Terminei de ler recentemente a trilogia de livros de mistério da autora Holly Jackson publicados no Brasil pela editora Intrínseca. A série começa com o livro “Manual de Assassinato Para Boas Garotas”, que conta a história de Pip, uma garota que decide investigar o desaparecimento de Andie Bell, porque acredita que aquele que foi culpabilizado, Sal Singh, não era o real responsável pelo ocorrido.
Pip mora em uma pequena cidade do interior do Reino Unido, Little Kilton, onde todos se conhecem, e por isso decide utilizar como método investigativo entrevistas, além de muita pesquisa e leitura. Desta forma, com a ambientação de uma cidade pequena e misteriosa, onde todos guardam algum segredo, Holly Jackson construiu um primeiro volume de trilogia que captura o leitor pela sua curiosidade de saber o que aconteceu, tentando seguir o raciocínio sagaz de uma protagonista feminina inteligente e corajosa. Além de ser um excelente entretenimento, fui cativada pelos personagens principais e pelas interações entre eles.
A narrativa de Manual de Assassinato Para Boas Garotas lembra um bom mistério da Agatha Christie, e Pip é tão sagaz quando Hercule Poirot. Diferentemente de outros livros encontrados no gênero de suspense, balizados pela ação e, muitas vezes, pela violência, o mistério deste livro é resolvido principalmente com lógica e conhecimento. É por isso que o consideraria um livro do gênero “cozy mistery”, ainda que por vezes ele trate de temáticas um pouco mais densas. Este aspecto não permanece ao longo dos próximos volumes, no entanto: a história vai se tornando cada vez mais tensa e até mesmo violenta no transcorrer da trilogia.
No segundo livro, Boa Garota, Segredo Mortal, Pip fez um podcast baseado nas investigações que conduziu para descobrir o que realmente havia acontecido com Andie Bell. É por causa desse podcast e da fama que ele conquistou, que um dos melhores amigos de Pip pede ajuda para investigar o desaparecimento do seu irmão, já que a polícia não estava dando prioridade para o caso. Em paralelo, está ocorrendo um julgamento relacionado a fatos desvendados por Pip durante a investigação do primeiro livro.
Box Manual de assassinato para boas garotas, na Amazon
É neste contexto que a protagonista começa a questionar o que é justiça, o que é bem e o que é mal, e se existem zonas cinzentas no meio desses extremos. Temos aqui uma história similar ao primeiro volume da série em relação a investigação conduzida: segue sendo uma protagonista inteligente utilizando de lógica para desvendar um mistério. As consequências dos acontecimentos, no entanto, vão tomando uma proporção cada vez mais grave, o que nos leva diretamente para o último livro.
Em Boa Garota Nunca Mais, Pip começa a desconfiar que esteja sendo perseguida por um stalker, que talvez esteja mais próximo dela do que seria desejável. Neste volume, a discussão sobre o que é justiça é levada aos seus extremos. O próprio título traduzido do livro indica que a protagonista tem questões com o que é ser uma boa pessoa, o que provém diretamente das consequências psicológicas do que aconteceu com ela nos livros anteriores, assim como dos fatos que vão se desenrolando ao longo deste terceiro volume. O livro é dividido em duas partes, e enquanto a segunda parte mantém o ritmo do início da série, a primeira parte mais parece um thriller psicológico, com muita ação e tensão envolvidas na história.
Particularmente, eu gostava do formato utilizado no primeiro livro, por mais que tenha duvidado que alguns acontecimentos que ocorreram nesse volume teriam transcorrido tão tranquilamente se ocorressem na vida real. Não me agradou a mudança no tom da narrativa no último livro, mas esse não foi o aspecto que me mais me incomodou. A autora tocou em pontos extremamente delicados quando colocou em questionamento a justiça, o que causou em mim sentimentos muito diferentes e até mesmo contraditórios entre si. Posso dizer que amei o primeiro livro da série, gostei do segundo, e consegui amar e odiar, ao mesmo tempo, o terceiro.
Amei esse terceiro volume porque Holly Jackson construiu uma narrativa inteligente do início ao fim, não deixando ponto sem nó: as narrativas dos três livros estão conectadas, e de formas que muitas vezes não consegui prever. Amei e odiei ele porque a discussão que a escritora propõe, de que existem camadas de complexidade nas situações que nos impedem de estabelecer julgamentos claros de heróis e vilões, me interessa muito, mas não sei se foi conduzida da melhor forma.
Holly Jackson utilizou sua própria protagonista para mostrar que a linha entre bem e mal talvez não seja tão fácil de traçar quando inúmeras complexidades são trazidas para consideração. Esse foi um recurso narrativo inteligente, e achei responsável o fato de que ela trouxe para a história a discussão sobre os impactos das consequências de nossas ações em todos com quem convivemos e em nós mesmos. Ainda assim, foi difícil ver a protagonista com quem tanto empatizei tomar um rumo tão diferente do esperado, e tão questionável. Além disso, eu previ corretamente quem era o antagonista tanto no segundo quanto no terceiro volume da série, o que prejudicou um pouco a experiência de leitura.
Ao analisar a experiência como um todo, posso dizer que gostei de ter acompanhado a jornada de Pip, apesar de não ter gostado de todos os livros da mesma forma. Gostei da escrita de Holly Jackson e pretendo ler outros livros da autora, incluindo o spin off desta série, intitulado Jogo Fatal.
- A good girl's guide to murder
- Autor: Holly Jackson
- Tradução: Diego Magalhães e Karoline Melo
- Ano: 2023
- Editora: Intrínseca
- Páginas: 1376
- Amazon