Kanela – Neil Gaiman e Divya Srinivasan

01 abr, 2024 Por Izabel Wagner

Kanela era uma princesinha com os olhos da cor da mais bela e preciosa pérola. Filha de pais atenciosos e protetores, ela vivia sua vida dentro dos muros do grande palácio, no pequeno e quente país onde moravam. Quieta em suas maneiras de portar-se naquele amplo e misterioso mundo, a princesinha não falava e todos ao seu redor acreditavam ser muda ou preguiçosa, deixando o reino, a comodidade da estadia, além da própria boa vontade dos monarcas Rajá e Rani, com uma porção de maldizeres.

Quando as esperanças de seus apreensivos pais e a paciência do carinhoso povo pareciam fraquejar, um grande e sábio tigre aproxima-se para ensinar a garotinha a falar.

Publicado pela primeira vez em 2017, Kanela conta com texto de Neil Gaiman e ilustrações de Divya Srinivasan. Trata-se de um livro infantil que transporta crianças, jovens e adultos para um universo mágico onde tigres podem falar, garotinhas cegas podem descobrir e enxergar o mundo à sua própria maneira, a má vontade e descrença de adultos reclamões é devidamente castigada e a infinita proteção de queridos pais pode demonstrar um aviso para a necessidade de maior liberdade, abertura e atenção às necessidades de seus filhos.

Livre de complexas e profundas estratégias narrativas, analogias e interconexões, o livro reconhece a idade de seus leitores, restringindo a possibilidade de significa-lo na medida em que amadurecem e retornam para seus domínios com novos olhares. Na visão, talvez embaçada, dessa leitora adulta que muito aprecia a literatura infantojuvenil, Kanela não busca nada além de delinear uma agradável história de superação e aventura para as crianças, reforçando pequenas lições para adultos e, principalmente, responsáveis por crianças que ainda muito precisam descobrir e conhecer desse infinito e misterioso mundo em que vivemos.

Apesar de suas restrições narrativas, Kanela também é um livro mágico que busca aproximar os pequenos leitores de um universo distante, repleto de cores, paisagens, seres e palavras com as quais, talvez, não esteja acostumado. Ao explorar e situar com delicadeza, naturalidade e respeito a sua história em um país distante cuja cultura, vestuário, comportamentos e possibilidades ainda são desconhecidas para aqueles que as encontram, o livro funciona como uma espécie de ponte capaz de aproximar, naturalizar e humanizar o diferente, removendo véus de exoticidade, ignorância e romantização na medida em que prepara, ainda que sutil e brevemente, os pequeninos a conviverem melhor com a diferença.

Kanela é uma tentativa válida e digna de construção de uma literatura infantojuvenil cujos objetivos tornam-se tão claros aos olhos dos leitores maduros quanto as cores e aventuras podem deslumbrar os pequenos. Poderia ter ousado mais, se aproveitado mais da bagagem literária de seu autor, mas eu suas próprias limitações encontram-se também sua magia, tornando-se uma ótima escolha para leitura e diálogo entre pais e filhos.