra um recibo médico entre as roupas de Seth, nele consta um nome e Quinta tem certeza que se trata de uma das esposas do marido. Obviamente que ela não consegue se controlar, e nessa busca por mais informações sobre a figura agora conhecida de outra esposa, Quinta irá entrar no meio de um furacão de emoções, passado e presente se colidem e o desfecho pode não ser aquele que nenhum dos envolvidos um dia desejaram.
Caros leitores, o que posso falar do enredo sem estragar a sua experiência de leitura é o que mencionei acima, e com isso já quero te recomendar que não leia a sinopse ou o que está escrito na primeira orelha do livro físico.
“Abro os olhos depressa, e a primeira coisa em que penso é: vou fingir que não estou com raiva dele. É isso mesmo. Vou ser dócil e submissa — a esposa recatada e do lar que ele gosta que eu seja. Não vai ser tão difícil, vai? Há anos finjo que sou assim e a raiva sempre esteve ali, borbulhando sob a superfície, inexplorada. Você está lúcida, penso. Não perca o controle da sua lucidez.”
As Esposas da autora Tarryn Fisher, é um thriller psicológico doméstico, o enredo mais parece um grande quebra-cabeça que vamos precisando desvendar conforme coletamos as peças ao longo dos capítulos. A nossa narradora é Quinta, uma mulher que de conformada se torna inquieta e obcecada pela verdade. E é perturbador. Eu não acredito que este livro irá agradar a todos, e após ler vários livros da autora estou tendenciosa a afirmar que essa é uma característica da sua escrita.
Primeiro porque nossa narradora é a própria Quinta, e é através da mente e de seus olhos que iremos conhecer cada detalhe desta história, ou seja, ela pode não ser a narradora mais confiável, já que está envolvida até o pescoço com o que está acontecendo. Ela uma mulher casada, vivendo um relacionamento polígamo com o um homem por quem é completamente apaixonada e dependente, não demora para que notemos que a vida de Quinta, gira em torno da rotina de Seth e suas visitas, e esse ponto também é incomodo. Por vezes ficamos questionando onde está o amor própria desta mulher, porque ela se submete as coisas que ela é exposta, porque segue em um relacionamento que obviamente não está lhe fazendo bem.
“(…) A forma como os outros nos veem é o que mais nos frustra mentalmente. Quanto todo mundo se vira contra nós, começamos a questionar quem somos, como agora.”
E então temos a primeira reviravolta, parece que as coisas não são exatamente como estávamos imaginando, já que compartilhar não é o que ela pretende seguir fazendo e essa decisão ganha combustível com o encontro do bilhete e logo em seguida, com a fingida amizade que ela desenvolve com uma das esposas. Isso mesmo, Quinta irá atrás das outras duas e neste processo, irá descobrir coisas sobre o marido que não irão agradá-la – e nem a nós. E nos deparamos com uma nova revelação.
O fato é que passamos quase que o livro todo questionando a nossa própria sanidade, confusos sobre o que está acontecendo, o que é verdade, o que é mentira… Talvez falando assim, eu não esteja fazendo muito sentido, mas este é o tipo de livro que você precisa ler sem ter spoilers.
Eu confesso que fiquei surpresa com a escolha da autora para o desfecho, porque pra mim, ela foi no caminho mais “fácil”, eu torci para que ela tivesse ousado, que até tivesse trazido algo mais trágico, um que não fosse tão “clichê” dentro do gênero. Mas, infelizmente não aconteceu. O ponto alto, ainda que não tenha sido trabalhado de maneira perfeita, são as questões mentais que ele aborda, a fragilidade de uma mente “perturbada”. Camadas de um trauma que gerou sequelas e problemas, transformando tudo na vida de quem o passou. A forma como se transforma a realidade na qual se está inserido para buscar ter algum sentido, ou alívio para o que se está sentindo. Ainda que em linhas gerais, o enredo seja muito mais sobre obsessão e vingança.
“(…) duvidar de mim mesma era um sentimento escorregadio e grudento…”
O fato é, que ao concluir a leitura, eu não gostei ou desgostei do livro. A verdade é que a leitura em si soou indigesta e incomoda o tempo todo. O que é uma novidade pra mim, já que Tarryn é uma das minhas autoras favoritas do gênero. Só que eu não consegui seguir imparcial diante da forma como ela optou por trabalhar as personagens femininas – mesquinha, rasa, machista, vingativa -, principalmente a posição na qual ela coloca a nossa protagonista… eu só queria gritar com o livro e implorar para que a autora buscasse uma outra alternativa que parecia muito mais interessante para o enredo. Mas não… foi um pouco frustrante eu confesso, ver mais uma vez o homem como figura de poder, tomando decisões, sendo o centro, cheio de problemas só que isso é sendo irrelevante, porque no final das contas a mulher é o problema, é a figura sempre louca. E olha que nem mencionei nada sobre a rivalidade feminina.
Enfim, em linhas gerais, temos um bom thriller psicológico, uma leitura rápida e fluida, mas que não irá agradar a todos. Eu deixo a recomendação, porque eu acredito de verdade que a única forma de saber se gostou ou não de um livro é lendo ele. Eu seguirei aqui amadurecendo tudo que li, tirando proveito do que foi bom e amargando o que foi ruim.
- The Wives
- Autor: Tarryn Fisher
- Tradução: João Pedroso
- Ano: 2022
- Editora: Record
- Páginas: 334
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