Segundo ela mesma, Gill Hornby é obcecada pela trajetória de Jane Austen, famosa autora de romances como “Orgulho e Preconceito” e “Persuasão”. Foi a partir desta paixão que ela escreveu “Srta. Austen”, livro que se propõe a preencher ficcionalmente as lacunas de informações sobre a vida de Jane. Isso porque sua irmã, Cassandra Austen, queimou as cartas escritas pela autora, que poderiam revelar mais sobre sua pessoa. A proposta deste livro me encantou desde o princípio, como a fã de Jane Austen que sou: além de achar a ideia criativa, ela despertou minha curiosidade.
O livro começa no momento em que Cassandra busca a correspondência entre Jane e sua amiga Eliza, com o intuito de tentar impedir que as informações ali contidas cheguem a mãos erradas. Conforme as cartas vão sendo encontradas, a personagem as lê e, com isso, somos levadas ao tempo em que essa correspondência foi escrita.
A partir deste ponto, o livro alterna entre os momentos de juventude das irmãs, e a vida de Cassandra, já idosa, fazendo a leitura das cartas. Entramos em contato com Jane Austen através do olhar de sua irmã mais velha, que norteia essa narrativa. Podemos inclusive questionar se a Srta. Austen do título seria Jane ou Cassandra, já que ambas as mulheres nunca se casaram, sendo chamadas de senhoritas e mantendo o sobrenome da família do pai até o final de suas vidas.
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A princípio tive dificuldades com esta leitura, principalmente com a forma de narrar escolhida por Gill Hornby. Tive a impressão de que a autora tentou reproduzir a escrita espirituosa de Austen, sem ser bem-sucedida. Austen era certeira ao descrever comportamentos frequentes na sociedade da sua época através de um humor irônico e inteligente. Hornby pareceu tentar contar sua história de forma igualmente bem-humorada, mas não atingiu o tom certo para isso: muitas vezes fiquei na dúvida se havia nesse tom uma crítica aos comportamentos e visões de vida retratados, em uma tentativa mal sucedida de ironia, ou se ele era simplesmente uma reprodução dos preconceitos comuns àquela época.
Conforme a leitura foi transcorrendo, o teor crítico que não apareceu claramente no tom da narrativa pôde se apresentar nos acontecimentos, que mostraram como a mulher inglesa daquela época dependia de homens para ter uma quantidade de dinheiro suficiente para não passar dificuldades, o que fazia com que a mulher solteira se encontrasse em situações penosas, principalmente após o falecimento de seu pai.
Além disso, todas as personagens centrais desta narrativa são mulheres, um foco escolhido intencionalmente: em determinado momento do livro uma personagem afirma que apenas os homens da família Austen seriam lembrados posteriormente a suas mortes, o que me pareceu uma brincadeira de Hornby com o foco de seu livro.
Creio ser importante apontar que esta não é uma obra do gênero romance, ao contrário das histórias escritas pela própria Jane Austen. É um livro que imagina a vida das irmãs Austen, e, com isso, retrata a condição das mulheres daquela época. Afinal, Cassandra é apresentada como uma mulher abnegada, que desiste da possibilidade da própria felicidade para cuidar de qualquer um que precise, sem ser valorizada por isso.
Já Jane aparece como uma mulher que deseja viver de seu trabalho e para ele, em uma sociedade que não aprecia esse tipo de conduta. Partindo do princípio de que a narrativa é uma tentativa de refletir a forma como Cassandra enxergaria o mundo ao seu redor a partir do momento histórico em que vivia, podemos ler essa história de forma questionadora e reflexiva, entendendo como esse contexto pode ter marcado a vida das irmãs Austen.
- Miss Austen
- Autor: Gill Hornby
- Tradução: Elizabeth Ramos
- Ano: 2023
- Editora: Record
- Páginas: 292
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